O REGRESSO DA TERRA MÁGICA
Era uma vez...
Uma linda história de conto de fadas... Só que este não é um conto de fadas qualquer sem nenhuma razão de ser contada, lida ou sequer ouvida, mas uma história que absorverá o leitor com o relato da vida de duas irmãs gêmeas que são separadas ao nascer. Mas os seus caminhos voltam a se cruzar nove anos depois quando o mundo mágico interfere para que este reencontro aconteça para o bem dos dois mundos, o real e o mágico que está correndo risco depois do roubo da varinha de fada Silvia pela malvada madame Malvina que quer governar o bosque do encanto a qualquer preço.
Cândida e Petúnia são a peça chave de uma história cheia de magia e reencontros e encantamentos, onde o real e o imaginário se encontram formando um único caminho o da aventura.
Você deve estar se perguntando o porquê de tudo isso?A resposta virá nas páginas a seguir não perca!
Tudo começou numa dessas noites um tanto atípicas para fins do mês de maio, quando as estações meio que se esbarram e as massas de ar frio e quente se encontram e acabam resultando em terríveis temporais com direitos a raios e trovões que parecem querer remover céus e terras dos seus devidos lugares.
Numa rica propriedade um pouco distante da cidade, uma mulher para qual o marido não poupou esforços financeiros para construir um verdadeiro palácio, estava prestes a dar a luz. Ela suplicava para Deus que aquelas dores insurpotáveis tivessem um fim, mas ao que tudo levava a crer pareciam estar apenas no inicio de um longo e torturante sofrimento.
A madrugada já ia alta e os relâmpagos ainda riscavam o céu. Uma coruja piou não muito longe dali, mas seu som foi abafado por um estrondoso trovão, seguidos do som do trovão pode-se ser ouvido na casa dos Mello o choro estridente do choro da criança que acabara de nascer. “Uma menina forte e robusta, que tinha sede de viver”. Mas após o nascimento da menina ao contrário do que todos pensavam as dores da mulher continuaram e fortes contrações a levaram a perder os sentidos duas horas depois do nascimento da primeira menina, ela deu a luz a uma segunda, mas nem pode se dar conta do nascimento da mesma, sendo que esta nascera muito fraca e certamente não sobreviveria àquela noite tempestiva.
O silêncio que se produziu a seguir era quase que assustador, após horas torturantes de um parto difícil e complicado, dele resultando o nascimento de gêmeos, sendo que a primeira menina era sadia e a segunda na certa morreria dentro de poucas horas.
Um vulto furtivo cruzou a porta dos fundos levando consigo um embrulho. Era uma mulher que se dirigiu a caleça e ordenou ao condutor que a conduzisse até a cidade.
As ruas da cidade estavam desertas, apenas era possível ouvir o trepidar da caleça e o bater incessante do casco do cavalo contra o paralelepípedo. A caleça parou a poucos metros do antigo prédio que abrigava a Santa Casa da misericórdia das irmãs Clarissas (uma ordem franciscana, onde as irmãs recebiam crianças que eram enjeitadas por motivos diversos e trabalhavam para que estas mesmas crianças fossem reintegradas a sociedade através da adoção).
A mulher desceu da caleça com a ajuda do condutor, pediu para que ele aguardasse a sua volta, em seguida se dirigiu até o muro do prédio onde incrustado no muro havia uma base de madeira que funcionava com uma roda. No caso a criança era colocada ali e a seguir com as mãos se girava a roda para que o lado em que a criança foi deixada se voltasse para o lado de dentro do prédio, para que as irmãs clarissas a descobrisse e levasse a criança para o interior do abrigo. Aquela pobre menina na certa não seria encontrada com vida, mas de qualquer forma estava com a consciência tranqüila de que fizera o certo.
Antes de deixar a menina na roda e de girá-la para o interior do muro, descobriu um pouco a criança e olhou mais uma vez para a menina que era tão pequena e frágil, tão fraca que mau se podia ouvi-la respirar, apesar de pequena era bela, trazia os traços da mãe, até a marca de nascença no centro da testa ela herdara. Voltou a cobri-la e fez uma breve e silenciosa prece pedindo a Deus que se compadecesse daquela pobre e pequenina alma inocente e que pudesse perdoá-la por ter abandonado-a ali. A mulher puxou uma corda onde uma sineta foi acionada para avisar as irmãs que mais um enjeitado havia sido deixado na roda. Afastou-se a passos curtos e logo alcançou a caleça, que a seguir foi posta em movimento, deixando tudo para trás.
Nove anos depois:
A data daquela quarta feira nebulosa, era julho do ano de 1929, o céu estava carregado com densas nuvens ameaçando desabar em chuva a qualquer instante, o que não tornava aquele, um dos melhores dias para sair às ruas. A previsão do tempo dos últimos dias alertava as pessoas para risco de temporais, com ventos fortes e chuvas torrenciais. Mas também, não era preciso ser nenhum homem do tempo para prever que aquela quarta feira, fria e cinzenta seria um daqueles dias de caos e correria, com gente andando apressada pelas calçadas apertadas do centro da cidade. Como era de se esperar, não demorou muito para que a chuva caísse fria e juntamente com um vento forte, o popular vento sul que ainda deixava mais baixa a sensação térmica. É claro que qualquer pessoa ajuizada o bastante não deixaria sua casa quente e aconchegante para se aventurar naquela tormenta, mais enfim havia casos em que sair de casa era irremediavelmente obrigatório, principalmente para trabalhadores em especial os que lidavam com o mercado financeiro, principalmente para estes, o clima estava tenso não só por causa do mau tempo, mais por que o mundo vinha enfrentando a pior crise do mercado financeiro de todos os tempos, depois da terrível queda da bolsa de valores de Nova York, o mundo financeiro, em especial, “Wall Street”, não seriam mais os mesmos. E aquilo tudo misturado ao clima de temporais e frentes frias parecia aguçar ainda mais a indústria especulativa que lucrava com toda a crise mundial, enfim sempre há alguém lucrando por aí.
Enquanto a chuva aumentava e não tencionava aliviar, pessoas passavam apressadas tentando em vão se proteger debaixo de sombrinhas, guarda-chuvas, capas e outros tantos abrigos que podiam ser arranjados. Outras tantas corriam em vários sentidos, muitas delas se esbarrando por andar em direções opostas, mas com o mesmo intuito de regressarem para o conforto de suas casas. Enquanto lutavam ferrenhamente com os guarda-chuvas que ameaçavam quebrar ou simplesmente escapar pela força do vento desabrigando seus respectivos donos que esbravejavam, e seus xingamentos eram carregados pela força do vento.
Na majestosa e suntuosa catedral defronte para a praça principal da cidade, o relógio que ficava no alto de sua torre marcava em algarismos romanos, dezessete horas e trinta minutos. Apesar de à tarde ainda não ser finda, o céu escura dava a impressão de a noite ir alta.
Cândida estava sentada debaixo da marquise localizada na rua XV e observava atenta a movimentação dos que tentavam em vão fugir daquela situação inusitada. A rua estreita impossibilitava o acesso dos transeuntes com seus respectivos guarda-chuvas lutando bravamente para mantê-los firmes sem que envergassem por causa do mau tempo. Cândida se divertia com aquele turbilhão de gente tentando desesperadamente fugir para algum lugar seco e tranqüilo. No final tudo daria certo, as pessoas chegariam aos seus respectivos destinos e a rua XV adormeceria deserta tendo apenas um ou outro que circularia por ali. Cândida enfim poderia ajeitar sua cama de papelão e jornal e dormir certa de que o outro dia poderia ser melhor do que o que passou.
A chuva enfim engrossou e o céu parecia desabar em água fazendo com que as previsões feitas ultimamente de que o fim do mundo estava por vir estivessem certa. O comércio fechou as portas mais cedo e certamente ninguém se atreveria a sair de casa em meio aquela tormenta.
Não muito longe dali saindo de uma suntuosa loja de roupas estava uma outra menina com um estilo de vida bem diferente do de Cândida, Petúnia era rica filha de um banqueiro bem sucedido. Petúnia só vestia roupas caras e possuía tudo o que quisesse. Naquela tarde estavam tão envolvidas na escolha de roupas novas que nem perceberam que a chuva havia aumentado tanto. Já na porta da saída da loja “Atelier Suzette” uma das grifes mais cara da cidade, Zilda a babá de Petúnia se atrapalhou toda na hora de abrir o guarda-chuva.
-Zilda! Vamos até a miscelânea, quero comprar uma boneca nova. - falou Petúnia.
-A boneca ficará para outro dia minha querida, não vê como está o tempo? - alegou a babá apontando para o céu que ficara totalmente escuro.
-que me importa o tempo. Eu quero uma boneca nova, o papai me autorizou, lembra?
-Claro que lembro Petúnia, só que certamente seu pai não iria gostar de saber que para tanto você correria o risco de pegar uma tremenda gripe.
A outra fez um bico e fechou a cara, não sem antes responder:
-Papai ficará sabendo de sua atitude e tenho certeza que não aprovará.
-Pois eu garanto que não aprovaria se eu lhe atendesse os caprichos infantis debaixo desta chuva, além do mais precisamos ir até a esquina onde o chofer nos aguarda para nos levar para casa. - justificou Zilda tentando dar fim aquela conversa, porém ainda estava atrapalhada com o enguiço do guarda-chuva que teimava em não querer abrir. - Essa não! Petúnia querida, por favor, segure estes pacotes para que possa destravar esse guarda-chuva - pediu entregando à menina duas caixas. Ao que Petúnia fez com ar contrariado.
-Quer ajuda? - ofereceu uma senhora gorda que passava no exato momento em que Zilda deixava escapar um xingamento por conta do enguiço do guarda-chuva.
-Oh! Por favor, se puder me ajudar...
-É claro que posso! Deixe me ver. - disse pegando o guarda-chuva e mexendo no pino da trava. Imediatamente o guarda-chuva foi aberto.
-Muito obrigada! - agradeceu Zilda exprimindo um largo sorriso.
-Por nada. - o olhar da senhora foi atraído para a direção de Petúnia que estava postada diante da porta da loja esperando que Zilda resolvesse de uma vez o problema com o guarda-chuva. - E esta menina, que bela criança, como se chama? -indagou sorrindo.
-Petúnia. - respondeu com ar impaciente.
-Petúnia! – exclamou. - Que belo nome você tem! - O olhar da senhora se direcionou para uma marca que Petúnia trazia no centro da testa, que era um sinal de nascença que ela herdara da sua mãe. O sinal era avermelhado e tinha o formato de uma gota ou lágrima.
Petúnia sentiu-se ensimesmada pelo olhar constante da gorda senhora sobre sua testa.
- É um sinal de nascença. - respondeu
-É muito bonito, pois se parece com uma lágrima.
- Nós agradecemos a sua ajuda, mas agora nós precisamos ir. - interveio a babá que a esta altura já tirara os pacotes das mãos de Petúnia.
- As duas já iam se misturando aos demais transeuntes na rua, quando a senhora pediu:
-Esperem... - Ela logo as alcançou e então falou: - Por favor, eu gostaria de dar um presente à menina.
A mulher que se vestia estranhamente com uma túnica lilás e sandálias de couro que não tinham nada a ver com a moda da época vasculhou dentro da sua sacola não menos estranha do que sua roupa, era feita de um tecido dourado jamais visto em nenhuma vitrine de loja, bordada em formas geométricas com vidrilhos e canutilhos. Após um breve momento ela retirou do interior da bolsa uma boneca de pano e entregou a Petúnia que a olhou entre admirada e surpresa.
- Pegue. - insistiu a mulher estendendo a boneca. - É sua. E lembre-se que esta é uma boneca especial confeccionada pela magia do amor e ela lhe mostrará o caminho certo.
- pegue Petúnia! Que presente delicado. - disse Zilda, e a seguir concluiu: - a senhora é muito gentil!
Petúnia esticou a mão e pegou a boneca.
- Então Petúnia, não queria uma boneca? Agora ganhou uma! Agradeça a esta boa senhora. - tornou Zilda.
-Obrigada.
-Seja feliz! Talvez nos vejamos em breve. - Ela abriu uma sobrinha dourada que tinha uma haste comprida e fina, que Petúnia também não lembrava de ter visto outra igual em nenhum lugar. A mulher já ia saindo quando tornou a dizer; - Há! Como sou distraída já ia me esquecendo de dizer o nome.
-nome? - indagou Petúnia.
-Da boneca. Ela se chama Lucíola. - explicou. Ao dizer isso sumiu em meio à multidão.
-Vamos, Petúnia! Gaspar já deve estar nos esperando há horas.
As duas começaram a caminhar na estreita calçada da rua XV de novembro levando um e outro encontrão.
Petúnia olhava para a boneca e lembrava-se do que a senhora de roupas estranhas e modos mais estranhos ainda havia lhe dito ao lhe entregar aquela boneca também estranha.
-Nunca vi uma boneca tão feia! - disse olhando para a boneca que lhe parecia inexpressiva.
-Petúnia, aquela senhora foi tão gentil. - repreendeu Zilda.
-Estou farta de gentilezas. Ainda por cima alegou que este trapo iria me mostrar o caminho certo, e a boneca se chama Lucíola. Isso é totalmente desprositado. - revidou em tom zombeteiro.
A seguir ela viu uma garota sentada debaixo da marquise. Fez um ar de desdém, parou diante da mendiga, que estava toda encolhida com a cabeça coberta com um cobertor velho tentando se abrigar do frio, só via os olhos negros e cheios de vivacidade daquela menina que devia beirar a sua idade.
-Petúnia! - Zilda parou e chamou já que Petúnia havia ficado pra trás.
Sem pensar duas vezes Petúnia arremessou a boneca no colo da mendiga e disse:
- Tenho muitas bonecas! Esta não me diz nada. Já você não tem nada, talvez ela lhe de tudo.
A menina focalizou os olhos de Petúnia e sentiu um bolo no estômago, parece que lhe era tão familiar, aquela voz e aquele rosto escondidos pela sombra do guarda-chuva.
-Fique com ela! Ela chama-se Lucíola.
Zilda tornou a chamar por ela que se afastou deixando a menina e a boneca para trás
A boneca tinha o corpo confeccionado em tecido no tom caramelo, tinha o corpo magro, cabelos parecendo pequenas molas feitas de corda, os olhos arredondados com cílios longos, ambos pintados à mão, e uma boca pequena desenhada na forma de um coração na cor rosa. O vestidinho que cobria o corpo da boneca era uma jardineira azul clara e trazia em cada tirante uma delicada rosinha de seda cor-de-rosa.
Cândida permaneceu ainda um bom tempo admirando sua boneca perguntando-se. -Por que aquela garota havia lhe dado tão precioso presente? -Queria agradecer, mas não teve tempo, tendo em vista que a garota logo desapareceu. - Era sua primeira boneca! - pensou. A seguir lembrou da vez em que a irmão Docelina havia lhe dado uma bonequinha de pano que ela mesma havia feito com suas próprias mãos para dar a ela no natal. Cândida lembrava-se daquele natal, ela jamais iria esquecer da irmã Docelina que sempre lhe dera tanto amor e carinho.
Cândida não conheceu sua mãe, ela foi deixada na roda dos enjeitados da santa casa de misericórdia por motivos que ela desconhece. Foi irmã Docelina quem a tirou da roda, onde foi deixada poucas horas depois de nascer. Estava fraca e quase morrendo. Irmã Docelina sempre lhe dizia: - Cândida você tinha apenas um sopro de vida e se agarrou a ele e sobreviveu vencendo a morte. Você é uma guerreira menina!
Ela foi feliz na Santa casa até que num dia nebuloso e quente de verão o tifo entregou irmã Docelina nos braços da morte e mais uma vez Cândida ficou órfã. Ficou sem o amor e o carinho da única pessoa que se importou com ela. Após aquele triste episódio Cândido ficou muito aturdida e seu pensamento era o de fugir para bem longe da Santa Casa. O que não foi preciso, pois alguns meses depois da morte da irmã Docelina a Santa Casa pegou fogo. As crianças foram socorridas e todas foram salvas das chamas do incêndio que destruiu tudo. As chamas lamberam toda a construção deixando apenas cinzas. As cinzas do passado de Cândida e de tantas outras crianças que foram deixadas na roda dos enjeitados.
Depois do incêndio as crianças foram destinadas para outros orfanatos e abrigos infantis, foi neste momento que Cândida aproveitou para fugir. Não iria passar o resto da sua vida em abrigos. Depois da morte da irmã Docelina tudo aquilo ficou vazio e sombrio e ela queria deixar pra trás, começaria uma vida nova, já estava com nove anos e seria capaz de se arranjar sozinha.
Foi um caminho longo a percorrer, Cândida sentiu fome e frio, tristeza e solidão. Resolveu se instalar debaixo da marquise da loja de doces do seu Joaquim, um português viúvo e com um arrastado sotaque, que se compadecia de ver uma menina ainda tão criança sem qualquer vínculo familiar. Apesar de se apiedar muito de Cândida seu Joaquim que era casado com uma costureira turrona e cheia de preconceitos, ainda tinha que alimentar cinco filhos e apesar de ter pensado na possibilidade de adotar Cândida a simples menção disso para sua esposa Constancia lhe rendeu uma briga que o fez dormir no sofá por semanas a fio. Para se redimir de ser tão submisso à esposa seu Joaquim ajudava Cândida como podia lhe dando o que comer, e um cobertor velho para se cobrir algumas sobras de doces, além de deixar que ela tomasse banho no banheiro que ficava nos fundos da padaria.
Cândida estava vivendo na rua XV há pouco mais de um mês, já percebera o quanto difícil e complicada seria sua vida, além de solitária, mas não deixava jamais de sorrir e de agradecer o simples fato de estar viva. É claro que ela sonhava com um lar, com uma família, com o conforto de uma cama quente e macia para dormir. E quando dormia sonhava que morava num lindo palácio e havia muita fartura de comida, muitas vezes chegava até mesmo a ansiar por dormir logo somente para poder sonhar.
Como ela nunca conheceu um lar de verdade, não tinha muito do que sentir saudades. Ela sentia saudades do calor humano de irmã Docelina. A boneca que ela havia lhe dado no último natal se perdeu no incêndio e ela chorou muito, por não ter salvado sua Lucíola.
-Lucíola! Que incrível coincidência!A boneca que irmã Docelina havia feito e lhe dado no natal também era de pano e se chamava Lucíola. - Cândida ficara tão feliz com a boneca que havia esquecido deste detalhe.
_você voltou pra mim Lucíola! Só pode ser. - disse sorrindo
Estava tão contente por aquele dia que se levantou e começou a cantar dançar na chuva, mas daí lembrou-se a tempo que Lucíola era feita de pano e poderia molhar e estragar e isso ela não queria. Jamais em toda sua vida tivera uma boneca ainda mais bonita feita aquela, iria cuidar dela como se fosse um tesouro. E além do mais de agora em diante nunca mais ficarei sozinha novamente, terei alguém com quem dividir a vida. - Obrigada meu Deus! Porque a chuva que desaba do céu me trouxe esse lindo presente. - disse olhando para as densas nuvens que carregavam aquele fim de tarde.
- Eu amo você! Lucíola. -disse beijando o rosto de pano da bonequinha e tornando a se deitar sobre o papelão e cobrir-se com o seu cobertor de lã surrado, agarrou Lucíola e a cobriu também. Conversou com a boneca por horas, lhe contou parte de sua vida até que vencida pelo sono adormeceu.
A noite cobriu o céu e mais ninguém transitava pela rua XV àquelas horas, o que era de se esperar em vista daquele mau tempo que teimava em permanecer. O frio da noite mordia e cândida se encolhia o máximo que podia tentando em vão se aquecer abraçada à sua bonequinha de pano era possível perceber o sorriso de satisfação se desenhando em seu rosto, era provável que estivesse sonhando com uma vida melhor e nem se deu conta do vento forte que passou varrendo tudo o que encontrava pela frente inclusive os jornais que juntamente com o cobertor de lã surrado, cobriam ela e Lucíola.
... No dia seguinte Cândida acordou um pouco zonza, parece ter dormido uma eternidade. A chuva do dia anterior havia cessado e um sol magnífico brilhava no céu azul mudando completamente o cenário da cidade chuvosa e cinza do dia anterior. Sentou-se sobre os papelões e esfregou os olhos sonolentos com movimentos repetidos, quando imediatamente lembrou de Lucíola, procurou em volta da cama improvisada com papelões e jornais, levantou o cobertor, olhou de um lado e de outro e não encontrou, levantou-se olhou debaixo do papelão e nada de encontrar Lucíola. Cândida foi ficando desesperada, que azar o seu, foi só dormir para sua boneca ser roubada. Culpou-se por ter um sono pesado e não sentir quando retiraram Lucíola dos braços dela. Lembrava-se de Irmã Dulce a lhe dizer em tom de brincadeira: _ Cândida você tem um sono tão pesado que possa até desabar o mundo que você não acorda! A lembrança doce e caridosa de irmã Docelina fez ela ter vontade de chorar e um súbito sentimento de saudade e tristeza se aliaram a perda da bonequinha Lucíola, deu a ela uma sensação de impotência. Sem saber o que fazer ajoelhou-se sobre os papelões e começou a chorar de soluçar: Quando ouviu os passos de alguém se aproximando, mas não pode ver quem era, pois estava com a cabeça enfiada em seu cobertor chorando como se uma dor lancinante a dilacerasse a alma que era tão pequena porem já havia passado por todas as agruras possíveis para uma criança suportar.
-Por que você está chorando?-perguntou uma voz que reconheceu imediatamente como sendo uma voz infantil.
-Porque roubaram a minha boneca. -respondeu entre soluços.
-Oh! Não roubaram não!
Cândida levantou o rosto e olhou para a sua interlocutora com ar surpreso, enxugou as lágrimas com as costas das mãos, por um momento sentiu a alegria voltar, afinal aquela menina disse com tanta certeza que Lucíola não havia sido roubada, que Cândida pensou que por um momento talvez ela mesmo por não puder conter o impulso de resistir aos encantos de tão linda bonequinha resolveu pegá-la sem avisar só para segurar um pouquinho, afinal Cândida nem a culparia por isso, pois Lucíola era tão graciosa que era praticamente impossível segurar o desejo de segurá-la nem que um só instante nos braços. Os olhos negros de Cândida encontraram os da menina que lhe falava, era surpreendente o brilho de seus olhos sobre os de Cândida, olhos que eram tão belos e tão arredondados que pareciam ter sido desenhados no rosto da menina. Cândida sentiu-se frustrar ao perceber que a menina estava de mãos vazias, o que a fez perceber que Lucíola não podia estar com ela, a não ser que tivesse visto quem a pegou.
- Se eu não a perdi, onde está minha boneca acaso você poderia responder?
-Claro que posso!- assentiu sorrindo.
- E onde está?-quis saber ansiosa. - olhando em todas as direções e a seguir se atendo nos olhos redondos e cor de mel da menina.
-Aqui!-respondeu apontando para si mesma. -eu sou Lucíola! Não me reconhece?
Cândida riu apesar de não ter achado a mínima graça naquela brincadeira. A menina deu uma volta e acrescentou;
-Não acredita Cândida? Então veja com os seus próprios olhos, olhe meu vestido, já viu alguém vestida assim?
Cândida balançou a cabeça negativamente, a menina então continuou:
-Veja meus cabelos de mola, meus olhos tão redondos que parecem ter sido pintados à mão por um pincel mágico, minha boca em formato de coração. Ontem você me revelou alguns de seus segredos como, por exemplo, sonha em ter um lar, uma família, talvez uma irmã... Com que possa dividir seus segredos e suas dúvidas. Sei também que perdeu uma grande amiga que foi quem a salvou da morte, cuidando de você quando a retirou da roda dos enjeitados da Santa Casa, o nome dela era Docelina. Sei também que você fugiu porque não suportava a idéia de mudar para um outro abrigo ainda mais sem a irmã Docelina por perto... .
-Como sabe meu nome? Eu não me lembro de Ter dito a você. Mas também que importância tem isso agora...
-Ouvi seu nome quando o dono da loja de doces disse ontem ao se despedir de você. - explicou, fazendo rolinho com o dedo indicador no cabelo em forma de mola.
-O seu Joaquim? Não me lembro dele ter falado comigo.
-Já estava dormindo quando ele lhe desejou boa noite!
-Eu estava tão feliz com a boneca que ganhei daquela garota...
-Petúnia.
-Quem é Petúnia?
-A garota que me entregou a você em minha forma miniaturizada e inanimada. Na verdade eu deveria conduzi-la ao meu mundo, mas ela não aceitou ficar comigo e me arremessou direto para o seu colo. Percebo que tem a marca da lagrima e é uma cópia da outra, quer dizer que não tem problema, posso levar você no lugar dela.
-Como assim? Que história absurda é essa? Quem é você e o que quer comigo? - Cândida não conseguia compreender sobre o que aquela garota esquisita estava falando. Na certa ela havia pegado a Lucíola enquanto ela dormia e agora estava querendo despistá-la de qualquer maneira, inventando um monte de mentiras.
-Olhe! Preste atenção Cândida! Eu venho de um lugar mágico que esta ameaçado e você é a pessoa que pode salvar o meu mundo.
- Você é doida! Que mágico? Que mundo?
-Cândida suas perguntas serão respondidas com o tempo. Agora eu preciso que acredite em mim. Eu não sou doida, estou aqui para cumprir uma missão que é a de levar você para o mundo mágico, o que posso dizer agora é que confie em mim! - pediu a outra segurando no braço de Cândida com um tom de sinceridade na sua voz ainda infantil.
-Só quero que me responda: Onde está a minha boneca?
- Estou aqui! -repetiu a menina rodando a saia do vestido.
Cândida a olhou sentindo sua paciência se esgotar, mas pensou um pouco e resolveu que o melhor a fazer era fingir acreditar e ouvir o que ela tinha a dizer, talvez desse uma pista concreta de onde pudesse encontrar Lucíola.
-Já que insisti em dizer que você é Lucíola, então me responda o seguinte: Como conseguiu ficar tão pequena? Ninguém consegue tamanha proeza.
-È uma poção mágica feita pela fada Silvia.
- Fada? - inqueriu incrédula. -E como veio parar aqui?- perguntou tornando a olhar para a garota que insistia em dizer que era sua boneca de pano.
- já disse uma boa fada me trouxe.
-Por quê?
-por que precisamos de você em nosso mundo.
-Por quê?
-Porque você possui essa marca de lágrima na testa.
-Existem muitas pessoas que possuem sinais. - retrucou.
-O seu é especial. É uma porta de entrada para o meu mundo, significa que você é uma escolhida pelo mundo mágico para cruzar seus portais.
-Como isso pode ser possível? E por que essa fada não entregou você a mim? Ao invés disso entregou você a uma outra que não quis você e a jogou para mim. Estou certa?
-Está.
-Por quê?
- pra que tantas perguntas?
-Eu preciso de respostas.
-Cândida confie em mim. Tente enxergar além dos seus olhos reais e me veja da sua alma. Acredita em mim todas as suas perguntas serão respondidas e tudo tem uma razão, mas pare de me perguntar as razões porque eu mesma as desconheço.Mas tenho certeza que fada Silvia, a fada que me enviou nesta missão ao mundo real irá explicar tudo pra você.
Cândida ficou olhando para a menina a sua frente.
-Veja! - repetiu. - olhe para mim, sou eu a sua Lucíola. É preciso acreditar na mágica! - tornou com veemência.
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Cândida fixou seus olhos nos olhos arredondados e radiantes daquela garota e foi então que se desfez sua dúvida, foi reparando nos detalhes, o vestidinho azul claro de tirantes cada qual com uma rosinha de seda cor-de-rosa, os cabelos que apesar de não serem de corda pareciam molinhas, os olhos cor de mel, a boca em forma de coração e a pele cor de caramelo. -Era mesmo sua bonequinha. -pensou.
-Lucíola, é você mesma?- indagou ainda sem conseguir acreditar. Pensou que estivesse dormindo ainda ou sonhando, afinal tinha um sono muito pesado... Esfregou os olhos com força e sua visão foi sendo desanuviada, fazendo enxergar com mais clareza. - Tem certeza que é você?- insistiu
-Sim. Sou eu em carne e osso, ou melhor, em pano e osso. Há.! Sei lá do que sou feita. -resmungou
Cândida a abraçou. -Mas como pode? Se ontem era uma boneca de pano e hoje...
-Mágica. -respondeu Lucíola.
-Mágica? - repetiu Cândida.
-Sim. A maior de todas as mágicas.
-E qual é?
-O desejo de viver os sonhos na integra. - respondeu.
Cândida não compreendeu ao certo o que ela quis dizer, mas resolveu seguir seu coração e se deixar levar.
-Agora feche os olhos. - disse Lucíola dando as mãos para Cândida que segurou nas mãos dela apertando com força. - Feche os olhos e se deixe conduzir sem pranto para o mundo da magia e do encanto! - Proferiu em voz alta. Enquanto girou o dedo indicador fazendo surgir à frente delas um portal mágico por onde atravessaram. A seguir, Cândida sentiu-se como se entrasse num turbilhão onde suas emoções e sentimentos se fundiam, entrando num vácuo que a tragou para uma outra dimensão, para um outro mundo.
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Cândida sentiu uma brisa suave tocar seu rosto, um leve frescor como o nascer do dia e uma sensação de leveza pareciam levitá-la do chão, essas sensações durarão poucos minutos, ouviu a voz de Lucíola pedindo que ela abrisse os olhos novamente.
Cândida espantou-se ao perceber que estava num lugar totalmente novo para ela. Era um bosque belíssimo, repleto de arvores e plantas, flores de diversas cores e formas. Um imenso e cristalino lago onde nadavam alguns gansos juntamente com patos, tudo numa harmonia incrível.
-Nossa! Que lugar é este?- indagou Cândida perplexa com tamanha beleza.
-Você gostou?
-Muito!
Apresento-lhe o bosque do encanto. -respondeu Lucíola com evidente orgulho.
-É lindo! Você mora aqui?
-Lucíola fez que sim com a cabeça e em seguida falou:
-É daqui que saem todas as formas de magias e encantamentos, os contos de fada e todas as fábulas.
-É tudo tão mágico!-repetiu Cândida.
-Vem! Eu vou lhe mostrar todo o bosque. -disse Lucíola puxando-a pela mão.
Cândida caminhou ao lado de Lucíola e logo pode comprovar que o bosque era verdadeiramente mágico. À medida que caminhavam coisas incríveis e totalmente novas se descortinavam diante dos olhos atentos de Cândida, como: plantas e folhagens de espécies variadas e nunca dantes vistas por Cândida que conversavam animadamente entre si, pedras que se moviam e trocavam de lugar o tempo todo, muitas e simpáticas casas de telhados coloridos de todos os tamanhos e nos mais variados modelos todas particularmente peculiares em sua arquitetura, eram habitadas pelas mais estranhas criaturas que iam de duendes, fadas silfos pequenos e grandes animais todos dóceis e incrivelmente simpáticos.Em dado momento atravessaram um jardim de rosas e Hortênsias, que conversavam sobre o canteiro de margaridas que estava prestes a receber novas mudas que brotavam das sementes.Cândida achou engraçado a forma que elas falavam.`E como se comentassem sobre o mais novo bebe da vizinha que acabava de nascer e pretendiam fazer uma visita.- Era uma comparação estranha,mais que no mundo mágico fazia todo o sentido.
-Olá! Meninas. -cumprimentou Lucíola ao passar por elas.
-Oi Lucíola!Vejo que temos visita no bosque!-exclamou uma rosa cor-de-chá.
-Esta é nossa amiga Cândida, Rosília. -respondeu Lucíola.
-Seja bem vinda! Menina Cândida. -disse Rosília. - E para desejar-lhe boas vindas ofereço-lhe meu mais preciso perfume. - tornou.
Cândida apurou as narinas para inalar o delicioso perfume de rosas que Rosília lhe ofertara a seguir disse:
-Obrigada! Rosília. -retribuiu Cândida, lançando-lhe um largo sorriso.
--Precisamos ir indo, fada Silvia nos aguarda. Tchau! Meninas. -despediu-se Lucíola.
Cândida acompanhou Lucíola, antes, porém acenou para as rosas e para as hortênsias que retribuíram o cumprimento exalando um delicioso perfume no ar.
-Que delicia!-exclamou Cândida ainda inalando o perfume das rosas. -aqui tudo parece ter vida própria!
-É claro aqui é o Bosque do Encanto!-respondeu Lucíola.
-Você disse a elas que fada Silvia nos espera. Quer dizer que vou conhecer uma fada de verdade?
-Pode ter certeza que sim. Estamos indo para a casa dela.
Seguindo a direção que levava a casa de fada Silvia, seguiram uma trilha de pedras que pareciam cristais que ficavam coloridas quando os raios de sol tocavam o solo ladrilhado.
-Hei! Tome cuidado!
Cândida olhou para baixo, para a direção da voz.
- Estou falando com você, mesmo-.
Era uma das pedras que falavam com tom zangado.
-Oh! Por favor, me desculpe se eu o machuquei. - pediu Cândida.
-Já sei o que você deve estar pensando, que como sou uma pedra do ladrilho estou aqui para ser pisado. Pois saiba que estou aqui para ser pisado e não para ser chutado. - continuou num tom irado.
-Deixe de ser rabugento senhor Pedrito, Cândida já lhe pediu desculpas. - interveio Lucíola, no socorro de Cândida que estava visivelmente assustada pela brabeza do cristal.
-È isso mesmo sua pedra ranzinza, a garota vai pensar que você é um belo dum rabugento. - falou uma outra pedra que ficava mais a frente.
-Há é? Então deixe alguém chutar o seu traseiro, para ver se você ia ficar satisfeito oh Pedregulho. - Tornou Pedrito.
-Rapazes! Por favor, isso são maneiras de recepcionarem uma convidada? O que ela vai pensar dos moradores do bosque? - Foi Lucíola que se intrometeu tentando apaziguar aquela briga entre as pedras.
Pedregulho apresentou a Cândida suas desculpas. Enquanto Pedrito se mantinha irredutível. Lucíola lançou um olhar de reprovação para ele e disse:
- Seu Pedrito, seu Pedrito! Saiba que Cândida é uma convidada ilustre da fada Silvia e que ela não vai gostar nadinha de saber que o senhor não usou do bom senso e da boa educação para com a convidada dela.
- È sua pedra velha e rabugenta, peça desculpas a menina. - tornou Pedregulho.
-Tudo bem! - falou Pedrito e então se dirigindo para Cândida falou: - Desculpe menina! Eu sou uma velha pedra já cansada de viver neste ladrilho, mas também não saberia viver longe dele. Perdoe este velho cristal idoso.
-Eu que lhe peço perdão, afinal eu o chutei, sem querer, mas chutei.
-Está tudo certo! - Pise-me a vontade. - tornou.
-Não ligue para ele Cândida, é que a vida dura o tornou um pouco ranzinza, mas garanto que é uma boa pedra e que seu coração apesar de ser coração de pedra é mole feito um pudim.
Cândida achou engraçada a comparação feita por Lucíola, logo se despediu do ladrilho de pedras, que pediram para que ela viesse sempre visita-las, pois seria muito bem vinda no caminho delas. O que Cândida agradeceu com um largo sorriso que iluminou todo o seu rosto juvenil.
-Não precisa ter medo, você não ira cair. - afirmou Lucíola.
-Está balançando muito. Estou um pouco tonta. - reclamou Cândida ainda parada sem conseguir mover um músculo sequer tamanho o pavor que se estava abatendo sobre ela.
-Relaxe! -
-Não posso!
-Por que o medo?
-Se eu cair...
-Confie em você! Está no mundo mágico. - lembrou Lucíola.
Cândida sempre teve medo de altura ainda mais numa ponte que não parava de balançar e parecia que iria desabar a qualquer momento. Alguns cipós e juncos que faziam parte da ponte envolveram as mãos trêmulas de Cândida, no centro algumas tábuas se moveram e formaram uma boca enorme, ao que fez com que Cândida recuasse ainda mais.
-Espere disse a enorme boca.
-Ham? - Cândida ficou perplexa. Mas logo a perplexidade se dissipou e lembrou-se que estava no mundo onde tudo era possível, já havia falado com pedras, com flores, e agora era a vez da ponte.
-Está tudo bem. È o vento quem me embala a vida e é esse o motivo do meu balanço, não quero assustar você.
-Desculpe-me dona ponte - explicou Cândida. - Mas é que eu temo a lugares altos e ainda por cima com todo esse balanço estou um pouco zonza.
-Vou tentar balançar o menos possível para que você possa me atravessar.
Neste momento a ponte parou de balançar os cipós e os juncos soltaram as mãos dela e a boca se desfez fazendo com as tábuas voltasse a ficar firmes. Assim Cândida respirou fundo e atravessou.
-Muito bem! - Saudou Lucíola já do outro lado tão logo Cândida a alcançou.
Cândida olhou para trás e ainda pode ver os peixes que viviam tranquilamente no seu mundo particular e tão diversificado mundo das águas.
-É Lindo! - exclamou Cândida quando voltou para olhá-la a sua frente e quase que perdendo o ar diante de tanta beleza, jamais dantes vista por ela, ao se descortinar um gigantesco pomar com arvores carregadas de frutos, todos com aparência apetitosa fazendo Cândida se lembrar do quanto estava com fome.
Adivinhando seus pensamentos Um imenso pé de figos arqueou seus galhos e entregou a Cândida, figos maduros e suculentos.
-Tome!-disse ele. -esses doces frutos são para adoçar o dia dessa doce criatura.
-Oh! Que gentileza a sua!-disse Cândida tomando os frutos e agradecendo:- obrigada! Eu adoro figos.
-Acertou quando a chamou de doce criatura, seu fidigoso. -acrescentou Lucíola.
Cândida que estava faminta tratou logo de devorar os figos, que por sinal estavam deliciosos.
Mas a frente uma goiabeira, também ofertou seus frutos à Cândida, que por sua vez agradeceu e também tratou de comê-los, depois foi a vez da laranjeira, a macieira, o cajuzeiro, a mangueira, o pessegueiro... Cândida estava preste a explodir de tantos frutos que já havia comido.
-Acho melhor sairmos logo do pomar, se comer mais um só pedaço de qualquer fruta acho que você vai explodir. -alertou Lucíola.
-Concordo!-respondeu Cândida soltando um estrondoso arroto. -ops! Desculpe!
-Não se desculpe. Apenas finja que eu não ouvi. - as duas riram-se a valer.
Mas adiante encontraram novos personagens pelo caminho, um deles o coelho Pepe e a tartaruga Sofia, que viviam numa interminável disputa;
-Desta vez eu vou ganhar!-dizia Sofia desafiando-o
-Ninguém jamais vence Pepe o coelho mais rápido do bosque. -gabava-se.
-Você é um convencido, isso sim. -argumentava Sofia
-Parem com esta discussão. -interveio Jorge o rato filósofo.
Cândida achou tudo aquilo muito engraçado. Lucíola apresentou todos os habitantes do bosque, só faltava um que apareceu de repente surgindo dentre as folhas duma palmeira.
-Olá! Amiga Lucíola! Pelo visto trouxe nossa ilustre convidada.
-Olá! Dido. Sim esta é Cândida.
-Prazer Cândida! Saiba que você é muito bonita, talvez a garota mais bonita que já vi. Se não fosse tão alta, talvez eu investisse numa relação mais profunda.
-Ham?!-Cândida não entendia nada.
-Não ligue para este galante grilo falante. -recomendou Lucíola.
Cândida olhava extasiada para o grilo verde que falava pelos cotovelos.
-Um grilo que fala?
-Não entendi a sua surpresa minha cara, saiba que não só falo como canto e danço sapateio entre outros encantos... -disse arriscando um sapateado sobre a folha fazendo-o desequilibrar arrancando gargalhadas das duas.
-Não vejo qual é a graça, me falta apenas um pouco de treino. A propósito fada Silvia espera por vocês juntamente com Plínio.
-Plínio?
-Plínio é o nosso general. -explicou Dido.
-Puxa!
- Ele comanda a guarnição do exército de soldados de chumbo que protegem o nosso bosque. - tornou Dido
- Nunca conheci um general!- exclamou Cândida.
-Então chegou o seu dia de conhecer um, agora vamos! Que fada Silvia detesta esperar. -disse Lucíola.
Logo adiante avistaram uma casa muito simples de telhado vermelho rodeada por um cercado de madeira pintado em branco, tendo a frente um belo e bem cuidado jardim, donde exalava um delicioso perfume das mais variadas flores, entre elas: Narcisos, Camélias, Gebas, Jasmim, e lindas acácias. A casa que era bem pequena e possuía uma varanda onde estava disposta uma mesa de ferro redonda com quatro cadeiras. Dido foi voando na frente para anunciá-las.
Uma senhora muito simpática e de pele rosada, aparentando uns quarenta anos, baixa e rechonchuda óculos pequeno com aro de metal arredondado pendia sobre o nariz pequeno e gordo, apareceu na varanda, vestia uma túnica de cetim em mangas compridas e largas na cor lilás, no pescoço um cordão, tendo como pingente uma estrela de cinco pontas prateada. Parecia um amuleto que repousava sobre seus seios fartos e subia e descia com o ritmo de sua respiração. Ao seu lado se encontrava um belo rapaz, trajando um fardamento vermelho (uma casaca de botões pretos, calça com listas pretas do lado várias insígnias no peito demonstravam sua patente “Plínio general do exercito de soldadinhos de chumbo, do regimento norte”.).
Fada Silvia aproximou-se das duas e Lucíola se adiantou:
-Esta é Cândida!
Fada Silvia caminhou até ela e a abraçou tão forte que Cândida pensou que fosse lhe faltar o ar dos pulmões.
-Cândida! Que imenso prazer em tela conosco, entre e seja bem vinda!
Cândida entrou sentido certo desconforto por conta da timidez, que em breve se dissiparia, tamanha a hospitalidade de seus anfitriões. Acomodou-se numa poltrona envolvida por uma manta de crochê, percorreu os olhos pelo pequeno cômodo e viu delicadas toalhinhas de crochê e bordadas manualmente com devido capricho sobre prateleira e mesinhas as cortinas feitas em rendas balançavam nas janelas impulsionadas pelo vento fresco, num harmonioso balé. A decoração simples dava um ar de aconchego ao pequeno lar, os móveis antigos e quadro de paisagem pendurados nas paredes de madeiras davam impressão de casa de vovó. Apesar de Cândida jamais ter entrado em uma casa de avó antes, imaginava que deveria ser exatamente assim como a de fada Silvia.
- Gostou? - Indagou fada Silvia, vendo a tão absorta admirando tudo a sua volta.
Cândida a olhou sem compreender o sentido da pergunta.
-Da decoração? Fui eu mesma quem fiz!As toalhinhas, cortinas, inclusive esta manta que está sobre a poltrona onde você se encontra. Adoro fazer trabalhos manuais nas horas livres. -explicou.
-Há! Sim... Sim... Eu gostei muito! De verdade!-respondeu Cândida sentindo a face corar.
-Deve estar se sentindo um pouco cansada, não quer descansar um pouco?- sugeriu Plínio.
Pensou em recusar a sugestão, mais se sentia extremamente cansada e tinha uma vontade imensa de fechar os olhos e adormecer, talvez aquele lugar e toda a sua magia haviam causado nela aquele torpor.
-Sim. Você precisa descansar um pouco, afinal fez uma longa viagem até aqui. -concluiu fada Silvia, sem deixar mais nenhum argumento para negativa.- Embora, seja muito urgente o assunto que a trás até aqui, não creio que algumas horas a mais possam piorar ainda mais as coisas. E além do mais é preciso que você esteja bem descansada para enfrentar o que vem pela frente. - concluiu.
Cândida sentiu estremecer ao ouvir as palavras tão cheias de incógnita e mistério, mas ao final concluiu que era preciso ter coragem e acreditar em si mesma que tudo daria certo no final de tudo. Talvez tudo aquilo não passasse de um sonho e que ao acordar estaria de volta a rua XV debaixo da marquise da loja de doces de seu Joaquim e abraçada a sua bonequinha de pano doada por aquela boa menina.
-Vem comigo! Cândida. Eu vou levar você até o quarto. -disse Lucíola interrompendo o fluxo dos seus pensamentos.
-Isso mesmo, acomode Cândida. -completou fada Silvia.
Cândida seguiu Lucíola que a conduziu por um estreito corredor e parando a frente de uma porta pintada de azul com uma constelação fazendo a porta parecer uma entrada para o céu. Lucíola abriu a porta e fez um gesto com a mão para que Cândida entrasse. O cômodo era bem pequeno, porém confortável. Num dos cantos estava uma cama, coberta caprichosamente por uma colcha de tricô, toda em quadros coloridos, ao lado havia uma espécie de criado-mudo onde estavam dispostos uma jarra e uma bacia de prata e uma toalhinha branca para no caso de lavar as mãos ou rosto, seca-los com a toalhinha, tudo muito arrumadinho e cheiroso, parecia que o quarto estava dentro de um jardim donde vinha um perfume delicioso de jasmim e rosas brancas.
-Fique a vontade. -disse Lucíola antes de sair, fechando a porta atrás de si.
Quando se viu totalmente sozinha Cândida tentou refletir sobre o que realmente estava acontecendo. Noutro dia estava dormindo embaixo da marquise da rua XV, onde alguém misteriosamente lhe atirou uma boneca, que no dia seguinte transformou-se numa menina e que a trouxe para aquele lugar cheio de magia e de encantamento, onde ratos, grilos, coelhos, flores e arvores que falavam, além de pedras que se moviam, onde existiam duendes e fadas e até um general do destacamento do norte da guarnição de soldadinhos de chumbo, o que mais apareceria por ali? Cândida estava confusa e sentia um sono invadindo-a, olhou para aquela caminha quente e aconchegante que parecia chamá-la a deitar-se, como resistir? Deitou-se na cama de colchão macio e depositou sua cabeça sobre o travesseiro que cheirava a flores do campo, na certa fora confeccionada com macela, era tudo tão bom e tão confortável que Cândida adormeceu quase que imediatamente.
Ao despertar, não tinha idéia por quanto tempo havia dormido. De inicio acreditou estar de volta a rua XV de novembro, mas o cheiro da macela do travesseiro e o calor quente e macio da cama, fez com que percebesse que não havia sido um sonho e que estava mesmo no bosque do enquanto dormindo na casa de uma fada de verdade. Espreguiçou-se de um lado, depois do outro, era tudo tão perfeito e agradável que sentiu vontade de chorar. Sempre desejou dormir numa cama quente e macia, depositar sua cabeça sobre travesseiros feitos de macela em lençóis limpos e perfumados, nada parecido com as camas de abrigo e menos parecido ainda com a sua realidade atual onde não existia quarto com camas macias e lençóis perfumados. Dormia sobre papelões duros que catava nas ruas e os jornais já lidos e atirados fora lhe serviam de cobertor e que não tinha uma casa nem uma família. Sua realidade era a marquise das lojas Coimbra na rua XV, ela chorou diante da sua realidade e pela primeira vez sentiu pena de si mesma.
Lucíola deu duas batidinhas na porta na porta em seguida entrou. Cândida tentou em vão disfarçar as lágrimas, enxugando com as costas das mãos o rostinho tão pequeno e delicado e já marcado pela dor e tristeza. Não gostava que ninguém a visse chorar, detestava que sentissem pena dela.
Lucíola caminhou até ela e sentou-se na beirada da cama, passou a mão pelo rosto molhado da menina e num tom suave perguntou:
-Por que você está tão triste?
Cândida não respondeu apenas se ateve a olhar para o assoalho de madeira que fora caprichosamente encerado. Lucíola levantou o queixo da menina e continuou:
-Não precisa sentir vergonha de seus sentimentos, você é humana!
-Não me envergonho de meus sentimentos. Apenas não gosto que sintam pena de mim ou que me achem fraca.
-Demonstrar que está triste não é sinal de fraqueza, ao contrário significa que é corajosa o suficiente e não se envergonha de demonstrar o que sente, e agora por que não se abre comigo e me conta a razão da sua melancolia,somos amigas, lembra o que você me disse noite passada, enquanto eu ainda estava na forma de boneca?-Cândida fez que sim-Então não disse que seriamos amigas para sempre? Então confie em mim e diga o que houve?
-Sinto saudade!
-Saudade? Como assim?
-Eu não sei explicar, mas é algo que está dentro de mim. Sabe quando você sente um estado de nostalgia e sente falta de alguma coisa que talvez você nunca tenha vivenciado de verdade. Não sei se poderá me compreender. Eu nunca tive um lar de verdade, jamais conheci ou convivi com uma família, porém eu imagino como deva ser e quando me vi dentro deste quarto, tudo me parecia tão familiar é como um afago, um carinho, é como se toda a minha vida eu vivesse num quarto como este e conhecesse pessoas legais como vocês, porém isso não é verdade, por que eu moro debaixo da marquise de uma loja de doces e dependo de seu Joaquim para ter o que comer. E talvez jamais possa conhecer e ter uma família de verdade e morar num lar de verdade. - fez uma pausa e a seguir continuou:- pensar nisso me deixa muito triste sabe?
Lucíola chegou mais perto de Cândida e a abraçou com força e depois disse:
-Um dia você vai ter um lar e uma família de verdade, eu prometo!-Lucíola falou com tanta convicção que Cândida acreditou em suas palavras. -Agora vamos! Lave o rosto e venha tomar café.
Ao retornarem para a sala, os olhos de Cândida quase saltaram das órbitas ao verem tantas delicia juntas, postas numa enorme mesa de madeira, coberta com uma toalha bordada em crivo. Havia sobre ela tantos tipos de doces e salgados que Cândida não sabia nem como daria conta de experimentar tudo.
-Sente-se, Cândida. -convidou Plínio puxando a cadeira para que ela se acomodasse.
-Obrigada!-disse agradecendo a gentileza do general.
-Sirva-se à vontade!-recomendou fada Silvia sentando a cabeceira, Dido o grilo falante estava sobre o espaldar de sua cadeira, Lucíola sentou-se a sua esquerda e Plínio a sua frente.
Havia uma variedade imensa de delicias entre elas bolo de chocolate, torta de morango, pudim de leite, torta de amoras e mouse de chocolate, além de chás de rosas brancas, camomila e hortelã, bem como café, leite e chocolate quente. Estava preste a se servir quando chegou uma garota uma pouco mais velha que ela devia ter entre dezesseis e dezessete anos, tinha os cabelos crespos e cor-de-rosa usava uma túnica parecida com a de fada Silvia só que era verde-clara e também trazia o amuleto de estrela pendurado ao pescoço.
-Oh! Vespúcia entre! Sente-se e tome café conosco, quero que conheça Cândida. -falou fada Silvia enquanto se dirigia a garota de cabelos cor-de-rosa que recém chegara e que tomava seu lugar à mesa sentando-se ao lado de Plínio.
Vespúcia olhou demoradamente para Cândida com evidente expressão de confusão nos olhos. Parecia estar vendo um fantasma.
-Oi! Cândida. -cumprimentou Vespúcia forçando um sorriso fazendo com que suas covinhas dos dois lados da face ficassem visíveis.
-Oi!-respondeu Cândida com um enorme pedaço de bolo de chocolate na boca e um bigode desenhado pelo chocolate quente que acabara de sorver.
-Está com algum problema Vespúcia? - indagou Plínio
-Não! - respondeu de pronto. - problema nenhum. - tornou sem tirar os olhos de Cândida que parecia nem se importar com a presença dela enquanto devorava um farto pedaço de goiabada.
-Cândida, a Vespúcia é minha aprendiz de fada. -explicou fada Silvia.
-Puxa! Deve ser interessante aprender a lidar com magia. - E acrescentou-Jamais havia conhecido alguém com o cabelo cor-de-rosa. É muito bonito!-Em seguida depositou o que sobrou da fatia de goiabada sobre o prato e tomou um gole de suco de abacaxi.
Vespúcia agradeceu e Cândida voltou sua atenção para a torta de chocolate. Lendo-lhe os pensamentos Lucíola cortou uma fatia e a entregou. Cândida sorriu agradecida.
-Parece faminta... - comentou Dido.
-Não é sempre que tenho uma mesa tão repleta de tantas delícias para comer. - explicou
Enquanto comia, fada Silvia ficou observando-a, através de seus óculos, reparou nas feições delicadas e fortes, a pele morena, olhos negros e brilhantes. Os cabelos muito lisos e também negros que caíam sobre os ombros, estavam em desalinho, é verdade, mas não deixavam de ser lindos. -engraçado. -pensou consigo. -está tão diferente de quando lhe entregou a boneca. Apesar de estar chovendo torrencialmente, fada Silvia não deixou de reparar nos traços finos e firmes da menina que estava tão ricamente vestida dentro de um belo vestido de veludo preto com listras vermelhas. E os cabelos estavam impecavelmente bem penteados e presos com uma presilha prateada. Ontem ela parecia tão rica e tão voluntariosa tão cheia de si, no entanto agora estava tão diferente, tão plácida tão humilde... Suas roupas não se pareciam em nada com as que estavam vestindo anteriormente e os cabelos também não estavam impecavelmente penteados e sedosos. Um pensamento terrível a sobressaltou de repente. _ OH! Merlim! Será que... Esta não é aquela? Será que não são a mesma menina?- Fada Silvia baixou para olhar por debaixo da mesa se atendo nos sapatos. Oh! Não! Essa não! - exclamou... -olhou mais uma vez para os sapatos nada parecidos com os envernizados usados pela escolhida, os de Cândida rasgados deixavam a mostra os dedos (Cândida o achou na lata de lixo, vestiu serviu, ela resolveu ficar com ele, pois mais valia um sapato furado do que pés descalços).-Aquela não parecia em nada com a menina que fada Silvia encontrou e entregou a boneca, quer dizer fisicamente eram iguais mais os modos e os trajes...-Há! Por Merlim!-exclamou em voz alta chamando a atenção de todos para si.
-O que foi que houve?-perguntou Plínio.
-Cândida querida, por favor, levante um pouquinho sua franja preciso ver sua testa. -pediu fada Silvia com o tom de voz beirando o desespero.
Cândida mesmo sem entender levantou os cabelos que caiam em sua testa.
-Ufa! O sinal está ai. Por um momento achei que não fosse quem devia ser. -
Cândida olhou para ela sem entender nada sobre o que estava se passando. E a fada com ar intrigante continuou a divagar:
-Mas ainda está diferente, o que há de errado? Está tão diferente daquela menina de trajes tão refinados, e estava acompanhada por sua babá, o que houve com você de ontem pra cá?
-Babá? Que babá? - indagou Cândida que não compreendia a que fada Silvia se referia. - Ontem eu não me lembro de tela visto antes a não ser quando cheguei aqui. - esclareceu Cândida.
-Nunca me viu antes? Mas ontem mesmo durante a tormenta, lembra-se. Eu ajudei sua babá que estava atrapalhada por conta do enguiço do guarda-chuva...
-Fada Silvia eu nunca tive babá. Eu vivo na rua. - Cândida imediatamente lembrou de Lucíola ter falado a respeito da outra menina para quem a fada realmente a havia entregado em forma inanimada e miniaturizada, o nome da garota ela tentava lembrar... Era Perola... Petúcia... Não Petúnia... Era esse o nome da garota que deveria estar ali e não ela. Mas Cândida preferiu não falar a respeito, deixou para Lucíola explicar aquela confusão a qual se envolvera e a envolvera também.
-Oh Merlim! O que está me dizendo?- fada Silvia estava atônita. -Como puderam cometer tão enorme erro e trazer a menina errada. -Mas você possui o sinal da lágrima na testa e é igual à outra... Se não fosse pelas roupas... - não posso crer? E agora?- fada Silvia olhou para Lucíola buscando uma resposta desesperadora sem imaginar que Lucíola que estava com a resposta pronta.
-Acho que posso explicar. - iniciou timidamente. - A senhora está pensando que Cândida é a menina para quem a senhora me entregou na forma miniaturizada, para servir de portal para o nosso mundo, não é mesmo?
-E não é?
-Não. Mas tenho certeza que Cândida é a escolhida e no caso foi a senhora quem fez confusão na hora de me entregar.
-Como fiz confusão? - indagou aturdida levantando-se da mesa e olhando Lucíola com olhos de aço continuou:- Se foram meses de busca pela menina indicada pelo conselho dos magos para recuperar a varinha de condão das mãos de madame Malvina? E justamente no dia em que finalmente consigo uma chance de me aproximar da menina e entregar você em forma de portal para que ela viesse para o nosso mundo, você falha na missão e traz a menina errada? Ora francamente Lucíola, lamento dizer, mas seu ato impensado pôs em risco todo o bosque do encanto e seus moradores.
Lucíola a olhava temerosa:
-E têm mais. - Acrescentou:- O conselho não vai gostar nada disso e sinceramente não sei o que fazer para livrar a sua pele. Na certa sofrerá punição.
Fada Silvia passou as mãos nervosamente pelos cabelos emaranhados enquanto todos os presentes olhavam para ela totalmente em silêncio.
-Serei mandada de volta ao mundo real? - indagou Lucíola.
-Creio que passará um bom tempo em forma miniaturizada, como uma boneca esquecida talvez numa estante de uma criança humana e que raramente a pega para brincar.
Aquelas palavras pareciam doer em fada Silvia que demonstrava muito carinho por Lucíola e justamente por acreditar nela é que ela foi enviada ao mundo real. Teve que ser miniaturizada e se passar por uma simples boneca de pano, mas na verdade era um portal para o mundo mágico, para onde ela tinha a missão de trazer a escolhida que recuperaria a varinha de condão da câmara das maldades onde madame Malvina guardara a varinha mágica de fada Silvia deixando o bosque do encanto desprotegido da magia de sua fada governadora. E sem a proteção da forte magia de fada Silvia o bosque seria facilmente invadido por madame Malvina que ansiava por governar o bosque do encanto e tornar seus moradores em escravos da sua maldade.
- Talvez Cândida por trazer também a marca da lágrima possa transpor a câmara das sombras e recuperar a varinha. - interveio Plínio.
- Eu sei que suas intenções são as melhores possíveis, mas estou totalmente sem chão. Lucíola deveria ter voltado imediatamente e pedir que fossem feitas averiguações, antes de trazer cândida para cá. Ela conhece nossas leis, apenas humanos escolhidos pelo conselho é que podem ultrapassar o portal do mundo real para o mundo mágico. Estaremos encrencados caso a menina Cândida não seja a escolhida.
-Eu sei disso, fada Silvia, mas acredito que como as duas garotas são idênticas, deve haver uma explicação para tudo isso. - tornou Plínio.
Houve silêncio e foi a vez do grilo Dido dar sua opinião:
-Por que não deixamos que Lucíola nos explique o porquê dela ter trazido uma no lugar da outra e sendo que ambas possuem a marca da lagrima.
-Boa pergunta Dido. - tornou Plínio.
Lucíola andou até o centro da sala, estava de costas para todos, girou nos calcanhares e iniciou sua explicação:
-Eu lembro quando a fada Silvia me entregou nas mãos daquela menina de modos tão refinados e um nariz tão empinado. Assim que fada Silvia literalmente desapareceu, a menina deu alguns passos olhando-me entre incrédula e desgostosa, parecia que eu era muito pouco para ela que merecia uma boneca de porcelana ao invés de uma feita de tecido tão comum. Ela teceu alguns comentários de desagrado, foi então que ela como mágica foi atraída a olhar para uma mendiga que observava a chuva com um olhar perdido e distante, mas tão doce e tranqüilo que parecia alheia a toda aquela tormenta. A menina que se chamava Petúnia era idêntica a Cândida se não fossem por seus trajes e modos de vidas tão diferentes poderia jurar que eram irmãs gêmeas.
Cândida neste momento deixou suas guloseimas de lado e foi até onde Lucíola discursava, estava intrigado com aquela história que era impossível ficar alheia a ela. E Lucíola continuou:
-Eu mesmo em forma inanimada podia ver e ouvir muito bem, e Petúnia não tinha o perfil de uma escolhida pelo conselho das fadas para transpor a câmara das sombras.
-Mas isso não é você quem decide Lucíola. Cabia a você trazer a menina para o mundo mágico e não fazer analise sobre ela se adequar ou não a missão de resgate da varinha. - ressaltou fada Silvia com ligeira rispidez.
-Eu sei que não cabe a mim este tipo de verificação, mas foi a própria Petúnia quem decidiu, ela fez a escolha de aceitar ou não.
-Ham?! - Todos se perguntaram ao mesmo tempo.
-como assim? - inqueriu Dido. - ela sabia da missão.
-Isto é impossível! - verificou Vespúcia que até então se manteve em silêncio. - Nenhum humano teria acesso a informações do mundo mágico, há não ser que tenha alguém nos traindo. - completou com ironia.
-Não há ninguém traindo ninguém. - Ressaltou Lucíola prestes a perder a paciência. - quando digo que foi Petúnia quem renunciou, estou querendo dizer que foi ela quem me jogou para Cândida, ela não aceitou em carregar em suas ricas mãos uma boneca de tão humilde tecido ainda por cima dada a ela por uma “desconhecida”. Os ricos são diferentes, vivem em outra dimensão, se consideram acima do bem e do mal. - desabafou.
-Isso também não lhe cabe julgar. - redargüiu fada Silvia num tom mais tolerante de voz.
Em seguida passou a andar de um lado para outro, segurando com firmeza em seu medalhão.
-Confesso que não esperava por essa explicação. De fato há inúmeras coincidências, como por exemplo, a semelhança entre Petúnia e Cândida. Talvez você tenha certa razão Lucíola, quando diz que Cândida pode ser a escolhida, mas ressalvo que você errou, quando não me avisou que as meninas haviam sido trocadas. Deve haver uma explicação mais plausível para estas “coincidências”.
Cândida que não compreendia o que estava se passando se resiguinou a ouvir todo aquele rompante por parte de fada Silvia e os ânimos dos demais que havia se exaltado deixando-a totalmente perplexa ao perceber que o fio da meada tinha a ver com ela e com a tal Petúnia. De sua parte ela não havia compreendido o fato de estar ali naquela dimensão mágica comendo coisas que jamais havia provado e tendo a companhia de pessoas tão “diferentes” e fora do comum. Sentia-se feliz por estar ali, apesar de se perguntar diversas vezes se aquilo tudo não passava de um sonho e que a qualquer momento iria acordar na rua XV e voltar a se alimentar de sonhos. Mas até que despertasse gostaria imensamente de saber o porquê de toda aquela discussão e que história de escolhida e marca da lágrima na testa era essa.
Por isso muniu-se de coragem e finalmente perguntou:
-Sobre o que estão brigando?
Todos os olhares se voltaram na sua direção e ela se sentindo que despertara enfim o interesse das pessoas na figura dela tornou:
-Desde que cheguei estou sendo muito bem acolhida e bem alimentada. - disse apontando para a mesa ainda repleta de vários pratos contendo doces e salgados que ainda nem haviam sido tocados. - Mas eu gostaria de saber o porquê de eu estar aqui e que história, mas confusa é essa, sobre portal e câmara das sombras e escolhida?
-Oh! Meu anjo! Perdoe-nos! - disse fada Silvia abraçando-a. - Estamos tão envolvidos em todos esses meandros que envolvem o mundo real e o mundo mágico que acabamos nos perdendo do que realmente interessa. - fez uma breve pausa e acrescentou:- Você! Você está aqui lógico por alguma razão. Fiquei tão aturdida com toda essa confusão que esqueci totalmente de que o portal jamais se abriria para alguém que realmente não fosse especial. Deve haver uma forte razão para esses acontecimentos.
Fada Silvia voltou-se para Lucíola, Plínio, Vespúcia e Dido e completou: - Eu irei me reunir com o conselho das fadas a fim de obter melhores esclarecimentos a respeito dessa história. Encarreguem-se de cuidar para que Cândida sinta-se confortável e protegida e contem a ela sobre a varinha. - E voltando-se para Cândida concluiu: Cândida me perdoe eu não queria que você fizesse parte deste engano, porem acredito que não deva ser um engano, e eu torço para que Lucíola tenha razão e que você seja a nossa escolhida.
-Obrigada fada Silvia! Espero que eu possa ajudar a recuperar a sua varinha.
-Você é um doce.
Fada Silvia chamou Plínio num canto e disse:
-Plínio você é o nosso general e deposito em você toda a confiança...
-Claro! Fada Silvia, eu sempre serei de sua inteira confiança e estou apostos para qualquer missão.
-Eu estou preocupada. Se existem duas meninas. Na certa a outra corre perigo.
-Entendo. A senhora acredita que madame Malvina possa usá-la contra nós?
-sim. E é isso que me preocupa. E é por isso que preciso me reunir com o conselho. Tome conta de tudo.
-Fique tranqüila.
Fada Silvia despediu-se e saiu e Plínio retornou a sala onde Lucíola, Vespúcia Dido e Cândida discutiam sobre o assunto da escolhida:
- É claro que Cândida é a escolhida! - afirmava Lucíola com veemência.
-O que lhe da tanta certeza? - indagou Vespúcia duvidosa. - O fato de Cândida e Petúnia serem parecidas?
- Cândida e Petúnia não são só parecidas. - Argumentou: - são iguais, ambas possuem a marca da lágrima e confesso que se não fosse pelos trajes ricos da outra menina poderia jurar que se tratavam da mesma pessoa.
-Espera aí, Lucíola desde ainda a pouco estou ouvindo você dizer que a menina que me entregou você é muito parecida comigo e que possui até o mesmo sinal avermelhado no centro da testa, entre os olhos, - Disse erguendo a franja e exibindo o sinal. - mas agora você esta afirmando que ela é igual a mim?- Cândida parecia confusa demais com tudo aquilo. Como poderia haver alguém igual a ela?
-Igual! - fez uma breve pausa e acrescentou: Tudo!
Cândida fez um gesto de negação com a cabeça e tornou:
- Está querendo dizer que a outra menina é um pouco parecida comigo, quero dizer em aspectos se parece igual?
-Não, Cândida estou dizendo que ela é igual a você! - repetiu Lucíola.
-Mas isso não é possível. Como pode haver alguém completamente igual à outra pessoa.
-Talvez uma irmã. -interveio Plínio
-Não tenho irmãs. Fui deixada na roda dos enjeitados da Santa Casa. - explicou com ar tristonho.
-Talvez uma prima... - balbuciou Vespúcia com ar pensativo.
-Isso é impossível. - afirmou Cândida. - Não ouviram fada Silvia falar que a outra era rica, até você Lucíola observou que Petúnia tinha modos refinados, estava acompanhada de uma babá. Isto é totalmente fora de propósito, não é verdade! - esbravejou nervosa.
-Acalme-se Cândida! Não precisa ficar deste jeito fada Silvia voltara com uma resposta para toda essa confusão. - Assegurou Plínio.
-O conselho nunca erra, eles saberão exatamente o que ser feito. - garantiu Lucíola pousando a mão de leve nos ombros de Cândida.
- Como isso foi acontecer... - tornou Vespúcia ainda com ar distante. - Eu preciso dar uma saída. - falou de repente.
-O que é que ela tem? - perguntou Dido assim que a garota de cabelos-cor-rosa, deu uma desculpa qualquer e saiu às pressas.
-
Aquele montante de informações e acontecimentos a estavam deixando cada vez mais confusa. Há algumas horas atrás era moradora da Rua XV, que ficara imensamente feliz por que uma menina lhe deu por algum motivo uma boneca, boneca esta que aparentemente era um brinquedo normal e que estava longe dentro de sua imaginação de lhe servir de portal para uma dimensã