O NÚMERO CHORÃO

A velha tabuada estava largada num canto da escrivaninha. Juninho terminara o dever de matemática. Guardou os cadernos e os livros, mas esqueceu o livrinho dos números naquele canto.

Anoiteceu. A família jantou, viu televisão e depois todos foram dormir deixando um grande silêncio espalhado pela casa.

A tabuada continuava lá, na escrivaninha, solitária. Dentro dela os números primos, pares, ímpares, as subtrações, as multiplicações, as divisões e as somas descansavam do árduo dia de trabalho. Eram tantas as mãos que a manuseavam que, de vez em quando, ela ficava tonta. Ela se mexeu. Fez um alongamento porque a posição em que estava era incômoda. Que alívio! Disse baixinho. E ficou pensando no seu trabalho e no quanto ela era importante para as crianças.

- Sou eu que ensino as quatro operações para todos. Não há gênio neste mundo que não tenha passado por mim.

Ouvindo os pensamentos da tabuada, o número um perguntou:

- Está falando sozinha, dona tabuada?

- Não, meu caro. Só pensei em voz alta. Ainda acordado?

- É. Não consigo dormir. Quando tenho um problema não durmo

enquanto não encontrar a solução. – respondeu o número um.

- E que problema é esse?

- Ainda não descobri porque eu não sou um número primo.

- Ora, meu amigo! Essa é muito fácil. Você não é primo porque só tem um divisor que é você mesmo. Os primos podem ser divididos por um e por eles mesmos. Têm mais de um divisor. Entendeu?

- Buá... eu quero ser primo. Não quero ficar comigo mesmo...buá.

- Deixe de bobagem. Olha só que vergonha, um número deste tamanho chorando feito bebê! Você está ficando igual ao número dois que, só porque é par, acha horrível ser um número primo e vive querendo mudar. Pense na mágica que é a Matemática. As formas geométricas fascinantes, quebrar a cabeça para estabelecer as relações entre elas. Que importa ser primo ou par. – argumentou a tabuada.

O número um continuou chorando até que acordou todo mundo na tabuada. A primeira a acordar foi a multiplicação que foi logo reclamando do falatório e, apontando para o relógio da sala, disse aborrecida.

- Sabem que horas são? São três da madrugada e vocês aí nesta lengalenga.

A tabuada contou para ela o problema do número um. A multiplicação disse que nada podia ser feito para mudar a situação e que era melhor ele se acalmar, porque um número estressado não serve para fazer as operações matemáticas.

- Como vou me acalmar? Se não tenho ninguém além de mim? – respondeu o número um.

- Ora, pense no lado bom de ser você divido por você. Não tem ninguém para chatear, nem implicar. Se fosse primo, teria um outro divisor. Já pensou se fosse um cara chatérrimo, perturbando o tempo todo? - argumentou a multiplicação.

- Pensando bem, acho que tem razão. – respondeu o chorão.

- Então gente, agora chega de papo porque amanhã teremos um dia de muito trabalho. Tem muita criança precisando aprender a dividir, subtrair, somar e multiplicar. – disse a tabuada dando graças a Deus porque o número um parou de berrar e se conformou com a situação de não ser um número primo, tudo isso graças a sabedoria da multiplicação.

A tabuada, satisfeita, fechou as páginas, ajeitou-se no cantinho da escrivaninha para um bom descanso, antes de o dia clarear.

20/05/08

(histórias que contava para o meu neto)