"Eu te amo!"

Eu tinha uma vida divertida: escola, amiguinhos, aniversários, passeios, avós, titias, titios e uma porção de amiguinhas em miniaturas. Em meus momentos de solidão – pois era a única criança naquela casa grande –, via naquelas bonequinhas um mundo encantado. Eu trocava as roupinhas, mudava o tom da minha voz, e fazia delas o que eu pretendia ser quando crescer: linda, feliz e duradoura.

Hoje, quando acordei, margaridas sorridentes faziam cócegas em meus pezinhos, sobre a minha cabecinha havia um girassol tão intenso que até parecia “realmente” o Sol, engraçado, ele também sorria para mim. Eu ainda não estou acostumada com esta nova casa: não tem janelas, nem mesmo portas, tudo é colorido, até mesmo o céu tem uma porção de cores, tudo é tão diferente do lugar onde eu vivia.

Eu nem me lembrava que hoje eu estaria fazendo aniversário, pois quem cuidava disso tudo era mamãe, eu só escolhia os desenhos animados que fariam parte da minha alegre festinha, ah! eu sinto muita saudade da mamãe, mas estou tranqüila quanto à sua felicidade, nós éramos iguais: acreditávamos na felicidade como algo imorredouro!

Quando eu cheguei aqui, carregada por um “tio” de asas, não esperava encontrar tantos amiguinhos. Conheci o Lucas, o Pedrinho, que andava em sua cadeira de rodas apressadamente, o João era o mais caladinho, ainda não estava acostumado a ficar longe da sua mamãe. Fiquei com “pena” dele, tinha um machucado na cabecinha. Parecia percorrer – em seu silêncio – quilômetros de distância.

Neste novo cantinho eu só brinco, os adultos que aqui moram parecem o tempo todo como crianças: são mais arteiras do que eu pensava! Cecília, a professorinha, conta estórias muito engraçadas. Maria nos protege com seus carinhos e mimos. Conheci Jesus, um adulto de andar sossegado, barba bem feita e tinha olhos que refletiam todo o céu, por onde passa deixa um rastro de luz inconfundível.

Perguntei a José, pai de Jesus, como eu fazia para falar com mamãe, então, pacientemente ele me disse: “quando for dormir ore por ela, assim que o seu soninho chegar sua mamãe estará ao seu lado”.

Fiquei tão ansiosa que nem consegui me divertir direito, não via o momento da Lua chegar. Aqui até a Lua tinha boca, orelhas, olhos e, como todos os outros, estava sempre sorrindo.

A noite chegou, e meu soninho também. Deitei naquela caminha macia, feita todinha de algodão. Aos poucos fui sentindo novamente a queda, mas era diferente, eu não sentia dor, sentia apenas o ventinho levantando a minha franja. Quando consegui adormecer de verdade vi mamãe pensativa, sentada numa cadeira que tinha no quartinho onde eu morava. Olhava para minha caminha, percorria os olhos pelos meus brinquedos, passava a mão em seus olhos e enxugava algumas lágrimas. Ela estava tão tristonha! Senti uma enorme vontade de chorar, mas logo me lembrei das palavras do “tio” José. Então, fechei meus olhinhos e comecei a rezar a oração que a vovó sempre fazia quando estava quase dormindo: “Pai nosso que estás no céu, santificado seja vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no Céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém”.

A oração tornou-se um canto. Deitei mamãe em minha antiga caminha, esperei ela fechar seus olhinhos, beije sua face, cobri-a com meu cobertorzinho, acendi ao abajur e fui caminhando em direção à janela.

A luz já me esperava, porém, antes de ir embora, voltei meu olhar para minha santa mãezinha e disse, pela última vez uma frase que muito fora dita: “Eu te amo!”

*Que nó na garganta senti!