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Um Conto de FadasGiselle Sato  

Amanda estava triste. Na hora do recreio ia para o balanço, longe das outras meninas. Não brincava de pular corda ou amarelinha. Esqueceu as bonecas e a troca de figurinhas. 
Tudo começou duas semanas após o início do ano letivo. Apesar dos esforços dos professores, a pequena aluna não contava o motivo da mudança de comportamento. Os pais de Amanda estavam preocupados. Eram médicos e trabalham no Hospital Municipal da pequena cidade do interior, cercada de montanhas e lagos. 
Sempre revezavam os turnos para que a menina não ficasse sozinha na casa grande: 
 
– Querido, o que esta menina tem? Está calada demais. 
 
– Pode ser ciúmes do bebê a caminho, já conversamos sobre isto com ela mas, quem sabe, está com receio perder as atenções? 
 
– Não acredito, ela estava tão contente e animada. Amanda escolheu a decoração, as roupinhas da irmãzinha, fez questão de participar de cada detalhe.  
 
– Querida, ela só tem cinco anos, é normal sentir um pouco de ciúmes. 
 
– Não é o caso querido, precisamos descobrir o motivo verdadeiro.

 
– Está bem querida. As professoras estão observando com atenção, vamos redobrar as atenções e aguardar um pouco mais. 
 
A piscina na casa de Amanda era o ponto de encontro das amiguinhas nos finais de semana. Todas adoravam as brincadeiras com Chocolate, o alegre “labrador’’, que amava água e bagunça. Agora andavam todas com saudades do cãozinho levado: 
 
– Amanda, podemos visitar o Chocolate? 
 
– Vou sair com mamãe, vamos ver uma tia doente. 
 
– Que tia? 
 
– Você não conhece. 
 
– Conheço toda sua família, sou sua melhor amiga, que tia é essa? 
 
– Esqueci o nome, que coisa, Julinha.  
 
– O que está acontecendo? Não somos mais amigas? 
 
– Não é nada. O ônibus chegou. Vamos embora? 
 
Amanda sentou no último banco do transporte. Antes dividiam a carteira na sala de aula e voltavam juntas para casa conversando lado a lado. Eram vizinhas e estavam sempre juntas. Mal desceu do transporte, Amanda correu para casa sem se despedir da coleguinha. Entrou apressada, beijou a mãe e subiu as escadas do segundo pavimento da casa. 
 
O quarto da menina era um sonho, bonecas lindas enfeitavam a cama e várias prateleiras. Muitos jogos e brinquedos. Amanda espiou pela fresta da janela da casinha de bonecas. Uma luz piscou várias vezes e a menina sorriu:
 

– Oi, Agnes, como você está? 
 
A luz rosada brilhou suavemente na forma de uma fadinha. Tão pequena que caberia na palma da mão da menina. Uma fadinha com asas transparentes e longos cabelos azuis caminhou pela sala repleta de móveis em miniatura, sentou-se na mesa e piscou para Amanda:

 
– Olá amiguinha, como foi na escola? 
 
– Tudo bem. Ainda não acredito que você está aqui, parece uma história do livro que a mamãe conta todas as noites. 
 
– Estou aqui porque perdi meus poderes e não consigo voar. Ainda bem que caí na casa de uma menina boazinha.

 
– Obrigada, fadinha Agnes, mas precisamos descobrir uma maneira de trazer seus poderes de volta.

 
– É verdade, o tempo está passando e ainda não encontrei a solução. 
 
– Vou até à biblioteca do meu pai, ele sempre diz que tudo está nos livros. Volto logo, fique escondida. Cuidado com Chocolate, ele come fadinhas. 
 
As estantes repletas de livros exalavam um cheirinho gostoso. O sofá confortável, paredes inteiras repletas de obras de todos os lugares do mundo. Amanda nunca se cansava de olhar as prateleiras. Havia muitos livros de Contos de Fadas, cada um mais bonito que o outro. Folheou alguns, o tempo foi passando, acabou pegando no sono. 
 
Sonhou com Agnes voando livre no mundo de faz de conta com outras fadinhas. Havia alegria, como se uma grande festa estivesse acontecendo, muitas crianças brincando e rindo. Conforme a garotada brincava e as fadinhas ganhavam brilho, muitas luzes piscavam no ar, formando desenhos em torno do parque do bairro. Aos poucos, tomavam conta da cidade. Mais adiante e o país inteirinho vibrava em tons alternados. 
Finalmente o planeta transformou-se em milhares de cores fortes, lançando jatos de luz em todas as direções. Um sorriso surgiu no rostinho da menina adormecida. Acordou renovada, cheia de ideias e muito inspirada. Encontrou Agnes sentada em uma caixa de lenços perfumados:
 

– Tive um sonho lindo, parecia de verdade. 
 
– Querida menina, sonhos podem ser recadinhos especiais. O que sonhou? 
 
– Que estávamos juntos, fadas e crianças. Havia muitas luzes e o mundo inteiro participava. E as luzes acendiam e brilhavam.... 
 
– Amanda, encontrou a solução. Podemos juntar suas amiguinhas? 
 
– Não quero festas, estou muito triste, Agnes. 
 
– Por quê, querida? 
 
– Não percebeu que meus pais não são meus pais de verdade? 
 
– Como assim? Eles não cuidam bem de você? Não te amam? 
 
– Cuidam sim, mas sou adotada. Sou negra, eles são brancos e eles terão um bebê em breve.  
 
– Amanda, seus pais te adotaram e te amam muito. 
 
– Não sei, o Pedro contou que quando o bebê chegar, tudo será diferente. 
 
– Querida, você precisa decidir se acredita no Pedro ou pergunta a verdade para seus pais. 
 
– E se for verdade? Tenho medo. 
 
– Medo? O amor é mais forte que o medo Amanda, você tem muito amor, precisa confiar no seu coração. 
 
Amanda saiu do quarto correndo, acabou tropeçando no tapete e sofrendo uma queda em frente ao quarto dos pais. Os dois correram para acudir à menina: 
 
– Filha, você está bem? Onde está doendo? 
 
Amanda deixou-se abraçar pela mãe e começou a chorar. Tão surpresa quanto o marido, a mãe ficou longo tempo ninando e acalmando a garotinha. Sentiu saudades daquele carinho:
 

– Filhinha querida, está tudo bem, foi só um susto, estamos aqui meu bem. 
 
– Mamãezinha. 
 
– O que está acontecendo Amanda? Porque está chorando assim?  
 
A menina contou pela primeira vez o motivo da sua tristeza. Um menino soube que ela era adotada e para implicar passou a contar histórias de pais que mandavam crianças embora quando tinham outros filhos. O que antes era motivo de alegria transformou-se em um enorme pesadelo para a menina.
 

– Filha, nós te amamos muito, foram dias muito difíceis, vê-la tão triste sem saber a razão. 
 
– Eu queria contar mamãe, não tive coragem... 
 
– Filha, de agora em diante, se surgir alguma dúvida, pergunte à sua família. E você precisa ensinar tudo isto para Agnes. 
 
– O nome que eu escolhi venceu? Que maravilha!!! 
 
– Isto mesmo! 
 
– Papai, vamos terminar a arrumação do quartinho da minha irmã?

 
– Claro, filha, mãos à obra garotinha. 
 
Agnes, que tudo observava, parecia feliz com o desfecho da situação. O dia amanheceu ensolarado e a mãe de Amanda fez algumas ligações. Chocolate parecia adivinhar que alguma coisa estava para acontecer, porque não parava de correr e fazer todos os truques que conhecia. 
 
A cozinheira preparou delícias e o cheirinho bom de cachorro-quente e bolo encheu a casa. Logo as meninas chegaram, rindo e correndo pelo gramado. Cinco amiguinhas vestindo maiôs coloridos pularam na piscina, falando sem parar, esquecidas do período em que estiveram afastadas:
 

– Jú, venha depressa, preciso te contar um segredo. 
 
Julinha estava contente outra vez, era a melhor amiga de Amanda e partilhavam segredos. Juntas olharam a casinha de bonecas que os pais da menina haviam colocado no gramado, a fadinha havia sumido.
 

– Não entendo, onde ela está? 
 
– Quem? Alguma boneca nova? 
 
– Não, minha amiguinha Agnes, ela é uma fada. 
 
– Amanda, fadas não existem... 
 
– Olhem bem, estão chegando, são muitas, milhares... 
 
Mal havia terminado a frase e mil pontinhos começaram a brilhar em volta das duas meninas. Todas correram para admirar o espetáculo das luzes; eram tão pequeninas e lindas. Brincalhonas, faziam mil piruetas para encanto das crianças. Flutuando e pousando no nariz de cada uma delas. As meninas cantavam e riam, batiam palmas e dançavam como se ouvissem uma música especial.

 
– Agnes, como você está linda! 
 
– Obrigada querida, você também está radiante, preciso confessar que nunca perdi meus poderes, desculpe a mentira amiguinha. 
 
– Então por que ficou comigo tanto tempo? 
 
– Não adivinha? Precisamos de você para existir. É a menina mais alegre da cidade, está sempre animada e de alto astral. Sua energia é maravilhosa querida... 
 
– Oba! Que bom. Sou a menina mais feliz do mundo. 
 
Os pais de Amanda abraçados na varanda admiravam a alegria das meninas:
 

– O mundo da imaginação não é maravilhoso? Olhe como estão rindo com aqueles insetinhos.  
 
– Querido, são pirilampos coloridos piscando em pleno sol de meio-dia. 
 
– Um pequeno milagre da natureza. Que dia esplêndido, há muito não me sentia tão feliz. 
 
Amanda, Julinha, Camila, Aninha e Isabel assistiram à despedida das fadinhas e à coroação de Agnes. Doravante uma fada madrinha. 
Enquanto existir alegria e felicidade nos corações puros das crianças, as fadas estarão sempre próximas. Mesmo que não possam ser vistas, são sentidas em sentimentos felizes e inexplicáveis que acontecem o tempo todo e mal nos damos conta
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Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 16/04/2008
Reeditado em 01/09/2009
Código do texto: T948573
Classificação de conteúdo: seguro
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