RESGATANDO OS SAPOS AVENTUREIROS
Quando o garoto Pé no Bolo decide-se falar acerca do resgate dos sapos aventureiros realizado por ele, tempos atrás, imagina-se, em princípio, que seu relato seja meio parecido com os fatos narrados por pescadores que disputam seus prestígios nas rodas de amigos, em virtude da exposição de suas bravatas relacionadas com o assunto pescaria, mas isso, certamente, não ocorrerá com seu caso.
Na verdade, o relato referente a essa façanha praticada por ele está mais voltado para a ocorrência de uma epopeia, que nas narrativas do mundo literário se refere a um poema épico, geralmente extenso, que celebra heróis e feitos heroicos, e foi justamente isso o que aconteceu, quando se preocupou com a preservação e a manutenção da vida de seus anuros, fiéis personagens desse causo.
Outrossim, percebe-se que sua narrativa pueril acerca desse causo inusitado, procura acompanhar a mesma linha de raciocínio dos contos tradicionais, a despeito dos que têm sido contados por narradores mais experientes, referindo-se a temas diversos, evidentemente, senão vejamos:
Era uma vez um sapo-boi que morava numa lagoa de água limpa, situada bem nas brenhas da zona rural de uma cidade interiorana que, de uma hora para a outra, decidiu morar numa cidade grande, na esperança de viver com o seu amigo de infância que tinha se instalado nas águas de um rio caudaloso que havia ali.
Esse sapo-boi estava muito radiante com a possibilidade de reencontrá-lo e de poderem nadar juntos num rio com muita água, de preferência, bastante limpa e, de preferência, em algum lugar que ficasse muito distante da lagoa onde eles foram criados.
As notícias que já estavam circulando nos bastidores do Anfibiolândia Clube, que é uma entidade que dá abrigo sociocultural à espécie, a respeito da decisão que esse anfíbio anuro tomou, não eram muito alvissareiras.
No entender de alguns anuros contemporâneos, sobretudo daqueles com idades semelhantes às do sapo-boi, o animal que agia assim era, em geral, considerado muito destemido ou, no mínimo, alguém que tinha muita vontade de vencer na vida.
Outros anfíbios frequentadores desse clube, especificamente os convencionais, já diziam, abertamente, que ele era um anfíbio muito corajoso e entendiam que, apesar de sua decisão estar sendo meio precipitada, ainda gozava de bom conceito ali no seu velho habitat.
Outros comentavam que aquele sapo-boi possuía fama de animal muito esperto, sendo também, por excelência, muito desconfiado; também afirmavam que essas suas qualidades, semelhantes às de muitos humanos, poderiam lhe ajudar sobremaneira nessa sua nova convivência em meio às águas desse rio existente lá na suposta cidade grande.
Era final de mais um ano letivo e Pé no Bolo estava indo visitar parentes numa cidade grande e ali aproveitaria parte de suas férias escolares em companhia de seus pais.
Na sua condição de banhista assíduo das lagoas de águas limpas do interior, Pé no Bolo achou por bem acompanhar o sapo-boi naquela sua aventura de se instalar nas águas de um rio caudaloso de uma cidade grande. Ele acreditava que os humanos que viviam nesse lugar muito rica de vegetação natural, deveriam entender muito de preservação do meio ambiente.
Ele também esperava encontrar o rio indicado pelo sapo-cururu, contemporâneo do sapo-boi, muito limpo e até piscoso, e que se houvesse alguma água suja em algum ponto desse rio não o seria do conhecimento dos humanos que moravam nesse lugar.
O sapo-boi, por sua vez, acreditava que esses humanos por serem animais civilizados, teriam uma maior preocupação com a manutenção da boa qualidade de vida dos animais irracionais que moravam nas áreas vizinhas às deles, bem como teriam um cuidado excessivo com o futuro dos seus concidadãos.
Pé no Bolo desconfiava que o inexperiente sapo-boi estava sendo enganado e que ele não conseguiria sobreviver por muito tempo naquele lugar, ainda que fosse vivendo à beira das margens desse rio prometido, por isso decidiu convencê-lo a voltar para o lugar de onde ele nunca deveria ter saído.
Sem muita delonga, saiu à procura do sapo-cururu, amigo inseparável do sapo-boi e depois de andar, horas a fio, pelas cercanias das margens malcheirosas do rio existente naquele lugar, lá estava o sapo-cururu, meio ofegante e sem muito ânimo para viver, boiando em meio às águas poluídas.
Pé no Bolo ao se deparar com aquela situação calamitosa não pensou duas vezes. Preocupou-se muito com o estado de saúde desse seu outro amigo, retratado naquele seu semblante apático e decidiu, antes de ir embora, investigar os motivos que o levaram a ficar naquele estado de inanição.
Não demorou muito para ele descobrir que as águas daquele rio não ofereciam nenhuma condição de sobrevivência animal; sequer havia uma espécie de inseto que servisse de alimento para os seus dois amiguinhos.
Antes que aquela situação se tornasse irreversível, Pé no Bolo colocou ambos os sapos numa gaiola apropriada para o transporte de animal dessa espécie e voltou depressa para o campo, sendo bem recebido pelos demais anuros remanescentes.
Nem é necessário falar que houve uma grande festa no Anfibiolândia Clube e que todos os sapos compareceram para recepcionar a volta do sapo-boi e do sapo-cururu.
Pé no Bolo estava radiante, afinal, foi ele quem agenciou o retorno dos dois anuros. Impedido de entrar “andando” no salão de festas do clube, ele riu bastante, principalmente com a desculpa esfarrapada dada pelo porteiro de plantão:
- Queira me desculpar, mas o senhor não poderá entrar assim, com o seu corpo ereto, ou melhor dizendo, em pé, como todos os humanos o fazem. O Anfibiolândia Club é um clube de sapos e, em festa de sapos, todos deverão andar de cócoras, como eles sempre o fizeram - informou.
Pé no Bolo obedeceu, prontamente, à orientação do porteiro e, em seguida, ouviu-se uma sonora coaxada da saparia ali presente que, efusivamente, participava daquela festa.