Dores e marcas da infância

Roda, roda, roda...

Pé, pé, pé...

Roda, roda, roda...

Caranguejo peixe éééééééééééééééé...

Ciranda, cirandinha vamos todos cirandar

Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar

O anel que tu me deste era vidro e se quebrou

O amor que tu me tinhas era pouco e se acabou...

A maioria das crianças que vivem no mundo de hoje não conhece essas palavras cantadas e até a existência das cantigas de roda. Não sabe o quanto é gostoso caminhar com os pés descalços e sentir a terra sob eles.

Para elas deixou de existir o jogo de picovas, o futebol gostoso jogado com uma bola feita com meias furadas e elas desconhecem uma ladeira segura para despencarem morro abaixo num carrinho de rolimãs.

O cavalinho de pau, feito com um cabo de vassouras, ou a bobeca de trapos passaram a ser brincadeiras ridículas perante a parafernália de games, robôs e outras geringonças eletrônicas.

Os pais dizem ser perigoso, cheios de razão, deixar os seus filhos soltos e alegres a brincar na rua, mas quando num domingo de tarde a criança pede:

- Paiê, leva eu pra passear?

- Agora não meu filho, você não vê que eu estou ocupado com este contrato? Tenho que leva-lo pronto amanhã cedo ao escritório.

- Mãe, me conta uma história bem bonita.

- Tenho de ir a academia e depois ao shoping. Não tenho tempo não filho. Vai brincar lá no seu quarto, vai.

E os domingos passam, as crianças deixam de ser criança bem cedo, sem ter tido uma infância, e crescem sem saber o que é ter sido criança de verdade.

Tornarão-se adultos que não terão na perna a marca de um tiro de sal que levaram quando roubavam frutas num quintal do vizinho e nem viverão a lembrança das dores de um joelho ralado ou de um braço quebrado quando saltavam de um muro alto em suas traquinagens. Nem mesmo se lembrarão da dor causada por terem comido aquela goiaba tão gostosa que estava verde e cheia de bichos.

Eu vivi, quando era criança, em um mundo bem diferente. Tenho marcas no corpo e lembranças doces desse tempo que não me deixam esquecer como fui feliz. A dor de barriga sentida por ter comido uma fruta ainda verde passou e o meu braço quebrado quando era moleque sarou, mas a felicidade que senti em minha infância sobreviveu e se transformou em saudades.

E as crianças de hoje sentirão as mesmas saudades que eu sinto e terão consciência de terem sido felizes ao se lembrarem das dores que sentiram em sua infância? Acharão belas as marcas deixadas nelas nesse tempo?

CARLOS CUNHA o Poeta sem limites
Enviado por CARLOS CUNHA o Poeta sem limites em 17/02/2008
Código do texto: T862957
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