MEMÓRIAS DE UMA PIPA -Parte 1

Para

Cristina Porto

e

Liliana Iacocca

Com eterna gratidão por me mostrarem que voar é possível.

E

para

meu neto Vinícius

Que ensaia os seus primeiros vôos.

No começo eu não era eu.

Estava dividida.

Havia a venda do seu Zacarias na rua Itororó, uma espécie de mercadinho onde se vendia de tudo. Lá estava eu, que ainda não era eu.

Eu era , em parte, algumas daquelas folhas alegres e coloridas sobre uma das muitas prateleiras cheias de trecos pra serem vendidos.

Como não tínhamos o que fazer, nós folhas vivíamos tagarelando, fazendo fofocas, bisbilhotando a vida de tudo que tinha alí.

Nem mesmo as pálidas e magricelas varetas, que num canto se apoiavam umas nas outras com medo de caírem, escapavam aos nossos maldosos comentários: "Varetas japonesas?...Que japonesas nada! Não tinham olhos puxadinhos e nem sabiam falar Arigatô Sayonará."

A gente, varetas não deixava barato: "Papéis -de- seda? Seda uma ova!...Não passavam de papelecos cheio de poses por causa de suas belas cores. Bastavamm alguns pingos d"água pra acabar com aquela arrogância toda."

A gente não se combinava de jeito nenhum.

Quem imaginava que o destino nos uniria em um só ser?

É bem verdade que não foi o destino o autor de nossa união e sim uma tal de cola branca, uma tubinho pequeno e branco parecido com um mini fantasma, que também vivia ali a espera de que alguém o comprasse.

Um dia entrou lá um garoto. Comprou duas folhas de papel-de-seda, uma vareta e um tubinho de cola.

Daí fez uma pipa, que sou eu.

******************