O VELHO LEÃO E O MACACO

O leão, andando de um lado para o outro na margem direita do rio, tendo diante si uma tigela de farinha, dizia:

Eu sou um leão que envelheceu,

Minha vista enfraqueceu,

A dentição apodreceu

E a cor da juba esmaeceu.

Estou totalmente banguela,

Agora como mingau na tigela.

Força? Já não sou dono dela.

A juventude, como chama de vela,

Apagou-se com o sopro do tempo,

Deixando saudade e desalento.

Para tal fato não há argumento,

Sou o que sou neste momento,

Um leão velho, só e desdentado,

Na margem deste rio sentado

Lembrando as aventuras do passado.

Macaco não fique espantado!

Vendo-se descoberto, um macaco, que espiava por entre as folhas de uma árvore o rei da selva, resolveu rir do pobrezinho.

Majestade me dê licença,

Não de chegar a sua presença,

Mas de dizer que é exagero

Este lamento, este desespero.

Os anos lhe deram sabedoria,

E qualquer um se orgulharia

De ser, como vós, dono desta pradaria...

Chiii! Acho que ele entendeu padaria.

E continuou falando, falando, e o leão ouvindo tudo de cabeça baixa sem dizer uma única palavra.

Sua memória sofre de fraqueza,

Entender palavras pra vós é proeza.

Para formar frases perdeu a destreza,

Confunde tudo que é uma beleza.

Eu até acho engraçado

Um leão desmemoriado

Querendo voltar ao passado

De glórias do seu reinado.

Ah, ah, ah. Imagine só,

Majestade tenha dó...

Já não corre como antigamente,

Agora quem reina é o seu parente.

O leão, irritado com a prosa do macaco, deu um forte rugido respondendo:

Macaco não seja debochado, atrevido,

Lembre-se de quem aqui é o temido.

Não sou burro, só um pouco esquecido,

Isto faz parte do tempo vivido.

E o macaco continuou a abusar da paciência do leão:

Majestade, eu não quis ofendê-lo,

Sei que por sua reputação tem zelo,

Mas a mim tem de provar

Que as palavras ainda pode domar.

O velho leão bocejou. Sinal que a conversa estava pra lá de cansativa, e rugindo a plenos pulmões disse:

Testar de um rei a capacidade,

É um risco, uma insanidade.

Ainda me restam coragem e inteligência

Para acabar com a sua saliência.

E o macaco riu lançando no ar um desafio. O leão, para não passar por bobo, aceitou.

Então três vezes rápido repita

A frase que direi bem dita,

Não faça cara de quem medita:

A frase é: Eu trago o tigre.

O velho leão, rapidamente, respondeu enrolando a língua.

Eu trago o trigue,

E que sua força me instigue

A derrubar do galho este macaco

E acabar com o deboche deste velhaco.

O macaco, tentando acalmar o leão, disse-lhe que tudo era uma grande brincadeira. Era só para jogar com as palavras, como fazem os velhos, para reavivar a memória. E novamente ele propôs ao leão.

Com sua boca sem dentes,

Diga com seu rugido estridente,

Sem que pelo ar saia voando

A farinha que está mastigando:

Farofa, farofinha

Feita só de farinha.

Pantufa, pantufinha

Fofa, fofinha.

O leão bem que tentou, mas farinha voou para todos os lados. Era como se ele estivesse falando diante de um ventilador. No alto da árvore, deliciando-se com a cena, o macaco ria tanto que já sentia dor na barriga.

De repente um relâmpago riscou o céu. Macaco e leão ficaram assustados. Que seria aquilo? O tempo estava bom. Não havia prenúncio de tempestade. O leão ouvira na “Rádio Mata Verde” que o dia seria ensolarado sem previsão de chuvas. Novamente o relâmpago, e desta vez eles viram quem fazia aquilo.

Era a Fada do Tempo. Ela desceu do céu trazendo na mão direita um raio. O vestido era de luz brilhante que fez doer os olhos dos dois animais. Ela não pisava o chão. Flutuava uns centímetros acima. O rosto era bonito, mais parecia uma santa. O leão, respeitoso, fez uma reverência dizendo mansamente:

- Seja bem-vinda, Senhora dona do Tempo.

Ela sorriu para o leão. Olhou para o alto da árvore. O macaco procurou se esconder, mas a Fada do Tempo o descobriu entre as folhas. Elevando-se no ar a Fada chegou até ele.

- Meu querido macaco! Rir dos outros é feio. É falta de sensibilidade, de sentimento cristão. A idade mais bela não é só a juventude. Não. A idade mais bela é aquela que vivenciamos no momento. O tempo vivido é um tesouro. Começamos a envelhecer no dia em que nascemos. Isto está acontecendo com você. Mas o tempo é dadivoso.

Ele vai, ao longo dos anos, distribuindo sabedoria. A sabedoria é divina. Veja a grande natureza, ela é recheada de exemplos de sabedoria. Basta prestar atenção. Procure Naquele que tudo criou reposta para suas dúvidas, e antes de rir dos mais velhos, examine a sua consciência.

A vida é um poema, e os mais novos devem aprender seus versos com os idosos.

O macaco ficou envergonhado, tão envergonhado que escondeu a cara entre as mãos. A Fada do Tempo, delicadamente, retirou uma das mãos do macaco, olhou no olho dele e disse:

- Quero ver se você aprendeu alguma coisa hoje. Existe uma palavrinha que ninguém gosta de pronunciar, mesmo estando pra lá de errado. Qual é?

O macaco foi tirando, bem devagar, a outra mão da cara e, olhando timidamente para a Fada do Tempo, respondeu:

- É “perdão”, né?

- Isso mesmo.

O macaco, envergonhado, pediu perdão ao leão pela brincadeira de mau gosto que fizera com ele. Depois da partida da Fada, os dois ficaram conversando horas e horas e, antes de ir embora, o macaco prometeu ao leão que no dia seguinte ele estaria no alto da árvore para um bate-papo de amigos.

E depois dessa história toda, nunca mais o leão ficou só, tinha o seu amigo macaco para jogar conversa fora todo dia na margem do rio.

14/01/08.

(histórias que contava para o meu neto