A lixeira monstro
Eu posso jurar que ela está maior que ontem.
Luan olhava para a lixeira com desconfiança. Há dias insistia em dizer aos colegas que, de tanta comida descartada, a lixeira parecia estar crescendo e logo mais criaria vida. Os amigos riam.
“-Esse Luan tem cada ideia” dizia Dona Cora, a professora do primeiro ano. “Se continuar assim, quando crescer, vai ser contador de histórias”.
E a cena diária se repetia: Em fila, os alunos se colocavam diante da lixeira e despejavam a comida dos pratos: Arroz, feijão, legumes preparados com carinho pelo pessoal da cozinha, acabavam no lixo, descartados por crianças que torciam o nariz muitas vezes sem nem provar a comida. “Não gosto, não como, que nojinho” eram as palavras mais ouvidas por ali.
Luan, com o prato vazio, observava ao longe. Jurava que algumas vezes a lixeira piscava para ele. Foi ele que percebeu um leve movimento, como um espreguiçar lento. Mas nada disse, cansado das risadas e do descrédito dos amigos.
Certo dia, enquanto formavam fila para se retirar do refeitório, ouviram um som estranho, como se alguém estivesse arrotando alto. E fedido.
“-Que cheiro ruim”
“-Quem arrotou? Que falta de educação!” - E seguiam a fila.
“-Obrigada” - Uma voz arrastada soando como uma porta velha a ranger sussurrou. Algumas crianças ouviram e não entenderam quem havia falado. Outras nem conseguiram ouvir, engolidas pelo barulho do pátio externo.
No dia seguinte, quando as crianças se organizaram para sair do refeitório, a lixeira se agitou, fazendo diversos ruídos. Sua cor verde-escura se tornou viva e ela abriu dois olhos. Novamente um som de alguém arrotando e um cheiro ruim surpreenderam os alunos, seguidos por um sonoro “Obrigada”.
Foi uma gritaria! Até Francisco e Madalena, os cozinheiros, arregalaram os olhos de susto!
Nesse momento a lixeira esticou os braços (De onde teriam saído aqueles braços?) e bateu a porta, trancando todos ali dentro.
-Silêncio, crianças! Silêncio!
A lixeira falava com voz de lata velha e deixava voar grãos de arroz e pedacinhos de frango e legumes.
Assustadas, as crianças foram silenciando os gritos. Olhavam fixamente para aquele monstro verde. Uma ou outra sussurrava dizendo que João tinha razão afinal.
- Quando eu cheguei aqui, era uma lixeira pequena, destinada a receber cascas de frutas e outros pequenos restinhos do prato de vocês… Mas todos os dias vejo uma fila se formando e todo o conteúdo dos pratos sendo despejado: Os legumes que deveriam dar a vocês energia e força, me alimentaram. Vocês estão cada dia mais fracos e eu, mais forte.
E para demonstrar sua força, a lixeira deu uma corridinha, ficou em uma perna só, plantou bananeira e riu, um riso assustador.
-Se vocês não comerem a comida que os cozinheiros preparam com tanta higiene, cuidado e amor, eu vou me transformar em um monstro de lixo. Vou ser tão forte e grande que não irei mais conversar com vocês! Vou atormentar a todos com cheiros ruins, sons assustadores… E vou esperar a hora de saírem da escola e pegar todos os chocolates, salgadinhos e sorvetes que os pais de vocês trazem quando vem buscá-los. Afinal, vocês não comem nada mesmo!
- "Um monstro de lixo? Isso não pode ser verdade!", disse Maria Luiza, a mais corajosa da turma.
- É verdade sim! Se vocês não começarem a comer tudo, vou ganhar forças e sair pela cidade, pegando todos os lanches e devorando! Serei invencível e vocês, famintos.
As crianças se entreolharam e decidiram que era hora de agir. "Precisamos comer tudo o que temos no prato!", sugeriu Ana, a melhor amiga de Luan.
A porta do refeitório se abriu com um estrondo. A lixeira-monstro, com medo de represálias por suas ameaças, saiu correndo:
“-Amanhã eu volto”
E assim foi. No almoço do dia seguinte, o canto onde a lixeira costumava ficar, estava vazio. Mas não por muito tempo. Enquanto comiam, as crianças ouviram um ruído estranho e perceberam que a lixeira monstro entrou e parou em seu antigo lugar.
Mas naquele dia, não havia fila para jogar lixo. Com determinação, as crianças se permitiram experimentar novos alimentos: o brócolis, a cenoura e o feijão. Nada ficou no prato. Ao sair, ouviram até o ronco de fome da lixeira monstro, que apesar de tudo, sorria.
A cena se repetiu por mais dias. Aos poucos, a lixeira-monstro foi retomando seu antigo tamanho e foi se acalmando.
- Crianças! Agora me sinto bem melhor! A comida é importante para vocês crescerem saudáveis! Para mim, a comida limpa e boa quando me alimenta, causa furor e tristeza. Estou muito orgulhosa em ver vocês se alimentando bem!
A lixeira então foi retomando sua antiga forma, sem braços ou pernas. Sorriu e fechou os olhos.
As crianças aprenderam a lição: Valorizavam a comida e a viam como uma forma de cuidar de seu corpo e de sua saúde. Para alegria de Madalena e Francisco, os alunos passaram a experimentar novos sabores várias vezes antes de decidir dizer que não gostam do alimento. E ao perceber o que realmente não gostam, conseguiam com educação, pedir para colocar “bem pouquinho” no prato, evitando o desperdício.