O Rei do rio

PERSONAGENS

Peixe

Sapo/Rei

Tartaruga

CENÁRIO: FUNDO DE UM RIO POLUÍDO, COM PEDAÇOS DE PANOS E PLÁSTICOS PENDURADO, ALGUMAS PEDRAS E PLANTAS AQUÁTICAS. UM SAPO ENTRA EM CENA COMO SE TIVESSE SIDO JOGADO PARA DENTRO DO RIO.

Sapo – Ei, alguém me ajude, por favor! Eu não sei nadar! Alguém me tira do fundo deste rio! Eu sou o Rei! Quem ousou jogar o Rei dentro do rio? (RESPIRA COM DIFICULDADES) Socorro!… Acho que vou morrer… (DESABA NO CHÃO).

ENTRA EM CENA UM PEIXE, TODO SUJO DE ÓLEO, COM RESTOS DE REDES E PANOS AMARRADOS NO CORPO. TOSSE. TROPEÇA NO SAPO

Peixe – Eita que é um Sapo! Mas um Sapo no fundo do rio?! É, isso aqui tá mesmo indo de mal a pior! Aonde já se viu um Sapo no fundo de rio! Se num bastasse todo esse lixo e esgoto na nossa água, agora me aparece um Sapo bem aqui no fundo. (CUTUCANDO O SAPO) Ei, seu Sapo! O que você ta fazendo por aqui? Se ficar aqui no fundo vai acabar morrendo!

O SAPO ABRE O OLHO E FALA COM DIFICULDADE.

Sapo – Me ajude, seu Peixe, por favor!

Peixe – O que você está fazendo aqui?

Sapo – Me jogaram aqui dentro! Eu não consigo respirar.

Peixe – Quem jogou você aqui?

Sapo – (FALANDO COM DIFICULDADE) Foi a bruxa!

Peixe – Ih, o Sapo já ta até delirando! Deve ta faltando ar no cérebro da criatura! (AJUDANDO O SAPO A LEVANTAR)

Sapo – (RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Eu não consigo respirar! Me ajude! Acho que vou… (E O SAPO DESABA NOVAMENTE NO CHÃO)

O PEIXE SE APROXIMA, SENTE A RESPIRAÇÃO.

Peixe – É, o caso é muito grave! Preciso buscar ajuda. Esse Sapo não vai aguentar muito tempo aqui no fundo do rio. Aguenta firme aí que eu vou buscar ajuda! O PEIXE SAI DE CENA. O SAPO SE LEVANTA COM DIFICULDADE.

Sapo – (RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Preciso sair daqui! Tenho que voltar para superfície! Tem que ser agora, ou nunca. Eu vou conseguir! (O SAPO DÁ UM PULO E AGARRA EM ALGUNS PEDAÇOS DE PANO E VAI SAINDO DE CENA USANDO OS PANOS PENDURADOS).

ENTRA O PEIXE.

Peixe – Ele tava bem aqui, ó! Ei, Dra. Tartaruga, cadê a senhora? O PEIXE VOLTA ATÉ A COXIA PARA BUSCAR A TARTARUGA. VOLTA RÁPIDO AO PALCO.

Peixe – Deixei o Sapo caído logo ali! Como é Dra.? É pra hoje ou pra amanhã?

ENTRA EM CENA, VAGAROSAMENTE, UMA TARTARUGA VESTIDA DE MÉDICA.

Peixe – Anda, Dona Tartaruga, senão o Sapo não vai aguentar!

Tartaruga – Calma, Peixe, devagar!

Peixe – Mas o Sapo está morrendo!

Tartaruga – Eu ainda não acredito nessa sua história, aonde já se viu um Sapo no fundo do rio?

Peixe – Ele falou que uma bruxa jogou ele aqui dentro.

Tartaruga – Uma bruxa? Sei!

Peixe – Eu também não acreditei, mas ele não está bem, por isso fui buscar a sua ajuda.

Tartaruga – Estou achando essa história muito estranha!

O PEIXE PARA E NÃO VÊ O SAPO.

Peixe – Seu Sapo! Seu Sapo!

Tartaruga – Cadê o Sapo, seu Peixe?

Peixe – Ele estava aqui! Deitado! Quase morrendo.

A TARTARUGA COMEÇA A EXAMINAR O PEIXE.

Peixe – Que isso, Dra.? Pare com isso!

Tartaruga – Acho que o senhor não está bem, seu Peixe! Acho que toda essa poluição do rio está afetando a sua saúde. O senhor anda comendo esses lixos que jogam aqui dentro?

Peixe – Eu não estou doente! O PEIXE COMEÇA A TOSSIR.

Tartaruga – Olha aí essa tosse! Fique quieto! Deixe eu lhe examinar direito.

Peixe – É o Sapo que está doente, não sou eu!O PEIXE VOLTA A TOSSIR.

Tartaruga – O senhor anda bebendo essa água poluída que estão jogando dentro do rio? A TARTARUGA TIRA DO BOLSO DO JALECO UM COMPRIDO E ENTREGA AO PEIXE.

Tartaruga – Agora o senhor tome esse comprimido e vá descansar um pouco, pois o senhor está com sintomas de doente. Está tossindo muito. E cuidado com o quê come e com o quê bebe, pois esse rio já não é mais aquele. Agora o senhor me deixar ir, pois, já que não tem nenhum Sapo por aqui, tenho outros peixes para atender.

A TARTARUGA SAI DE CENA VAGAROSAMENTE. O PEIXE PROCURA O SAPO POR TODA A CENA.

Peixe – Aonde foi parar aquele Sapo? Ele não aguentava nem respirar. Não pode ter ido assim tão longe.

O PEIXE SE SENTE CANSADO. TOSSE MAIS UM POUCO. OLHA O COMPRIMIDO E RESOLVE TOMÁ-LO.

Peixe – Vai ver eu tô mesmo ficando maluco! Será que to ficando doente de verdade?

O PEIXE SE SENTA EM UMA PEDRA.

Peixe – Às vezes eu tenho saudades daquelas águas claras, agora é tudo embaçado! Vai ver que, de repente, nem era um Sapo! Será que não era um Sapo? Ou será que era? Aiaiaiaiai! A água desse rio não deve estar mesmo me fazendo bem!

O SAPO ENTRA EM CENA COMO TIVESSE CAÍDO DOS PANOS.

Peixe – É você, Sapo?

Sapo – Olá meu amigo, você pode me ajudar a voltar pra superfície?

Peixe – Aonde você se meteu?

Sapo – Eu tentei chegar na superfície, mas quando já estava quase saindo da água, esses panos arrebentaram e cai novamente no fundo do rio.

Peixe – Sei! Foi saiu pendurado! O senhor Sapo ta querendo me por maluco?

Sapo – Primeiro, eu não sou Sapo, eu estou Sapo!

Peixe – Como?

Sapo – Eu na verdade sou um Rei. A bruxa da mãe da namorada do meu filho, me jogou esse feitiço porque meu filho não quis mais casar com a filha dela. Então, ela me transformou neste Sapo e me jogou dentro deste rio.

Peixe – Sei.

Sapo – E tem mais, eu sou o dono de todo esse lugar, este rio, inclusive é meu, pois está na minha propriedade.

Peixe – Ah, quer dizer que este rio é seu?

Sapo – Sim! E tudo o que está dentro.

Peixe – Quer dizer que então o senhor Sapo Rei é o responsável pela poluição do meu lar? Porque se o nobre Rei não sabe, aqui é meu lar! Meu e de várias outras espécies que estão morrendo. E olha só como está isso aqui. Olha as águas, não se vê um palmo a nossa frente, de tanta lama, tanto esgoto, olha só esses lixos, plásticos e sujeiras. Olha só o meu estado, todo sujo, todo cheio de lama, óleo e de esgoto. E quer dizer que tudo isso é culpa sua? E o senhor ainda quer a minha ajuda? Se vira, senhor Sapo Rei!

O PEIXE SAI DE CENA, ENFURECIDO.

Sapo – Ei, seu Peixe, eu não sabia que isso estava assim! Eu prometo mandar limpar esse rio quando voltar a ser Rei. Volte aqui.

O SAPO COMEÇA A SENTIR DIFICULDADE DE RESPIRAR.

Sapo – Seu Peixe! Seu Peixe. Por favor! Eu não estou conseguindo mais respirar direito. Me ajude a chegar até a superfície. Eu… Eu…

O SAPO DESABA NO CHÃO. ENTRA A TARTARUGA.

Tartaruga – Olha só, não é que o Peixe tinha razão! Um Sapo caído no fundo do rio. Será que ele ainda está vivo?

A TARTARUGA PEGA O SEU ESTETOSCÓPIO E EXAMINA O SAPO. FAZ MASSAGENS NO PEITO E RESPIRAÇÃO BOCA A BOCA. O SAPO RESPIRA.

Tartaruga – Muito bem, ainda está vivo!

Sapo – (FALANDO E RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Por favor, me ajude!

Tartaruga – Como o senhor chegou até aqui?

Sapo – (FALANDO E RESPIRANDO COM DIFICULDADE) Foi a bruxa!

Tartaruga – É, essa água poluída não está fazendo bem para os habitantes deste lugar. Muita poluição deve estar afetando a mente de todos por aqui.

Sapo – (FALANDO E RESPIRANDO) Eu não sou Sapo, eu sou um Rei!

Tartaruga – Ih, o seu caso deve ser muito pior que eu imaginava. O senhor já está delirando! Precisamos levá-lo para um hospital urgente!

Sapo – (CONTROLANDO A RESPIRAÇÃO) Não, eu só preciso voltar para superfície. Preciso respirar.

Tartaruga – O senhor tem certeza que está bem? Olha lá, hein? Eu como médico tenho o dever de zelar por sua saúde.

Sapo – E eu como Rei, deveria zelar por esse rio. E é isso que vou fazer assim que voltar a ser Rei. Eu preciso sair daqui.

Tartaruga – Vou ter que lhe receitar uns remedinhos.

Sapo – Não precisa! Preciso que a Dra. Tartaruga me ensine o caminho para a superfície.

O SAPO JÁ COMEÇA A RESPIRAR NOVAMENTE COM DIFICULDADES.

Tartaruga – Mas isso é muito fácil!

A TARTARUGA APONTA PARA UM DOS LADOS DO PALCO.

Tartaruga – O senhor segue por aquela direção que aos poucos o senhor chega à margem do rio.

Sapo – Muito obrigado, Dra. Tartaruga! Até logo!

Tartaruga – Ei, espere!

A TARTARUGA TIRA DO BOLSO DO JALECO, UM RECEITUÁRIO E UMA CANETA. ESCREVE.

Tartaruga – Leve essa receitinha. Tome esses comprimidinhos três vezes ao dia até o senhor melhorar.

A TARTARUGA ENTREGA A RECEITA AO SAPO.

Sapo – A Dra. Pode me emprestar sua caneta?

Tartaruga – (ENTREGANDO A CANETA) Claro que sim!

O SAPO ESCREVE NO VERSO DA RECEITA E A ENTREGA À TARTARUGA.

Sapo – Quando a Dra. encontrar o Peixe, faça o favor de entregar esse bilhete para ele.

Tartaruga – Mas e a receita!

Sapo – Eu não vou precisar!

O SAPO SAI SALTITANTE POR UM DOS LADOS DO PALCO.

Tartaruga – É, a vida no fundo deste rio já não é mais a mesma. Saudade de quando as águas eram claras e menos poluídas por aqui. A vida aqui embaixo era mais saudável, hoje em dia, tudo parece de ponta cabeça. Deve ser toda essa sujeira que despejam dentro deste rio. Bom, deixe eu caminhar que há muito a se cuidar.

A TARTARUGA VAI SAINDO VAGAROSAMENTE. ENTRA O PEIXE.

Peixe – Dra. Tartaruga! Dra. Tartaruga. Espere!

A TARTARUGA PARA E SE VIRA.

Peixe – A senhora não viu o Sapo?

Tartaruga – Vi sim!

Peixe – Viu só como eu não estava louco!

Tartaruga – É verdade! Mas aquele Sapo não está bem. Disse-me que era um Rei.

Peixe – E para onde ele foi?

Tartaruga – Eu lhe ensinei o caminho até a margem. Já se foi. Até mais! E vê se você se cuida, porque sua saúde não está nada boa.

O PEIXE BUSCA UM POUCO DE AR E DEPOIS TOSSE BASTANTE.

Peixe – Eu não tenho nada!

Tartaruga – Ah! Eu já ia me esquecendo. O Sapo Rei pediu que eu lhe entregasse esse bilhete.

A TARTARUGA ENTREGA O BILHETE E SAI DE CENA, VAGAROSAMENTE. O PEIXE SE SENTA SOBRE UMA PEDRA.

Peixe – (LENDO O BILHETE) “Meu amigo Peixe, queria em primeiro lugar pedir desculpas pelo meu povo tornar a sua casa assim tão suja e estar fazendo tão mal à vida de vocês todos. Não sabia que as coisas estavam tão ruins assim aqui embaixo, mas estou lhe dando minha palavra de Rei, que assim que voltar a ser Rei de novo, vou limpar todo esse lugar. Palavra de Rei!”

O PEIXE COMEÇA A TREMER E A TOSSIR.

Peixe – Será que o Sapo é mesmo Rei?

BLACK-OUT. FOCO NO PROSCÊNIO COMO SE VOCÊ A BEIRA DO RIO. O SAPO JÁ TRANSFORMADO EM REI, SE TOCA.

Rei – Finalmente o feitiço daquela bruxa chegou ao fim. Mas ele vai me pegar, ah, se vai!

O REI SE VIRE PARA TRÁS E OLHA PARA O CHÃO TENTANDO VER O SEU REFLEXO NA ÁGUA.

Rei – Não consigo ver direito o meu reflexo nessa água! Como essa água está suja! (LEMBRANDO DE ALGO) O Peixe! Eu prometi ao peixe que iria dar um jeito na poluição desse rio. Conselheiro! Guardas! Quando a gente precisa, não encontra ninguém! Mas deixa estar, vamos ao que interesse:

O REI, SE DIRIGINDO À PLATEIA

Eu, o Rei de todo este reino, decreto que a partir de hoje, está proibido poluir os rios deste lugar e quem não cumprir sofrerá as penas da lei! Que se cumpra a ordem do Rei!

APAGA-SE O FOCO DO REI. FOCO NO CENTRO DO PALCO. O PEIXE TREME E TOSSE SEM PARAR. A LUZ VAI CAINDO EM RESISTÊNCIA À MEDIDA QUE O PEIXE VAI DESFALECENDO.

– FIM –