Teca na biblioteca

A menina nasceu.

Linda, risonha, cheia de encantos. Olhos espertos, mãos grandes e fortes que agarravam tudo. À ela deram-lhe o nome de Teresa.

Quando a menina foi crescendo, logo se mostrou faceira, amava subir em árvore, observar insetos e borboletas e viver aventuras. Uma menina que dava nó em pingo d'água e que aos pais cabia muita atenção, pois Teresa não ficava quietinha não, era mesmo uma espoleta.

Os avós ajudavam a cuidar de Teresa, que carinhosamente logo apelidaram de Teca. Quando a mãe chegava do trabalho e perguntava onde estava a menina. Sem demora os avós respondiam:

—Teca tá no jardim observando as borboletas ou em cima da árvore aninhando passarinho.

Teca era mesmo aventureira, ficar dentro de cada para ela era perder tempo. Se não estava a brincar com algum inseto ou bicho, se misturava com os meninos da rua para jogar futebol, é só entrava pra dentro de casa quando um joelho ralado pedia cuidados.

—Onde já se viu uma menina jogar bola? — Dizia o avô. Mas Teca nem dava bola.

Chegado o tempo de Teca ir pra escola, a mãe comprou o material, matriculou a menina e a levou para conhecer a professora.

Não demorou muito para Teca se familiarizar com os coleguinhas e com os funcionários. Ela ia e vinha sorrindo pra aula. Tudo queria aprender. Era uma menina curiosa e perguntadora.

Foi na escola que Teca descobriu a biblioteca e bem cedo apaixonou-se pelos livros e suas imagens e palavras e quando a professora ou a bibliotecária lia, Teca voava sonhando ser a personagem da história, ou está naquele cenário narrado. Na escola, a biblioteca era a árvore frondosa de sonhos.

Teca logo aprendeu a ler e já suas aventuras eram viajar nos livros que trazia consigo para casa. Os avós agradeciam:

—Teca agora está longe do perigo da rua. Ela está lendo um livro. Os livros livravam a menina.

De tanto ler na biblioteca da escola ficou pequena e ela descobriu bibliotecas no bairro, ou ia à livraria. Se fazia aniversário, ou era Natal, de presente, pedia livros.

Teca na biblioteca crescia e aparecia, cada dia mais radiante e consciente do poder que há entre aquelas paredes, dentro das páginas daqueles livros que lia e que ainda iria ler.

Conheceu escritores dos clássicos da literatura, e foi lendo livros de poesia, fábulas e contos e percebeu que a maioria dos livros eram escritos por homens. Curiosa como era, Teca pediu ajuda à bibliotecária para pesquisar a história da literatura. Brasileira, quem teria sido os precursores da literatura?

Não haveria mulher nenhuma que tal como ela se atrevesse a ir contra as normas machistas e escrito um livro?

Foi na sua pesquisa que ela descobriu o nome de uma mulher com ideias atemporais e de grande relevância para a época. Teca descobriu que uma escritora com seu nome Teresa Margarida da Silva e Orta, a primeira mulher brasileira que escreveu um romance feminista, com ideias que subvertiam os padrões da época.

Ao ler a história daquela escritora nascida em São Paulo, filha de mãe brasileira e pai português que foi obrigada a ir pro convento, mas saiu de lá para casar com alguém que ela mesmo escolhera. Teresa Margarida uma aventureira e militante de livre escolha das mulheres por seus direitos dialogou com grandes autoridades da sua época como o Marquês de Pombal para que as mulheres tivessem seus direitos garantidos tal como herança e bens para seus filhos, algo que não era comum os bens de família ir para qualquer parente.

Teca descobriu um pouco da vida da autora de "Máximas de Virtude e Formosura ou As Aventuras de Diófanes romances que retratavam a não-aceitação, a condição submissa das mulheres da época, e percebeu que foi pelos livros, pela vida de luta por ideias de justiça e direitos iguais entre homens e mulheres que aquela escritora deveria nunca ser esquecida. E coube a ela, a Teca que amava biblioteca apresentar aos amigos da escola, do bairro e aos familiares e escrever seus primeiros escritos, pois sim, assim como Teresa Margarida, Teca queria se tornar escritora e levar aos leitores o poder do conhecimento e da liberdade que há nos livros.

A menina que amava biblioteca, fez de Teresa Margarida sua inspiração e levar outros nomes se mulheres importantes para que os colegas pudessem conhecer a vida e a obra: Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Maria Firmina dos Reis e Rachel de Queiroz, Nísia Floresta, Cora Coralina, Cecília Meireles, Adélia Prado, Roseana Murray, Eloí Elisabete Bocheco e tantos nomes femininos que passaram por suas mãos e pensamentos morando no coração e na voz. Com o passar do tempo Teca transformou o espaço da casa onde vivia com os avós em uma biblioteca especial com obras da literatura feminina e que conheceu ainda pequenina e passou a apresentar aos novos leitores que passaram a visitar a biblioteca o acervo magnifico que descobriu e passou a amar manuseando as estantes e pesquisando, para ofertar a crianças, pais e professores um mundo novo onde a palavra tem o mesmo valor quando escrita por homens e mulheres, sem distinção de gênero, credo, raça ou cor.

Paula Belmino