Fármaco-epopeia...?

A cidade tinha sua meia dúzia de farmácias - pra não dizer que eram três ou quatro. Guardavam um aspecto sóbrio, quase solene, se comparadas ao demais daquele comércio renqüém da Velha Serrana, entre bares, 'vendas', lojas, padarias, açougues, e as duas ou três casas de ferragens.

Porque eram limpinhas e cheiravam a remédio, pois ainda se aviava muita fórmula prescrita pelos médicos mais antigos. E o guarda-pó dos seus empregados fazia a diferença, branquinho, feito a pureza que compensa. Volta e meia a gente, ainda guri em fase de troca de dente mais de trás do que da frente, era mandado à farmácia fazer alguma compra de urgência, ou a menos de necessidade: uma chupeta pra mamadeira, o leite Ninho, o Jatahy Grindélia, o vick vaporub, o bica(r)bo(r)nato.

Uma expressa recomendação de mamãe ao nos despachar para uma compra d´algum remédio menos comum, daqueles mais brabos, em termos de eficácia e de preço, era sempre procurar saber se havia amostra grátis. Eu, que pra entrar em farmácia já sentia aquele constrangedor friozinho na barriga, iria ainda dar conta de declinar pro farmacêutico aquela expressão tão complexa? E ainda na frente de outros clientes, como soía, e como doía? A solução era passar na frente da farmácia, várias

vezes, bispando apenas o seu interior, para saber o momento certo de entrar. Mas conseguiria, algum dia, amostra gratis recitar?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 25/04/2024
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