Raízes
Irei contar-lhes então uma história
Ou pelo menos o que dela me resta na memória,
Eram outros tempos, outra era
Em um lugar onde sempre era primavera.
Para onde se olhava, se via flores
De toda sorte de aromas, formas e cores,
Algumas delas sabiam até cantar
E volta e meia se desprendiam da raiz, e começavam a dançar.
Dançavam, mas mantinham o sentido atento,
Para perceberem quando viria o vento,
Pois precisariam novamente se enraizar,
Para que o vento não as levasse para longe do seu lar.
Eram ensinadas desde pequenininhas,
Quando ainda eram apenas mudinhas,
Que deviam manter suas raízes no mesmo lugar,
Pois, à outros solos, poderiam não se adaptar.
Flora, um lírio de vestido branco rodado,
Decidiu fazer um passo mais elaborado,
Das outras ela queria se destacar
Mas dançou tanto que não viu o vento chegar.
Desesperou-se no exato momento,
Em que percebeu que voava com o vento,
As suas raízes ela esticou,
Mas em vão, pois o solo não mais alcançou.
Olhando a sua casa se afastar,
Flora, triste, começou a chorar,
Ela só queria sobressair,
E agora para longe continuava a ir,
"Porque choras, pequenina?"
Ela ouviu uma voz soprosa e fina
"Eu sou o Alísio, um vento constante e forte,
Seres pequenos e leves, me usam como transporte."
"Mas você não parece muito feliz,
Não está viajando porque quis?"
Curioso, o vento perguntou
E com os olhos marejados ela o olhou.
"Não senhor, eu não esperava,
Fui carregada enquanto dançava,
Agora não sei como voltar,
O senhor não poderia me levar?"
"Infelizmente, pequena, você está sem sorte,
O meu caminho é sempre para o norte,
Mas um primo meu, que é meio avoado
Volta e meia viaja para o outro lado."
"Porém, não sei quando ele irá passar
E você precisa voltar a se enraizar,
Uma florzinha delicada como você,
Precisa de terra ou água para sobreviver."
"Entao para mim não há mais esperança?"
Flora voltou a chorar feito uma criança,
Amaldiçoou o momento em que quis aparecer,
Agora, a sua casa, jamais voltaria a ver.
"Não foi isso que eu disse, minha querida,
Só falei que não poderia voltar ainda.
Até perto do solo eu irei te levar,
E você poderá se enraizar."
"Quando eu cruzar com o meu primo que vem para esse lado,
Com ele já deixarei tudo combinado,
Só precisa ficar atenta para quando ele passar,
E de volta pra casa ele irá te levar."
"Muito obrigado por isso, senhor vento Alísio,
Sua promessa, para mim, já é um grande alívio,
Não importa que demore, eu serei forte
E ficarei atenta ao vento vindo do norte."
O vento simpático então se despediu
Da florzinha, que mesmo com medo, agradeceu e sorriu,
Estava enraizada e rodeada de estranhos,
Plantas e animais, de todos os tipos e tamanhos.
Um coelho que comia outras flores, se aproximou de flora,
Que se assustou, mas ele apenas a cheirou e foi embora.
Por um tempo ela permaneceu encolhida,
Pensando que seria o fim de sua vida.
"Ei, psiu!" Escutou uma flor roxa a chamar
"se ele só a cheirou e foi embora, pode relaxar,
Pois pode ser que você seja venenosa."
"Assim como eu sou", completou toda orgulhosa.
"Eu sou uma hortênsia, e compartilho com minhas irmãs a raiz.
Ser livre assim como você, é tudo o que sempre quis.
Vi que veio voando e acabou de se enraizar,
Então deve ter muitas histórias legais para contar."
"Sinto muito mas a resposta é negativa"
Flora respondeu, triste por frustrar a expectativa.
" eu estava apenas dançando distraída,
Quando pelo vento eu fui subtraída."
"Agora tenho que esperar por um vento contrário,
Que virá sei lá qual dia e qual horário,
Mas preciso ficar esperta,
Para soltar as raízes na hora certa."
" Só assim posso voltar para minha família amada,
A minha mãe deve estar muito preocupada.
Eu também estou muito arrependida,
Não devia ter sido tão exibida."
"Eu queria poder dançar também", disse a hortênsia,
"Mas compartilhando a raiz, jamais terei essa experiência.
Tenho inveja de você quanto a esse assunto,
Pois se quiser me mover, tenho que levar as irmãs junto."
"E porque vocês não dançam em equipe?
Algo do tipo seria realmente muito chique.
Acho que vocês deveriam tentar,
Inclusive eu posso lhes ensinar."
As irmãs hortênsias gostaram da proposta,
E Flora se alegrou por estar fazendo o que gosta,
Então elas ensaiaram e dançaram dia após dia,
O que para o pequeno lírio foi uma grande alegria.
Outras flores e até animais vinham assistir e aprender,
E a fama de Flora não parava de crescer
Até que sentiu uma brisa surgindo,
Era o primo do vento Alísio que estava vindo.
Dos seus novos amigos ela se despediu,
Ergueu suas raízes e com o vento partiu
Agradecendo-os por terem lhe dado tanta alegria.
E prometendo que viria visitá-los algum outro dia.
Chegando em casa, a sua mãe ela abraçou
Por ter se descuidado, ela se desculpou,
Mas também disse que não se arrependia,
Pois, a viagem lhe rendeu uma imensa alegria.
E que se afastar de suas raízes, pode fazer parte da vida,
A aventura que viveu, jamais seria esquecida,
E além do mais, enquanto existir o seu lar,
Sempre haverá a opção de voltar.