O GALO GLADIADOR

O avicultor saltou da cama rapidamente para ver a ninhada que acabara de nascer após 21 dias na chocadeira, milhares de pintinhos cobertos por uma plumagem sedosa, muito famintos e rápidos para comer, beber água e depois correr pelo cercado. A noite o avicultor abaixa a campânula para que a chama aqueça os friorentos que se agrupam no centro para buscar o calor corporal dos irmãos que também sentem a falta da mamãe. Caso o avicultor observe os pintinhos espalhados pelos cantos do cercado então a campanula é erguida para diminuir o calor sobre os pequeninos.

Três dias depois foram colocados em grandes gaiolas que ficam expostas na porta da loja esperando que alguém compre as pequenas aves que sonhavam dentro do ovo em ser um animal livre nos campos da vida, comer da melhor ração, porém em meio a tantos pintinhos um deles tem aparência de valente, sua penugem tem a cor amarronzada e ele sempre sonhou em ser campeão de luta, por isso recebeu o nome de Rock.

Certo dia uma senhora a pedido de sua filha pequena comprou o Rock juntamente com Mariazinha sua irmãzinha para fazer-lhe companhia. Eles foram colocados em uma caixa de papelão de onde podiam ver o mundo pela primeira vez através de buracos na lateral da caixa. Tudo era novidade para os novatos que estavam descobrindo as cores, sons e cheiros do novo mundo. Os irmãos ficaram abraçados com medo durante a primeira noite fora do aviário e na manhã seguinte foram acordados com som estranho do focinho da cadela Lilica que os farejava pelos furos da caixa. Eles ficaram apavorados pensando que fosse um monstro com a intenção de devorá-los, porem a Lilica demonstrou sua amizade logo que a caixa se abriu e os levou para o quintal gramado para comer insetos e correr um pouco entre as arvores frutíferas.

No final do dia Lilica convidou os avícolas para retornar a segurança da caixa de papelão que ficava na varanda da casa, perto da água e da ração, porem no meio da noite os raios de luz da lua cheia iluminaram o abrigo pelos furos no papelão, despertando nos pequenos a vontade de lanchar algum inseto no gramado.

Eles estavam brincando felizes da vida quando algo horrível aconteceu, uma fera surgiu das arvores para atacar e capturar Mariazinha cujo piado foi ficando cada vez mais baixo e distante. O Rock não teve o mesmo destino porque a Lilica apareceu latindo para afugentar o malvado que desapareceu nas árvores.

Rock correu por todo lado na tentativa de salvar a irmãzinha sem obter sucesso, depois disso então passou a treinar todo tipo de arte marcial, misturada com o carimbó que ele dançava para confundir os adversários durante a luta. Rock cresceu atento no meio do matagal e se tornou um frango selvagem que investia em qualquer coisa que se movesse no mato ou nas arvores, depois de um ano ele já era um ninja faixa preta que colocava até a Lilica para correr do quintal.

Rock entrava pela porta da casa de mansinho cruzando a lavanderia, depois a cozinha até chegar no quarto do patrão onde estufava o peito para anunciar o amanhecer as cinco horas da manhã:

- Coooocoricoooooooo! O galo fugia dali depois de receber uma chinelada.

Horas depois lá vinha ele novamente espiando o ambiente antes de entrar em cada parte da casa, até que certo dia Rock ficou fascinado com a luz da rua que entrava na varanda por uma fresta no portão de aço. O galo ficou maravilhado com o movimento das pessoas e dos carros que podia ver com apenas um olho na fresta.

Outro dia Rock cruzou a varanda e na sala ficou abismado com aquela tela gigante que emitia luzes e sons agradáveis, então ele permaneceu alguns momentos assistindo paralisado, em seguida foi para debaixo da mesa da outra sala onde dava Pitaco na conversa do pessoal que tomava café. Todos os dias o galo ficava assistindo TV através da grade e com isso aprendeu a dançar o bumba meu boi, carimbó, tango, e o sapateado.

Rock sempre armava uma cilada para atacar quem entrava no quintal para colocar ração ou trocar a água de beber, de repente se ouvia um grito de guerra:

- Iiiiiiiiiaaaaaaah! Causando pânico nas pessoas que vinham ajudá-lo.

Rock desferia golpes com as asas, com os pés, rodava o esporão em cambalhotas, depois cobria os olhos com uma asa enquanto esticava a outra como um escudo para proteger a lateral do corpo e vinha dançando no ritmo do carimbó que ele ouvia no rádio da casa vizinha todos os dias.

A família conseguiu uma galinha índia bem pequena e excelente poedeira para fazer companhia ao galo rebelde que passou a ficar cada vez mais agressivo, ciumento e possessivo depois que arranjou uma namorada, ele se tornou um galo feito que dormia no poleiro de telhas com sua amada. Rock abria as asas, arrepiava as penas do pescoço com os olhos transtornados e pronto para brigar com quem tentasse apanhar os ovos que a galinha botava no gramado.

O gladiador dançarino surrou a Lilica, colocou o menino Samuel e a Maria Vitoria para correr várias vezes até alcançar o portão da casa. Rock também investia na dona Juliana quando ela vinha completar a ração ou tirar as roupas do varal. O galo era esfomeado a ponto de rasgar com o bico o saco de ração antes mesmo que fosse servida no cocho.

Certo dia seu patrão cruzou o quintal para apanhar algumas ferramentas no quarto dos fundos e foi surpreendido por um ataque de Rock que se camuflara no galho da arvore para saltar sobre ele, mas Rock não contava com a destreza do roceiro experimentado na lida animal. O patrão de reflexo acertou uma varada na cabeça de Rock que caiu como um boneco de pano pelo chão, cambaleou para um lado depois se apoiou no tronco da jabuticabeira para se levantar.

A partir desse dia o valentão dançarino se escondia atrás do monte de telhas quando o patrão entrava no quintal, mas por vingança o galo ficava todos as manhãs bem pertinho da janela do quarto para cantar anunciando o novo dia e aplicar um susto no patrão as cinco horas da manhã. Assim o rock avisava a todos que estava no horário de sua ração e ele não gostava de esperar.