Em busca da criança que habita em mim.
A cachorra lambeu a criança ainda meio adormecida.
Sua língua quente acariciou as pequenas mãozinhas.
O rabo abanava firme, convidando a pequena a segui-la.
Duas almas redescobrindo um universo desconhecido.
A mata verde não assusta a pequena criança, sente-se protegida pela amiga de pelos que lhe é fiel.
O caminho se estende mata adentro.
É tanto verde que o vermelho da pele causado pelas surras da vida desapareceu.
Escuta o barulho dos pássaros, o canto estridente da cigarra.
Num canto oculto um grilo parece que grita:
___ Estou aqui!
Tudo é tão mágico, os pássaros e os animais falam.
Ela pode entender.
As árvores são frondosas e as vezes o sol consegue passar através delas.
O animal corre abanando o rabo, enquanto a pequena criança tenta acompanhar seus passos.
As vezes tropeça e cai, fica lá, estendida no chão.
Porém o cão fiel a puxa pela calça como quem diz:
___ Vamos!
Logo a mata se fecha atrás delas protegendo - as dos perigos da vida.
Mas o caminho se estende através do verde das folhas.
De vez em quando encontram um animal, e este passa com pressa.
As cobras serpenteiam através do caminho, porém seguem seu rumo sozinhas.
Não dizem olá, nem sequer um bom dia.
As duas amigas, vão correndo por entre as sombras das árvores.
Logo a mata se abre, pode-se avistar um rio. E este corre barulhento e feliz.
O animal pula rio adentro, latindo.
A menina entende o que ele quer dizer. Mas suas pernas não obedecem sua vontade.
E ignorando a amiga, segue o caminho sozinha.
Porém o animal é um amigo fiel, logo está ao seu lado.
E lado a lado as duas seguem o mesmo rumo do rio.
O rio acalma as duas almas gêmeas.
E logo suas aguas se juntam a outra água, esta cai de uma montanha formando uma linda cachoeira.
Faz muito barulho, mas são mornas e quando se deitam sobre a terra, as duas logo se acalmam.
E as duas águas falam.
Cada uma conta algo referente a sua passagem pela terra.
A menina e sua cachorra se sentam a beira do rio, escutando as novidades.
Respeitam a conversa dos dois mais velhos.
Até que um deles as convida a entrar.
A água está morna, e banha a pele que ainda arde.
As duas brincam nas águas límpidas e claras.
Até que cansadas de brincar e nadar resolvem continuar a viajem.
E lá se vão.
Logo ouvem vozes, muitas vozes.
Chegam numa maloca, e lá os indiozinhos dançam felizes.
Num passe de mágica a menina divide seu bem mais precioso.
As bolinhas de gude que rapelava dos meninos da vizinhança.
Sua mãe as havia confiscado e sumido com elas. Mas ali no mundo magico, elas estavam intactas dentro da lata de um kg de leite em pó.
E entre danças, músicas e bolinhas brincam felizes.
Mas logo o tempo convida as duas visitantes a seguirem seu rumo.
E o mesmo tempo de repente se transformou,
Tudo que era bonito de uma hora para outra se revoltou.
O rio foi embora numa curva qualquer.
As árvores se balançavam para lá e para cá.
As folhas passavam voando entre a menina e seu cão.
Iam com pressa, não tocavam o chão.
A cachorra corre rápido, e as pernas da criança não conseguem acompanhar.
A respiração está cansada e por vezes a criança acha que não vai conseguir até perto dela chegar.
Porém a ideia de permanecer só, lhe causa um medo terrível.
Ouvem um estrondo raivoso, é o céu, que quer chorar.
As árvores se balançam abrindo suas folhas, para que suas lágrimas lavem a terra.
A menina e sua cachorra precisam correr,
Buscar um lugar para se aninhar.
Ao longe avistam um túnel, e correm bem mais que as pernas podem aguentar.
E o túnel é escuro, e depois que entram, não puderam mais voltar.
E seguiram pelo escuro, a menina e seu animal.
Ambos conduzindo um ao outro.
Até que avistam uma luz.
E correm para a luz.
Mas antes de chegarem, a menina avista a si própria.
Está parada no final do tunel.
Esperando pelo brinquedo da lata que ficou com os índios.
A menina de fora não chora,
Porém não consegue tocar a que está dentro, muito menos tocar o cão.
Uma não consegue sair do túnel.
Enquanto a outra não consegue no tunel entrar.
O animal de repente sumiu.
Mas sua presença pode ser sentida,
É tudo tão mágico, ela não precisa mais encarar a realidade.
Pois sua imagem lá fora seguiu em frente, mesmo sem cão, sem magia.
As feridas arranham mas a dor é tão suportável quanto a alegria do dia a dia.
Na entrada do túnel uma pequena menina sorri, escuta em algum lugar um latido, um chamado.
E uma força estranha toma conta de todo seu ser.
Enquanto observa seu próprio vulto indo embora,
entende que agora no mundo lá fora, cresceu. E abraça o reencontro do seu próprio eu.
Arlete Klens
*Este texto surgiu após uma vivência na reunião de terapia da qual participo. Enquanto todos se imaginavam no mesmo lugar com seus pets de estimação e seu brinquedo preferido na infancia. Surgiram muitas histórias, está foi a minha.*