OS RELÓGIOS
Presos na branca parede
Protegidos por fina rede
Estavam relógios de valor
Daquela lojinha de penhor.
Quando a noite caía
Ouvia-se o tique taque que saía
Do coração de cada relógio
Como uma carta de necrológio
Contando a terceiros
Os sofrimentos verdadeiros
Dos relógios de valor
Daquela lojinha de penhor.
Era só tique, taque e tirrim
Dia e noite sem ter fim.
Diziam os relógios de valor
Daquela lojinha de penhor.
Mas, um dia veio de mansinho
O senhor de cabelo branquinho,
Dono dos relógios de valor
E daquela lojinha de penhor,
Com um grande pacote
Seria o relógio do sacerdote?
Pensou um dos relógios de valor
Daquela lojinha de penhor.
Aberto foi o grande pacote:
Não é o relógio do sacerdote
Disse um dos relógios de valor
Daquela lojinha de penhor.
Era um relógio diferente:
Tem um passarinho atente,
Que sai de uma janelinha.
Se faz tirrim certeza não tinha
O relógio que dizia aos outros:
Iguais a este deve ter poucos.
E baixou a noite de calor
Naquela lojinha de penhor.
O tique taque aumentou de volume
Espalhando-se como era de costume
Pelo salão tornando-o assombroso.
Aos olhos de um relógio audacioso
Que perguntou ao recém-chegado:
Que fazes nesta lojinha exilado?
Esta não é bem a minha situação,
Sou de grande valor e estimação.
E por que não fazes tirrim como a gente?
O meu despertar pessoas é diferente.
E na lojinha, naquela memorável noite
Ouviu-se as badaladas da meia-noite
E o canto dizendo cuco, cuco em voz alta
E os relógios viram o passarinho peralta
Daquele relógio de estimação e de valor
Ali, na parede da lojinha de penhor
Cantando alegremente as doze badaladas
Cuco, cuco, cuco com voz articulada.
E assim foi quebrada a monotonia
Do tique taque e tirrim de todo dia
Naquela lojinha de penhor
Fundada com muito amor
Pelo pai do menino Marinho
O senhor de cabelos branquinhos.
(Histórias que contava para o meu neto)
11/06/23
(Maria Hilda de J. Alão)