DORALICE E A BONECA ALICE

DORALICE E A BONECA ALICE

Todos os alunos reunidos posaram para foto, beca a caráter, diploma na mão para registrar a formatura.

O baile era o mais esperado, todos prontos para extravasar sua alegria de mais uma conquista.

Doralice foi concebida no final da festa, por conta do livre desejo de dois corpos em um encontro ocasional. Filha única, com três anos não tinha com quem brincar, criava seus personagens imaginários e assim ia inventando seus monólogos divertidos.

Seus personagens preferidos é um passarinho e uma borboleta.

- Bom dia seu passarinho, já tem ovo no seu ninho, dona passarinha passa o dia todo dormindo, ela tá doente, você tem que cantar, senão ela fica triste

Bom dia dona borboleta hoje vou plantar mas flores no jardim, assim você passa mas tempo embelezando ele.

– Doralice, onde você guardou o pente da boneca? Vá procurar, preciso dele para desembaraçar os cabelos dela. Hoje é domingo, vamos almoçar na casa da vovó. Você sabe que sua vovó pergunta sempre se você tem cuidado bem da Alice.

A boneca Alice foi o único presente de Doralice no dia do seu aniversário. Grudando a boneca em seu peito, a menina começou a rodopiar como se estivesse dançando leve em nuvem de algodão.

– Obrigada, vovô, amo muito você, do fundo do meu coração. Gostei muito do meu presente.

– Alice, vou cantar igual a um passarinho. Agora vou bater minhas asas e voar, vou levar você para que veja como é bonito olhando aqui de cima. Olha lá o rio passando entre as montanhas. Tá vendo, Alice, quanta beleza tem lá embaixo. São muitas flores que só podem ser vistas voando. Como é bom voar.

O mundo de Doralice é um fazer, faz de conta na companhia de Alice.

– Vamos, Alice, tá na hora de levantar, pois ficar muito tempo na cama o dia torna-se curto. Hoje vou fazer bolhas de sabão para você estourar, depois vou levar você para brincar no balanço. Vou empurrar você tão alto que vai sumir nas nuvens.

Doralice só desgrudava da boneca na hora de tomar banho, para não queimar o circuito eletrônico.

Alice interage com Doralice com algumas palavras.

Mamãe, me dá um beijo.

Mamãe, cante para eu dormir.

Mamãe, vamos passear.

Mamãe, quero colo, tô com frio.

– Doralice, vá tomar banho e arrumar sua bolsa, logo mais seu pai vem para lhe pegar.

– Vamos, Alice, arrume também a sua bolsa.

– Bom dia, Sandra. Bom dia, Renato.

– Doralice, pode ficar com você esta semana, preciso fazer umas horas extras. Só Deus sabe o quanto tenho empenhado do meu tempo para que nada lhe falte. Vivo nesses altos e baixos esperando que um dia as coisas possam ir adiante sem pedir aos avós dela alguma ajuda para honrar os compromissos.

– Papai, essa é Alice! Dá um abraço nela.

Dentro do táxi Doralice encosta Alice no vidro e vai narrando a cidade por onde passa.

– Vê, Alice, como é bonito esse jardim. Um dia vou trazer você para passear. Olha a roda gigante lá de cima. A cidade parece um presépio. Olha lá aquele prédio: como é alto para subir é de elevador.

No final da viagem, Doralice adormecida é carregada nos braços do seu pai, deixando para trás Alice no banco do táxi.

Doralice acordou com o brilho do sol em seus olhos, piscou várias vezes para enxergar alguma coisa com nitidez, virou de lado procurando Alice para dar um abraço de bom dia.

– Papai, papai cadê Alice?

– Já procurou na sua bolsa?

– Papai, não encontrei, você deixou Alice no táxi.

A alma de Renato desceu na mais profunda das profundezes que um dia pudesse imaginar. Sem palavras apropriadas para o momento da inquietação em saber que seria difícil convencer a filha de que Alice não fosse mais voltar, ficou imaginando a tragédia e o sofrimento da filha.

Doralice passou o dia na janela esperando que o homem do táxi viesse lhe devolvesse Alice.

– Papai do céu, ajuda o homem do táxi a trazer minha Alice para casa. Sozinha, ela não sabe como chegar. Papai do céu, toma conta da Alice, ela tem medo de escuro, não deixe ela ficar com frio e não deixe ela esquecer de mim.

– Mamãe, Alice foi embora.

– Foi não filha, ela está aqui te esperando.

O taxista tinha devolvido a boneca para a mãe de Doralice, depois de algumas tentativas de entregar na casa do pai.

Castro Rosas

Castro Rosas
Enviado por Castro Rosas em 28/04/2023
Código do texto: T7774953
Classificação de conteúdo: seguro