Fradinho, o gatinho
Sim, Fradinho. Foi assim que papai, menino, nomeou seu bichim de estimação naquele Brumado de brumas dissipadas, que entrava na quarta década do século XIX. Afinal, se fradinho podia ser o feijão, por quê um gatinho não? Contudo, e como me foi contado, havia algo pressagioso naquele batismo arreligioso, ainda que de tanto infantil gozo.
O Tõe, irmão mais velho, e estouvado, de papai, por convicção ou algum temor ancestral não era muito fã dos felininhos não, a despeito de ter sido nascido e de ter vivido justamente na felina e felliniana Onça, ali vizinha, até a mudança da família para o Brumado, em 1924. Já maduro, Antônio revelava sua ojeriza de gatos metendo-os num saco e levando o butin para uma imersão na Maria Garupa, a prainha encascalhada do Rio São João, cheia de molecada de plantão e sempre disposta a apedrejar, mesmo sem a pecha de adultério, tudo o que fosse mistério...
Fradinho, no entanto, escapou dessa sinassassina. Só para cair noutra. Enquanto papai buscava ganhar uns cobres no campeio a animais no pasto, ou estreava a sua trajetória profissional no carreio de bois, Fradinho, desavisado, foi subir numa ingazeira, por aventura ou instinto predatório, foi, duma certa distância, abatido pela bala certeira dum caçador que, num possível desvario de visão, ou numa síndrome de Dersu Uzalá, tomara o diminuto angorá com um gambá, e pá!
O velho sentiu muito a perda tão precoce do companheiro de folguedos, talvez sem se dar conta até que o pupilo, para falar franco, poderia até, com sua pomposa pelagem chegar um dia a ministro, e estar protegido de um eventual escorregão por um foro privilegiado.
E a provação de papai deu-lhe discernimento e têmpera para, anos mais tarde consolar-me da perda de meu gatinho rajadinho, ainda não batizado que, numa soneca de capacho, a que eu embevecido assisitia, padeceu esmagado pelo peso da chinela de Tilia que, obnubilada pela cortina, nada via, de nada sabia.