A MENINA RUIVA E O GOLFINHO AZUL
(REEDIÇÃO)
Todos os dias na embocadura do rio, pertinho da beira do mar, vinha um golfinho azul saltitar. Pulava e brincava como se brincasse com alguém.
Um dia encantado com o espetáculo eu me aproximei para olhar e percebi que ele não estava realmente só. Brincava com uma menina ruiva que se escondia num arbusto da margem.
Ele saltitava como se sorrisse feliz. Ela conversava com ele. Ambos se entendiam.
Não deixei que me vissem. Fiquei apreciando o espetáculo que durou quase uma meia hora. De repente apareceu a mãe da menina chamando-a:
- Clarisse! Clarisse, onde você está?
- Aqui mamãe! Na beira do rio, respondeu ela.
- Venha para dentro menina. Não está vendo que vai chover?!!!
Clarisse deu um adeusinho para seu amigo e sai correndo em direção à sua casa.
O golfinho deu um mergulho e sumiu. Só reapareceu já bem distante no mar.
Eu fiquei ali mais um pouco memorizando a cena que tinha visto, um pouco extasiado, um pouco encantado.
De repente uma rajada forte de vento me tira do devaneio, a ponto de me deixar arrepiado, estava ficando frio. Ao longe ouço o barulho de uma trovoada. Mais um motivo para eu sair daquele estado de torpor, um tanto quanto assustado com a mudança de tempo e com o que aquela tempestade poderia fazer comigo. Corro para o carro estacionado nas proximidades e vou pra casa.
Em casa, não consigo esquecer a cena. Penso:
- Amanhã eu volto. Quem sabe à mesma hora e fiquei à espreita.
Passado algum tempo, onde eu já pensava em ir embora aparece a menina em um vestido rosa, cheio de rendas e babados, com uma fita descendo em laço, do pescoço até a cintura. Parecia uma boneca. Antes eu não a vira direito, agora sim.
Ela trazia nas mãos alguns pedaços de peixe, dentro de um saquinho plástico e os atira ao mar, um a um, quando vê seu amiguinho se aproximar.
Parece que o golfinho azul a reconhecia e quando a via já ficava a saltitar feliz. Ele saltava e ela gargalhava. Era como se eu ouvisse música, pois era a gargalhada mais doce que eu já ouvira. Daquelas que dá vontade de rir junto. Ele saltava e esguichava um água misturado com um barulho próprio dos golfinhos.
Eu tinha a impressão que eram velhos amigos se encontrando. Ele vinha até bem perto de onde a menina estava.
Era mágico ver a inocência da criança, interagindo com a inocência típica de um animal dócil e encantador. Havia amor entre aqueles dois seres. Um amor que deveria existir entre todos os seres humanos.
A menina ruiva, com seus cabelos crespos, tinha nos cabelos um laço de cetim azul, o vestidinho parecido com o daquelas bonecas antigas, davam a ela um ar angelical. Interagia com aquele animal marinho selvagem com se este fosse um amigo de longa data. E assim os dois passavam os finais de tarde a conversar sobre suas vidas. Um dando encantamento ao outro.
Nós somos sonhos que não quer morrer. Sonhos que teimam em sobreviver a cada lua cheia; em cada primavera florida e perfumada; em cada inverno aconchegante no calor das cobertas ou das lareiras acesas; em cada outono agradável e cheio de frutos; em cada verão excitante e com o colorido jovial das praias.
A criança dentro de nós, na maioria das vezes é esquecida quando somos adultos e ressuscita quando amadurecemos porque nesta hora percebemos que passamos boa parte da vida correndo atrás do impossível, porém a felicidade é feita de coisas simples e banais, ela faz parte do nosso cotidiano.
Algumas vezes esquecemos de sorrir e nossas feições envelhecem. O sorriso é a janela de nossa alma, nosso cartão de visitas para dias melhores.
A menina de cabelos ruivos continua sentada na beira do rio conversando com seu golfinho azul. Mas e a nossa criança? Onde ficou esquecida? Onde está sentada? Em que tempo da vida você deixou de sorrir, de sonhar?
Pensem nisto e vamos começar a contar estrelas. A formar figuras nas nuvens do céu. A observar as joaninhas nas flores e a ouvir os recados do vento...
Mário Feijó
19.04.14