Decelei, no pé do Rei
Todo mundo teve sua infância, eu sei, mas com decelei, celei, passei, ao menos nos
sonhos de cantiga de roda, a gente sentia estar perto do rei. E não era o da jovem
guarda, pois ele provavelmente ainda refinava sua voz em algum coro de Cachoeiro. E
tampouco era o do futebol, que não terá tido tempo de dar bola pra cantiga de rua, tão
prematura que foi sua ascensão aos templos do mais apaixonante esporte do mundo.
Menos para os americanos, claro.
Decelei era uma brincadeira, com cantoria, de que os meninos já de uma certa
idade não mais se envolviam, metidos que estavam em fases mais avançadas de
sua irrequieta puberdade. E já achavam aquela brincadeira meio maricas. Mas os
menores, que ganhavam licença impoética para entrarem na liça se se comportassem,
fascinavam-se com a chance de se mesclar com as meninas, dar-lhes as mãos,
formarem arcos que se interpenetravam e reviraram rua afora, numa evolução digna
de um carnaval sem limites à imaginação.
E às vezes, de raspão, em meio à confusão, algum bom encontrão, não fazia mal
não. Tudo era levado em brincadeira, só a fantasia era verdadeira. Até que os pais
anunciassem o toque de recolher, chamando a meninada para o berço, que requeria ao
menos lavar dentes e pés, ou o terço, que exigia fé, pelo menos pra quem já não fosse de berço...