A farra dos pintos

A balancinha, juntamente com a lanterna de alumínio, o cantil, idem, mas forrado com capa de feltro e as duas licoreiras de mamãe, compunham o cerne da preciosidade de nossos bens. Havia também o punhal de papai, com sua bainha de couro, mas sobre este estávamos instruídos a não meter o bico. Era arma e nãoera coisa de pra correr em boca de criança. O que nos remete de volta à balança.

Era portátil, num formato tubular, com uma argolinha em cima e um ganchinho embaixo. Media, se muito, um palmo infantil, mas servia pra pesar até velho senil. Seu mecanismo era uma mola axial que, estendida, fazia deslizar um marcadorzinho em forma de pino sobre uma plaquinha de cobre, toda sinalizada, acho de de um a vinte quilos. E ainda entre os quilos, trazia os risquinhos das subdivisões.

Chegara em casa pela mão de papai e visivelmente era coisa de

segunda mãol, resultante de alguma catira ou compra de ocasião.

Embora com a punção "indústria brasileira" numa lateral da plaquinha amarela, não sei se aferida, ou só presumida era ela. Verdade é que dava gosto ficar pesando as coisas ou até mesmo puxar a argolinha numa mão e o ganchinho na outra só pra ver o peso de nossa força.

E foi então, que num momento de ausência de pai e mãe em casa - o que normalmente era breve, pois ambos trabalhavam em turnos alternados - que pintou esbaforida a vizinha Nita do Tõe Pinto, mãe de uma perrada interminável de rebentos, e que encontrava ainda no correr do dia, do nascente ao poente, energia pra fazer de tudo em sua casa, da castração de porcos, à picação da couve. E lá entre nós dona Nita, irrompeu, se houve, se haver haveu. Vinha falando só, queria que lhe pesássemos - com a balancinha - uma capanga de fubá, em que julgava

haver levado uma manta dalgum fornecedor, ou quiçá queria passar nalgum comprador. Era em capangas de pano que se guardavam e se transportavam os bens comestíveis. E sem alça, a capanguinha de Dona Nita, por suas mãos em agitação, foi varada pelo gancho da balancinha. E pelo pesar nem chegou a passar, pois rompido o apodrecido tecido, ao chão todo o produto veio se esborrachar, bruto, um luto.

Que depois, o irrecuperável restinho fez festa a tanto pintainho.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 13/09/2021
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