Quando a vida era pipoca
Era tempo de inverno. A chuva lavava a terra, a alma. Formavam-se riachos fininhos, alimentando os rios temporários que levavam na correnteza a seca, a tristeza, as lágrimas de alegria de quem ansiava a chuva por tanto tempo.
Quando se fazia estiagem, a areia varrida pela água da chuva, de tão fina, parecia de praia, leve, sem pedras, secada pelo sol escaldante e pelo vento que mudava a paisagem. No chão, o rastro da água registrava a passagem do pequeno riacho. A areia servia para as crianças brincarem, fazendo estradas com seus carrinhos de bois de espigas de milho e enchendo as roladeiras de latas vazias com pequenos furos para que, ao rolarem presas às mãos por um pedaço de fio, fizessem montinhos no meio do riacho feito vale encantado.
A areia era útil ao brincar e também aos afazeres domésticos. Servia para arear vasilhas, dar polimento em canecos de alumínio, deixar uma bateria inteira de panelas brilhando. Areia para polir e água de chuva para enxaguar. De tão polidas, secando-se ao sol, eram verdadeiros espelhos nos quais se podia enxergar apenas a felicidade trazida como bênção pelo inverno.
A areia fina dos rios formados por chuva temporã trazia em sua composição mais que partículas de rochas, contava histórias, trazia a ancestralidade, era a voz de muitos caminhos, dos sonhos, a passagem do tempo de seca para a boa fartura. O avô colhia o milho, colocava na esteira para secar e quando seco, debulhava, e à areia misturava-se, a magia sagrada.
Para a alegria de toda família, a areia no alguidar esquentava e com o fogo bem quente, o milho começava estalar, e transformava-se.
Enquanto a magia era feita ele nos perguntava:
- O que é , o que é?
Uma igrejinha preta,
Um sacristão de pau,
Uns anjinhos dentro
Tocando berimbau?
Era um tempo feliz, feito de areia e singeleza. Tempo em que a vida virava pipoca para o bom tempo festejar.
Paula Belmino