Ramiro cabeça de papel

Este é o Ramiro cabeça de papel. Um garoto de sete anos.

_ E por que ele é chamado cabeça de papel? Por acaso é porque ele não tem nada na cabeça?

_Não! Nada disso! Pelo contrario, ele é um cara superlegal e bastante diferente das crianças da sua idade. O nome dele tem uma história. Você quer escutá-la?

Quando Ramiro nasceu, contam que uma coisa muito estranha aconteceu. Pelo tubo da chaminé começaram a cair, bem devagarinho, folhas de papel em branco, bem branquinhas, sem nenhum traço, nenhuma mancha, nem um rabisco sequer. Estavam impecavelmente brancas, prontas para serem preenchidas com palavras ou... desenhos ou qualquer coisa que tivesse a coragem de empanar tamanha brancura.

Era lindo descobrir aquele neném no berço, com os olhinhos abertos e quase imóveis, fixos na parede e na janela que lhe mostrava, como se fosse num filme, as ramas do ficus no quintal, alguma que outra borboleta passeando de tarde, um pedaço de papel que voava levado pela brisa inquieta e os passarinhos que desciam a beber água na bacia do cachorro.

Mais tarde, quando ensaiava seus primeiros passos e perseguia o gato, de repente detinha-se e sentava-se perto da biblioteca, dando a impressão até, de que sabia ler os títulos ou contar os livros ali empilhados.

Ramiro cresceu que nem qualquer criança, só que ele prestava muita atenção, uma atenção exagerada para tudo o que via. Passava horas compenetrado. Olhava sentindo-se atraído, mas também fazendo um grande esforço para decorar os mínimos detalhes: as formas, as cores, as nuances, as sombras e luminosidades das coisas, com a única intenção de capturar e reter cada um dentro de si.

-Parece que estivesse tomando nota de tudo quanto vê, que fizesse listas do que vai descobrindo cada dia, pensou sua madrinha.

-Será que em lugar de cabeça, ele tem páginas onde escreve sem parar?, perguntou a mulher uma tarde de domingo quando estava visitando a família.

-Eu acho que Ramiro tem uma caderneta em lugar de cabeça, concluiu.

E pronto, Delfina, a irmã mais velha de Ramiro, teve a feliz idéia de inventar-lhe o nome.

-Meu irmãozinho é cabeça de papel.

E o nome pegou que nem grude. Mas, o que era que Ramiro tanto anotava?

Primeiro eram imagens, quando ainda não sabia os nomes. E as folhas da sua mente iam se enchendo de figuras de bolos, sois, cachorros, borboletas,bananas, maçãs, passarinhos.

Até que começou a ir à escola. Então aquelas imagens acharam seus nomes e, como era bom quando Ramiro as escrevia! Não apenas dentro de sua cabeça, mas, no caderno de forro colorido. E separá-las em sílabas? Foi o que ele fez com maior entusiasmo! Porque se deu conta de que as palavras têm, além de som, ritmo.

-São que nem pancadinhas que te dão na garganta e na cabeça, dizia.

_ÁR...VO...RE, três pancadinhas. BOR...BO...LE...TA, quatro pancadinhas. SOL, una pancadinha bem forte_

E tanto gostava de pronunciá-las em voz alta, que quando fazia isto batia com as palmas das mãos, como se estivesse cantando uma cancão.

Pelo que mais ficou encantando Ramiro, foi aprender que cada uma daquelas palavras pode ir acompanhada de outras que explicam como elas são. E saber disso abriu para ele um mundo imenso porque já não seria ÁRVORE apenas, mas poderia dizer: ÁRVORE GRANDE, ROBUSTA, ALTA, e até poderia compará-la com algo que também conhecia, por exemplo: seu papai. Foi assim que começou a escrever

"borboleta azul da cor do céu"

"sol amarelo da cor dos cabelos da Delfina"

"maçã doce que nem os beijos da mamãe"

Foi então que sua professora falou para ele que existem as poesias e que são palavras combinadas de maneira a dizer coisas bonitas e soar bem.

Desde aquele dia, Ramiro nunca mais parou de escrever sobre tudo o que via, sentia, e o que o fazia feliz. Seus colegas da escola o apreciam muito porque reconhecem nele esse enorme mundo interior e a sua capacidade de ver nos outros o que há de melhor e mais lindo.

Agora é chamado de Ramiro “o poeta”, menos pela Delfina que ainda não se acostuma.

Ramiro cabeça de papel

Ramiro era uma criança que tinha cabeça de papel,

porque nela escrevia todo quanto é bonito de se ver.

O céu, as nuvens brancas, os pássaros que voam e o sol;

no quintal, as plantas verdes, o gato preto e o rouxinol.

Manilkara
Enviado por Manilkara em 29/10/2007
Código do texto: T714286
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