As carteiras
O Sérgio do Aristote parece que dividia bem a inveja e a admiração por mim quando, já escolar, passava imponente, de uniforme e pasta de couro na frente de sua casa...espiando-me silencioso , da janela. Quase sempre na volta, mas também, por vezes na ida, que era um tiquinho antes das sete da matina. Era o primeiro semestre escolar no Lima Guimarães, em 1958, pouco antes de o Brasil se consagrar na Suécia.
Suas irmãs mais velhas, Maria dos Anjos e Zenaide, ocupadas com seus teréns, iam lá dar bola a um pomposo e cabeçudo novato de escola...? E aí a janela da sala ficava todo para o Sérgio que então, somente aspirava. E me espiava.
Palavra nem cumprimento, a gente trocava. Até que um dia, até que um dia...razão ele achou para me abordar, e chegou à rua, ao meu encontro, para melhor seu valor mostrar, contando sua proeza, que não era de se desprezar:
Ô Paulo, cê num sabe o que eu achei! Ninguém conseguia encontrar, e fui eu que achei, a carteira do papai...que tinha sumido, e eu fui achar ela debaixo da cama...ela tinha caído do lado da parede...
Não sei se cumprimentei o Sérgio pelo seu nobre feito, mas o olhei com aprovação. E ele se sentiu distinguido. Me abordara, e para ouvi-lo eu parara, ali no meio da rua descarnada, de pedregulhos, mato e areia, já sob um sol causticante que tornava a fome mais galopante.
E Sérgio voltou para sua casa mais confiante, afinal havia visto de perto, e falado com um uniformizado estudante.
Mudado do Brumado umas semanas depois, foi só uns seis anos depois que, veterano, vim a reencontrar o novato Sérgio, no ginásio de Pitangui. Menino educado, e guapito, era carinhosamente chamado de Bebê, ou de Neném, pelos seus colegas de turma...
Anos mais à frente, vim a saber, com pesar renitente, que já mocinho no Pará de Minas, Sérgio havia sido abatido numa emboscada por paulada certeira. E o corpo havia sido encontrado sem que lhe houvessem afanado a carteira.