O CASTELO NAS NUVENS
O CASTELO NAS NUVENS
Folclore português, versão poética William Lagos, 1º dezembro 2019
O CASTELO NAS NUVENS I
Há muito tempo atrás, em Portugal,
viveu um bruxo do maior renome,
que construíra um esplêndido castelo,
bem maior que os do rei; e é natural
que os nobres aconselhassem que o tome,
ninguém antes vira um palácio assim tão belo!
“Majestade, só é digno de vós!
Por que um bruxo ser seu dono deveria?”
“Mas não está defendido fortemente?”
“De forma alguma; interrogamos nós
um estribeiro que adestrava a montaria:
é defendido por muito pouca gente!...”
Contudo, o rei preferiu parlamentar;
mandou indagar ao bruxo Castellanes:
“Por que um castelo em meu país foste criar?”
“Porque me agrada,” foi a resposta singular
do bruxo velho, sem maiores adamanes.
“Aqui o ergui e aqui vai continuar!”
Então o rei mandou outro mensageiro:
“Que o castelo doe a Nossa Majestade
ou se disponha a pagar grande tributo!”
O bruxo riu-se e respondeu, brejeiro:
“Nada pode contra Nossa Malignidade...”
Cobriu o arauto com um manto de luto...
O CASTELO NAS NUVENS II
E o fez montar ao contrário no cavalo,
que ainda em feio burro transformou:
“Diz a teu rei que Castellanes é invencível!
Meu é o castelo dos torreões ao valo,
o meu poder numa semana o levantou,
para mim fácil, se te parece incrível!
Retornou o mensageiro bem atado,
com um colar de penas de urubu,
pior ainda, trajando só o casaco
e um chapelão de esterco pintalgado
e da cintura para baixo estava nu!
E sobre a sela de vidro havia um caco!
Chegou o arauto assim todo humilhado
e ainda sangrando de várias feridas,
que na sela não encontrava posição,
diversas vezes fora assim cortado!...
Zangou-se o rei com as ofensas recebidas
E para as tropas convocar viu ter razão!...
Aos camponeses rapidamente armaram,
mesmo sendo época ainda de colheita,
mas os nobres prometeram dispensá-los
rapidamente, porque todos julgaram
que a conquista já estivesse feita,
tão poucas tropas a defender muros e valos!
O CASTELO NAS NUVENS III
Marchou o rei com seus cavaleiros,
fundibulários, infantes e arqueiros,
até a várzea em que se achava o castelo
e três barões assim foram os primeiros,
liderando uma tropa de lanceiros,
para atacarem com fúria e muito zelo!
mas criou o bruxo uma cortina de fumaça,
impedindo o acesso a seu castelo...
mandou o rei então os seus arqueiros
flechas lançarem com vigor e graça,
fundibulários a apedrejar com zelo,
rapidamente a quebrar muita vidraça!
Até que o bruxo, enfim, se aborreceu
e empregou novamente a sua magia:
até as nuvens fez subir seu edifício;
fora do alcance depressa se escondeu,
lá das ameias a proclamar com zombaria:
“Tentai cá em cima exercer o vosso ofício!”
Os portugueses ficaram assombrados
E Castellanes disse: “És acaso o rei dos céus?
Deixei tua várzea e nada mais te devo...”
El-rei furioso ordenou a seus soldados
que construíssem escadas; e troféus
prometeu a quem mostrasse atrevo!
O CASTELO NAS NUVENS IV
Mas lá de cima, ficou o bruxo alegremente
a jogar pesadas pedras nos soldados,
até obrigando a recuar o próprio El-Rei!
Porém tornou-se o malvado descontente
com os incômodos que havia suportados:
“Dos portugueses eu me vingarei!”
Ora, a Princesa Maria acompanhava,
Maravilhada, tudo quanto acontecia,
filha única do rei e sua herdeira
e lá de cima o feiticeiro a contemplava...
“Não tenha medo,” a aia lhe dizia,
“Foi nosso rei que o venceu desta maneira...”
“Nossos soldados não podem lá subir,
porém o bruxo não pode aqui descer
e depois, nem está mais em Portugal,
é de todos o céu, mas de lá não pode vir;
só ameaças é que pode nos fazer,
sem ser capaz de nos fazer o menor mal...”
A pobre aia jamais chegara a ouvir falar
de que os bruxos possuíssem um singular poder:
numa alabarda voou sem dificuldade, (*)
da princesa descobriu logo o lugar
e em voo rasante ele a veio recolher
e a carregou até o castelo, sem piedade!
(*) Lança de combate, com duas lâminas de machado.
O CASTELO NAS NUVENS V
El-Rei ficou no maior desespero:
“Senhor Dom Bruxo, devolva a minha filha!
Eu prometo nunca mais lhe pedir nada!...”
“Dará uma boa esposa, assim espero...”
troçou o bruxo. “Me acompanhará na trilha,
quando eu cansar dessa tua terra amaldiçoada!”
“A propósito, depois que eu me casar,
lá no palácio em que habita o Bruxo-Mór,
logo em seguida muitos filhos nós teremos...
Portanto, Majestade, eu vou herdar
esse seu trono pequeno e sem favor
e finalmente em sua Lisboa habitaremos!”
Ficou o rei assim fora de si,
pediu e suplicou e ameaçou,
mas Castellanes se riu dele à vontade:
“A sua filhinha vai continuar aqui,
o meu bruxedo já bem fácil a encantou
e até acredita que me ame de verdade!...”
El-Rei então a todos prometeu
que daria sua filha em casamento
a quem pudesse subir por uma escada,
matar o bruxo que tanto o ofendeu
e trazer Maria de volta, em tal momento,
sã e salva, sem que fosse machucada!
O CASTELO NAS NUVENS VI
Incrédulos ficaram os cavaleiros,
montar escadas tentaram assim mesmo,
um mais ousado até construiu torre,
mas desistiram, até os derradeiros,
seus esforços todos perdidos a esmo
e um a um à própria casa acorre...
Ficou apenas um pobre lavrador,
chamado Diogo, ainda muito moço,
que até então permanecia solteiro,
a examinar o castelo com vigor,
mediu a distância até o aéreo fosso,
o vento a calcular qual bom arqueiro...
Então pegou uma corda reforçada,
bastante longa, com mais de cem toesas (*)
e a amarrou à haste de uma seta;
após qualquer experiência fracassada,
ficando as flechas pela corda presas,
calculou o alvo com precisão dileta...
(*) Medida de um metro e oitenta.
E enquanto assim fazia, viu cigano,
que se achegava como quem nada quer
e lhe indagou o que ele pretendia;
ingenuamente, Diogo a seu reclamo,
tudo explicou, sem detalhe sequer
esconder do que então acontecia...
O CASTELO NAS NUVENS VII
“Você pretende subir por essa corda,
enfrentar lá em cima o feiticeiro,
para depois descer com a princesa?”
Quando Diogo assentiu, ele concorda:
“Vou ajudá-lo, meu jovem arqueiro,
que alguém precisa conservar a corda tesa...”
“Enquanto você sobe até lá em cima
e depois que derrote o feiticeiro,
alguém precisa a sua princesa segurar;
do rei ela é por certo a maior mima,
você bem disse que afirmou certeiro
que em nada ela se pode machucar...”
Diogo concordou, sem desconfiar
e com um tiro de flecha bem certeiro
cravou-lhe a ponta na porta do castelo
e depois de ter certeza de a firmar,
foi por ela marinhando bem ligeiro,
rubra coragem a mostrar no rosto belo!
E teve a sorte de o bruxo abrir a porta,
averiguando o que havia acontecido!...
Com outra flecha, Diogo o executou
e por sua morte o encantamento corta:
de que era um bruxo e que a havia prendido,
de imediato a princesa recordou...
O CASTELO NAS NUVENS VIII
Do castelo o encantamento já falseava;
tomou Diogo nos braços a princesa
e fez de corda uma segura cadeirinha
e depressa mas com jeito ele a baixava,
até chegar ao solo, sem surpresa,
que firme a corda o cigano ali sustinha...
Mas assim que a princesa viu a salvo,
tirou do alforge isca e pederneira (*)
e em breve chama a corda ele queimou!
Pensando que o bom Diogo era um papalvo,
mas ao ver da princesa a tremedeira,
mais que depressa história falsa lhe contou...
(*) Bolsa de viagem feita de couro grosso.
“Bela princesa, aquele moço é meu criado,
fui eu que a corda lancei e a estiquei,
aqui de baixo alvejei o feiticeiro
e o mandei subir, bem descuidado,
que a trouxesse para o solo lhe ordenei,
tudo o que fez imaginei primeiro...”
“O coitadinho é muito limitado,
mas do castelo será um bom guardião,
até que juntos o vamos visitar...
Agora monte a mula, do meu lado,
Sua Majestade mostrará sua gratidão,
tão logo a Lisboa possamos nós chegar...”
O CASTELO NAS NUVENS IX
A princesa em nada disso acreditou,
mas teve medo e assim ficou calada...
Bem ao contrário, o rei de nada desconfiou
e tal como anteriormente proclamou,
a boda de imediato foi marcada!
Maria inutilmente protestou...
“É que ela ficou muito abalada...”
disse o cigano. “Foi o encantamento
que sobre ela lançou o feiticeiro,
sua memória está um pouco perturbada,
mas tudo passará noutro momento
e por marido me aceitará ligeiro...”
Ora, o castelo era só de encantamento
e a pouco e pouco veio aterrissar,
depressa as torres já a desmoronar...
Os soldados e criados, em espavento,
fugiram bem depressa, sem cuidar
de ao matador de seu amo castigar...
Então Diogo saiu tranquilamente,
mas teve de ir a pé até Lisboa,
onde se estava celebrando o casamento...
Mas penetrou na igreja, finalmente
quando o rei a conduzia, entre a loa
do povo, em comovido sentimento...
EPÍLOGO
Os guardas tentaram até detê-lo,
porém Maria gritou: “Foi esse moço
o herói que realmente me salvou!...”
Viu o cigano que poderiam prendê-lo,
Na sacristia enfiou-se num retoço
E por portinha lateral logo escapou!...
Mas a sua mula só marchava devagar
e logo o povo interrompeu o cigano
e o trouxeram de volta até o rei.
O infeliz foi obrigado a confessar,
na cadeia ficou preso mais de um ano:
para onde foi depois eu já não sei...
Mas como estava pronto o casamento,
El-Rei mandou dar a Diogo roupas novas
e a feliz boda a seguir se celebrou...
E como é praxe após um tal evento,
termino a história com as melhores novas:
por longos anos o casal feliz ficou!...
E quanto ao bruxo? Jamais foi encontrado,
desvanecido o castelo inteiramente,
provavelmente também seu corpo desmanchado,
pois, decerto, mais de século vivera
e desse modo, a lusitana gente
nem nos informa onde o castelo erguera!...