O PAÍS DA JUVENTUDE -- PRIMEIRA PARTE DE DUAS
O PAÍS DA JUVENTUDE
(Skaz (Conto de Fadas) Russo, recontado por Victor Hugo,
adaptado e versificado por William Lagos, 5 SET 2019)
O PAÍS DA JUVENTUDE I – Primeira Parte
Quando o Tzar Dmitri certo dia adoeceu,
dessa moléstia ninguém sabia a causa;
cem tratamentos recebeu sem pausa,
não se curou, mas também não piorou...
e como os médicos não o podiam curar,
consultou os curandeiros populares,
infelizmente, com idênticos azares,
ninguém sua cura conseguia adivinhar!
Finalmente, ali chegou um pope velho, (*)
que com rezas e homilias o abençoou,
porém nem disso a sua cura resultou,
contudo, ele deixou-lhe um bom conselho:
“Paizinho”, disse ele. Era o costume
referir-se assim na Rússia ao soberano,
como se fosse o pai de cada humano,
“somente Bog sua plena cura assume.” (+)
“Não obstante, ouvi falar de certa terra
a que chamam o País da Juventude,
e maravilhosa lenda ali se alude,
que fonte existe que todo o bem encerra...
dizem alguns ser a Fonte da Saúde,
outros que a nós confere longa vida,
outros que cura qualquer doença havida,
talvez de vossa moléstia vos escude...”
(*) Título de padre ortodoxo russo. (+) Deus.
O PAÍS DA JUVENTUDE II
“E onde fica essa fonte?” quis saber
o bom tzar, que de fato era bondoso,
com o bem-estar de seu povo cuidadoso.
“Só que fica bem ao sul ouvi dizer...
Mas essa água, caso seja conseguida,
poderia ser vendida a grande preço;
quem a buscar vos deve ter em muito apreço,
sem que a ambição o leve de vencida...”
“Será uma longa viagem, no entretanto,
mas com minhas orações preservarei
a vida e a energia a meu bom rei,
até que Bog o proteja com seu manto...
Eu mesmo para o Tzar a iria buscar,
mas estou velho demais para a viagem
e nem sei se resistir teria coragem
à tentação de nessa água abeberar...”
“Sugiro alguém envie de sua total confiança,
que seja forte o suficiente para a empresa,
jovem bastante para tal proeza
e que pelo seu bem-estar tenha aguardança.”
Pensou o Tzar e, na sua ingenuidade,
escolheu enviar seu filho e herdeiro,
o Tzarevitch Mikhail, ainda solteiro,
que acreditava amá-lo de verdade.
O PAÍS DA JUVENTUDE III
Desse modo, chamou a Mikhail
e claramente explicou-lhe a situação,
deu-lhe dinheiro e vasta provisão,
sem julgar nele qualquer intenção vil.
Na verdade, Mikhail só esperava
que o pai morresse para sucedê-lo;
lamentou mesmo esperançoso vê-lo,
pois pelo seu passamento até ansiava...
Mas concordou em ir a terra procurar
que chamavam de País da Juventude,
só foi adiando, na esperança que demude
para pior de seu pai o bem-estar...
seguiu então um alfarrábio a consultar
e de fato os arquivistas procurou
e nos arquivos do reino se encontrou
um certo mapa, tal país a indicar...
E não podendo a tarefa mais adiar,
decidiu-se a viagem a empreender,
com soldados e servos a valer,
seu conforto assim a conservar...
Claramente foi o mapa consultado
e a Samarkand finalmente ele chegou,
mas seus prazeres logo experimentou
e ali ficou, gozando descuidado!...
O PAÍS DA JUVENTUDE IV
Passado o tempo, como o filho não voltava,
pensou o Tzar que tivesse até morrido,
sem o remédio ter-lhe conseguido:
ficava estável, mas tampouco melhorava...
Chamou então o seu segundo filho,
O Tzarevitch Alexander e lhe confiou
Igual missão. Com soldados o dotou,
Muitos servos, de rublos grande brilho! (*)
A essa altura, Alexander já esperava
que seu irmão tivesse se perdido;
seria ele o tzar, após ter falecido
o seu pai – e viajar não lhe agradava:
se em sua ausência o velho rei morresse,
talvez dessem o trono a seu irmão,
o Tzarevitch Vladimir, nessa ocasião,
porém negar-se a obedecer jamais pudesse.
E assim partiu, com a cópia desse mapa,
a Samarkand chegando, eventualmente,
em que encontrou desaponto bem potente:
seu irmão a desfrutar vida bem guapa!
Contudo, escondeu seu desaponto
e os dois irmaos ficaram a gozar
as delícias da cidade sem parar,
de sua viagem todo esquecido o ponto...
(*) Moeda tradicional russa.
O PAÍS DA JUVENTUDE V
Passado o tempo, como não voltavam,
o Tzar se entristeceu sobremaneira,
julgando que os dois filhos já perdera,
sem saber como os tais o desprezavam!
Então o mais moço, o Tzarevitch Vladimir,
permissão lhe pediu para tentar
o perigoso empreendimento a realizar,
mas o Tzar recusou-se a permitir.
“Perdi dois filhos, você é o herdeiro agora,
quando eu morrer, ocupará meu trono;
não posso permitir seu abandono,
firme deve aguardar por essa hora!”
Mas Vladimir, que o amava realmente,
ao ver como a sua saúde se esgotava,
para buscar essa cura muito ansiava
e decidiu-se a partir secretamente...
Porém acesso ao mapa lhe negaram;
os arquivistas clara ordem receberam
e desse intento firmemente o demoveram;
sequer um rublo os tesoureiros repassaram!
Mas o príncipe reuniu os seus haveres
e fingiu que ia partir numa caçada,
sua companhia deixando abandonada
e seguindo a realizar filiais deveres!...
O PAÍS DA JUVENTUDE VI
Seguiu sozinho pela longa estrada,
sem ter certeza de qual fosse seu caminho;
como do mapa nunca vira o pergaminho,
Samarkand foi por ele ultrapassada;
atravessou, ao invés, largo deserto,
o Kizyl Kum, de fato perigoso
e o Karakorum transpôs, bem corajoso,
até que, enfim, divisou o mar aberto...
Do Oceano Índico era o extremo norte;
ninguém pudera indicar o seu caminho...
uma mulher bem velha, num ranchinho,
ali vivia a depender da boa sorte...
Pois a senhora do mancebo se apiedou,
percebendo a extensão de seu cansaço,
serviu-lhe peixes e, num forte abraço,
em sua própria enxerga o acomodou...
Pois Vladimir já gastara o quanto tinha,
as próprias vestes em trapos transformadas,
pela exaustão suas faces transtornadas...
tratou-o a velha, sem em nada ser mesquinha.
Depois de um mês, recobrou-se Vladimir
e lhe explicou as razões de sua viagem...
ela falou, recompensando sua coragem:
“Sei muito bem para onde deve ir...”