Já passava das oito horas e Mariana continuava dormindo. Depois de um dia intenso e divertido no sítio dos avós, o cansaço parecia tê-la visitado pela primeira vez, desde a sua chegada, no último domingo.
Mariana era uma menina muito espivitada e cheia de energia. Parecia que tinha comido um gravador de vozes, fazendo perguntas de todo tipo e bebido um suco de pião, pois rodava pra todo lado, sem fim. Parecia um carrossel de parque de diversões, só que o cavalo era bailarino.
A menina nunca gostou do seu nome. Dizia ela que queria um só. O dela eram dois. E que entre Mari e Ana preferia o segundo, por ser o nome de sua avó, que morava no céu. Desde a sua morte, ela dizia que queria virar anjo para reencontrá-la, afinal, seu amor por ela não tinha fim.
No dia em que chegou no sítio, viu que as galinhas, patos, gansos e pássaros tinham asas muito parecidas. Estava curiosa para saber como essas asas funcionavam. Então acordava cedo, junto com as galinhas, e passava o dia todo no galinheiro tentando descobrir como elas nasciam e o que poderia fazer para ter uma delas.
Tinha uma galinha, a Diolina, que parecia cachorro. Era só chamá-la pelo nome que ela vinha. Além do mais, a ave sempre fugia e ia dormir bem pertinho do Ximbica, que era o cachorro que o vovô dizia que virava latas. Pra falar verdade ela nunca se conformou por não conseguir ver Ximbica virando latas. Até chegou a colocar algumas latinhas próximas ao canil, mas o cachorro nem ligava. Por que esse nome então? Ela dizia. Devia chamar cachorro galinha porque até cacareja quando está acompanhado de Diolina.
Tinha uma outra galinha que parecia o seu pai: ficava nervosa e levantava o pescoço cacarejando e andando de um lado para o outro. O seu pai fazia a mesma coisa, a única diferença é que ele falava sozinho.
A Cacarejaca era uma pomposa galinha Dangola que não podia ver gente que saia cacarejando loucamente. Mariana pegava um cajado e corria atrás dela, só pra vê-la esgoelando. A galinha perdia o fôlego e escondia debaixo da pedra de cascalho. Mariana levava água numa vasilhinha de margarina e a coitada aceitava e deitava em sua perna.
Outra, a Berranice parecia da mesma família de Cacarejaca. Era só olhar pra ela que começava a berrar.
Mariana conhecia todas as galinhas e até sabia quem estava a cantar por causa do timbre. Ela acreditava nisso é sempre se aventurava a dizer:
- Olha a Berranice! Não para de gritar, vovô!
Depois de duas semanas observando o galinheiro, a menina já sabia de cor quem era quem e já tinha um plano para construir suas asas. Decidiu catar cada pena que caia dos animais e colá-las numa cartolina. Não contou para ninguém sobre seu projeto de engenharia. Mas permanecia firme no propósito de ir até o céu visitar sua vovozinha.
Pediu então para o avô que lhe comprasse uma cartolina quando fosse à cidade e ele trouxe na sexta-feira à tarde.
No sábado de manhã, acordou as sete, tomou um café reforçado e foi se esconder no celeiro. Pegou emprestado a cola de seu avô marceneiro e começou a pregar as penas. Usando excessivamente a cola, acabava deslizando as penas pela cartolina, fazendo uma bagunça danada.
O avô sentiu falta da menina e resolveu procurá-la, por receio de que, por estar quieta, estivesse aprontando mais uma de suas peripécias. Não a encontrando em lugar nenhum, resolveu ir até o celeiro, quando abriu a porta, o susto: a menina estava em cima do monte de palha usado nas plantações e com a cartolina na mão, pulava e descia escorregando até a parte baixa. Os montes tinham mais de três metros de altura.
O avô assustado, sem saber do que se tratava aquela perigosa brincadeira ralhou:
- Que brincadeira idiota é essa? Se você cair daí você morre, sabia? Desça agora, você está de castigo. Vou contar pra sua mãe.
A menina entristecida, desceu com as asas na mão e chorando, foi molhando aquela cartolina em que se encontrava abraçada.
Sem falar nenhuma palavra, foi para o quarto e a colocou sobre a mesa o papel cheio de penas, pegou um rascunho e desenhou ela de asas, subindo até o céu, onde estavam sua vó, Deus e Maria. E num balãozinho de conversa escreveu:
- Vó Ana, queria tanto te ver de novo, mas minhas asas não eram de galinha e nem de anjo. Não deu certo. E colocou lágrimas nos seus olhos.
Deitou-se ao lado da cama, segurando uma fotografia em que ela e a avó estavam felizes no parque e dormiu.
Em sonho, sua avó veio visitá-la e disse que ela não precisava de asas para vê-la, apenas de amor e ela tinha muito...
O avô entrou no quarto e vendo aquela cena triste não suportou e chorou. Em seu pensamento estava a dor da despedida de sua amada e um coração arrependido de não ter compreendido as intenções da pequena menina que sentia tanta saudade de sua avó.
Abraçou-a fortemente fazendo com acordasse eufórica dizendo que tinha virado anjo e visitado a vovó e que ela disse que não precisava de asas para encontrá-la se tinha o mais importante que era amor.
E os dois, a partir daquele dia, nunca mais se separaram. Pois, era cada vez mais forte o amor, entre eles.

 
Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 19/09/2020
Reeditado em 19/09/2020
Código do texto: T7067035
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