A CURA DO REI -- FINAL
A CURA DO REI XVI
“Não posso ir-me,” a menina retorquiu,
“senão depois de ter cumprido o meu dever.
Foi a vossa salvação que me induziu...”
“Então não temes que te faça perecer...?”
“Não, Majestade,” a criança lhe sorriu,
“tenho certeza de sua cura conhecer,
foi minha mãe que o remédio me ensinou,
que nenhum mal até hoje me causou,
quando o apliquei com todo o seu poder...”
A CURA DO REI XVII
“Fale, então,” disse o rei, meio enfastiado.
A menina o conduziu até a janela
e apontou para o céu, ao vê-lo ao lado.
“Mas o que é isso? Zombas de mim, donzela?”
“Não, meu senhor. Sei que não tendes rezado...”
“Claro que não! Rezam meus bispos por demais,
nada resulta de incessantes peditórios;
é em vão que eles erguem seus cibórios,
pois não me fazem dormir uma hora mais...”
A CURA DO REI XVIII
“Dize-me logo, já que não tens temor,
qual lenitivo com que pretendes me curar...”
“Majestade, por vós tenho todo o amor.
Eu vim aqui para ensiná-lo a orar...”
“Mas o quê?” – disse o rei, em seu furor,
“É só com isso que perturbar-me se atreveu?”
“Sim, Majestade, pois é mais que suficiente.”
“Pois então o seu castigo é pertinente.
Já para a forca!” Um conselheiro intercedeu.
A CURA DO REI XIX
E o próprio rei, ao ver a sua inocência,
como partia para a morte em um sorriso,
arrependeu-se e lhe mostrou clemência:
“Enforcá-la não me parece ser preciso,
mas irá para a prisão por sua demência!”
A pastorinha partiu sem protestar;
tratá-la bem o rei determinara,
mas depois que uma semana se passara
seu calabouço o rei foi visitar...
A CURA DO REI XX
Bem ao contrário dos outros prisioneiros,
viu a menina ajoelhada e a suplicar,
sem perceber o rei e os conselheiros,
contudo estes escutaram-na a implorar:
“Senhor, afasta seus pensamentos tão traiçoeiros,
que ele possa, enfim, dormir em paz!”
O carcereiro então disse: “Majestade,
ela está assim o tempo todo e, na verdade,
quase não come nem bebe o que lhe dão!”
A CURA DO REI XXI
Ficou o rei ainda mais impressionado.
“Mas não parece ter emagrecido...”
“Não, meu senhor, mas somente tem orado
e à misericórdia divina intercedido
pela cura do rei. Nada mais tem suplicado...”
“Está bem,” disse o rei. “Que seja solta
e vá para o seu lar sem mais castigo.”
E se afastou, sem querer mostrar-se amigo;
seu próprio edito quebrantara sem mais volta!
A CURA DO REI XXII
Observou a sua partida da janela
e então pensou: que me custa isso tentar?
O tratamento sempre inútil se revela,
quem sabe uma oração vai funcionar?
Bem mais que em padres confio eu hoje nela!
E nessa noite, ajoelhou-se junto ao leito,
dizendo as preces que a mãe santa lhe ensinara,
nessa súplica que tão intensa lhe brotara,
do coração ao fundo, em dom perfeito!
A CURA DO REI XXIII
E para sua surpresa, se acordou,
ainda ajoelhado, à beira de seu leito;
então ergueu-se e os joelhos esticou
e se deitou, ainda com mau jeito...
Mas de repente, tão só o dia clareou,
percebeu que dormira a noite inteira!
Sem pesadelos! Sem ter maus pensamentos,
assombrações ou vagos sentimentos,
só recordava a pastorinha tão brejeira!
A CURA DO REI XXIV
Sentindo-se feliz e descansado,
mandou chamar de volta a garotinha.
Ninguém sabia, porém, para que lado
ela se fora. Sequer seu nome tinha,
em toda a permanência, revelado!
Mas nessa noite, ele de novo adormeceu,
após fazer a Deus novo pedido;
de sua insônia depois, sem ter sofrido
por vários anos... E assim permaneceu.
A CURA DO REI XXV
Por cinco anos o seu sono continuou.
Que era uma fada muitos murmuravam.
mas o Cardeal que era um anjo lhe afirmou,
rezas à Virgem então recomendavam,
porém o rei com nada disso concordou.
“Não é anjo e nem fada, mas mulher,
embora ainda nessa tenra idade!”
Mas demonstrou sabedoria e humildade,
na fiel execução do real mister!...
A CURA DO REI XXVI
Passado o lustro, ou sejam, cinco anos,
apresentou-se no palácio uma donzela,
pura beleza em seus traços soberanos.
O rei a viu, observando da janela,
vestida apenas nos mais modestos panos;
e, de imediato, à guarda ele ordenou
que lhe abrissem os portões sem mais demora.
À real presença ela chegou, na mesma hora:
“Majestade, sei muito bem que se curou!”
A CURA DO REI XXVII
“Lembra de mim?” “Assim recordo, certamente,
porém seu nome nunca soube àquela hora...”
“Não desejava que me achasse, realmente,
porém meu nome é Sophia Eleonora...”
“A sua beleza fez-se agora diferente...”
disse-lhe o rei. “Bem sei. Virei mulher,
naquele tempo era somente uma criança...”
“Todo esse tempo nutri bela esperança,”
falou o rei. “Desposar-me você quer...?”
A CURA DO REI XXVIII
“Para isso foi que vim,” disse a donzela,
“porém não passo de uma simples camponesa...”
“Do melhor sangue de Portugal, minha bela!
Melhor esposa não acharia, com certeza,
por cinco anos, sua lembrança se encastela,
porém da insônia eu nunca mais sofri!...
Aceita, então, tornar-se minha rainha?...”
“Se o Rei me quer...” respondeu-lhe a pastorinha.
(Em rara lenda romantismo igual eu vi...)
A CURA DO REI XXIX
“Trago somente uma pequena condição...”
“E qual é ela? É só pedir, que lha darei,
pois certamente já lhe dei meu coração...”
“Senhor, meu Rei, essa cura lhe inspirei,
mas foi minha mãe que me ensinou a ação
e só lhe peço que se digne permitir
que a genitora também aqui possa habitar...”
E disse o rei: “Para maior honra me dar
a digna mãe que a você soube nutrir...”
EPÍLOGO
E foi assim que celebrou-se a boda
do ainda jovem rei com a donzela,
que certamente tinha ascendência goda,
o melhor sangue português correndo nela,
muita inveja certamente como coda
especialmente das que nunca conquistaram
o belo rei apesar de se esforçarem;
os corações, contudo a dominarem
a bondade e a beleza que se alçaram...
que a todos nós possa surgir algum consorte,
mulher ou homem, qual nos convier,
que assuma para si o bom mister
de consolar, com amor, a nossa sorte!
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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