A lavage

No tempo em que as rações eram só coisa de americanos, os nossos porcos viviam das sobras de comida, e do que fuçavam, na sua fuçação atrevida.

E para se maximizar a engorda, os criadores de porcos nos ambientes urbanos viviam a pedir aos vizinhos - a quem geralmente só cabia compartilhar o mau cheiro pungente dos chiqueiros - que lhes reservassem todo o resto de comidas possíveis. Que não se os jogassem fora, que se os guardassem numa lata, ou num pote até que um dos

filhos dos criadores por ali passasse, para recolher aquele pote de fermentação, alimento ideal para os seus porcos. E àquela compostagem dava-se o nome de lavagem, ou lavage, que era a forma mais usada.

E enquanto o pote, posto fora da casa, ao pé da porta da cozinha, não enchia, seu cheirinho aumentando ia, dia após dia. Não sem razão era preciso tampar o continente para o cheiro não matar a gente. Ou matar as moscas que o circundavam, achando que algo lhes sobraria daquela porcaria.

Quando o miúdo vinha para levar o conteúdo e esvaziar o pote, o alívio vinha no rebote. Por pouco tempo, mas valia a pena. E era a certeza de que os porcos vizinhos iam se deliciar a tripa forra. Pena que num abate ocasional não vinham de volta umas peles torradas, uns torresmos, umas orelhas bem assadas...ou só nadas...?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 22/07/2020
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