Semente na barriga

(Era noite. Escuridão no quarto. Após zil histórias, quase dormindo, recebo um convite).

- Pai, como você colocou a semente na barriga da mamãe?

(Atordoado. Como quem procura uma luz, uma vela ou qualquer sinal de fumaça, organizo meus pensamentos repetindo a mesma pergunta em voz alta).

- Como coloquei a semente na barriga da mamãe?

- Sim!

- Bom...

- Conta! Conta!

(Em um estado de grande euforia, como se o sono e as histórias tivessem feito um acordo, parece ter guardado a pergunta central da sua vida. As perguntas do dia nascem à noite).

(Eu silêncio! Silêncio eu! Ela repete a pergunta. Já não me cabe repetir a mesma pergunta. Atraído pelo labirinto das respostas ocas, furtivamente escolho outra pergunta).

- Porque você quer saber?

- Por que sim!

(Esqueci que conversava com uma gigante de quatro anos. Reformulo a pergunta).

- Pra que você quer saber isso?

(Impacientemente responde como quem responde algo obtuso).

- Quero saber se nasci por causa do “papai do céu” ou da “varinha mágica”.

(Em uma consulta rápida escolhi a “varinha”. Eu estava procurando algum tipo de coerência. Fiquei mais aliviado. Tinha uma pista para onde ir).

- Tá pai! Mas conta... como colocou a semente dentro da barriga da mamãe?

(A beleza do notívago é aceitar o que é parcial. Assim, falei o óbvio).

- Coloquei com amor.

(Ela indignada e insatisfeita com minha resposta parece interessada em olhar como um microscópio para dentro de uma semente).

- Mas, COMO PAIIIII?

(Luz! Uma epifania alojou-se em meus pensamentos. Lembrei da nossa tarde no quintal).

- É como as sementes que plantamos. Elas crescem na terra. Viram flores e frutos. Mas não vemos. Só enxergamos depois que saem da terra.

(Silêncio. Penso qual será o próximo passo. Ela nada fala. Eu não sei para onde ir. Ao que parece chegamos ao fim deste capítulo antes que o sono viesse. Qual será a próxima pergunta? Talvez: tem alguma pergunta que você quer que eu pergunte?).