Tõe Galinha

Foi como num abraço de afogado que o Tõe Galinha se pendurou, e perdurou, no seu apelido. Possível até que ele próprio o tenha criado. E tudo em conexão com aquele brinquedinho de papelão, no formato de uma cuíca, e um cordãozinho preso à tampa que, ao deslizar dos dedos, produzia um som imitando uma galinha. E não era só no cacarejar não, era também no chamar os pintinhos, no sinalizar algum perigo nos céus ou na terra, no impirriado do choco e vai ver até que no responder a uma corte do galo...

Tõe foi meu colega no início do curso primário, tanto no Brumado quanto em Pitangui, pois nossas famílias mudaram-se pela mesma época e vai ver que pelas mesmas razões da busca de oportunidades de estudo e trabalho para a garotada. E Antônio era ainda afilhado de vovó, vindo pedir-lhe a bênção como soía naqueles tempos. Seu pai, operário como os meus, tinha a distinção adicional de ser maestro da Banda de Música. A ex-estação ferrroviária do Brumado, transformada em Centro Cultural, o homenageia com uma placa em merecida homenagem.

Se Jair e Silvério respectivamente irmão mais velho e irmão mais novo de Tõe deram pra música, com o sax e a requinta, Tõe contentou-se em atrair a meninada e por quê não, sua parentada, com suas refinadas imitações galináceas. Escolas e mais escolas recebiam com gáudio a sua visita, a partir da vizinha cidade de Conceição do Pará, onde a família passou a residir há coisa de quarenta anos, ou mais.

Sem galinhagem, os domingos davam ao Antônio outra roupagem: ia, todo enfatiotado para a igreja dar as boas vindas aos fiéis. E de tal forma se comprazia com essa nobre e nova função que - confidenciou-me da última vez que nos vimos, há coisa de dois anos, na mesma Estação da Cultura - que, como tio solteiro que ficara, se sentia como administrador de um enorme aviário, distribuindo sorrisos de boas vinda e lugares no sacro poleiro...o milho contudo - advertia - davam-no o celebrante e os ministros da Eucaristia...

E Antônio, já então valendo-se de uma bengalinha - nada de bem galinha... - atuou até quando seus joelhos aguentaram...mas a produção de artefatos para a criançada continuava e bem alto, cacarejava...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 06/04/2020
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