A RAPOSA E O CARANGUEJO & MAIS

A RAPOSA E O CARANGUEJO & MAIS

Fábula chinesa, traduzida e adaptada por William Lagos, 29/4 (3/5)/2019

A Raposa e o Caranguejo (VII) ... ... ... 29 abril 2019

O Poder da Fala (III) ... ... ... 30 abril 2019

O Poder do Discurso (III) ... ... ... 1º maio 2019

O Poder da Ciência (III) ... ... ... 2 maio 2019

O Poder da Comunicação (III) ... ... ... 3 maio 2019

A RAPOSA E O CARANGUEJO I – 29/4/2019

Havia uma raposa vermelha e bem vaidosa:

ninguém no mundo era melhor que ela!

Era o que achava, ao menos, a presunçosa:

“Ganho do sol, corro mais do que a procela!”

“Quando corro do sol, minha sombra ganha;

quando corro da chuva, meu pelo me protege;

quando corro do vento, minha cauda se arreganha;

quando corro do raio, o meu focinho rege!”

Assim a raposa o dia inteiro se gabava,

porque, de fato, ela corria velozmente;

“Sou a vencedora!” – para todos afirmava.

Os cães de caça aceitavam, simplesmente.

Um dia a raposa foi beber água no rio

e viu junto da margem um pesado caranguejo.

“Olá, pobre criatura, animal sem qualquer brio,

que nem sabes correr, aqui preso no brejo!”

A RAPOSA E O CARANGUEJO II

“Não é verdade,” o caranguejo respondeu.

“Quando a corrente é forte, eu corro até o capim;

quando estiver com sede, ao rio correrei eu;

é tudo que preciso, vou vivendo bem assim!”

“Ora, ora, infeliz, do rio para o capim

e da próxima vez, do capim de volta ao rio!

Eu digo uma corrida, com bom começo e fim,

corrida de verdade, um longo desafio!...”

“Se eu tivesse tantas patas como você tem,

ninguém no mundo alcançar-me poderia!

Eu já sou bem veloz, mais correria também,

até o fim do mundo e ninguém me alcançaria!”

“Ora,” disse o caranguejo, “sua vantagem é o rabo!

Estende bem a cauda e corta até o vento...

Mas se tivesse nela um peso, não chegaria ao cabo...

Mais rápido sou eu, velocíssimo portento!...”

A RAPOSA E O CARANGUEJO III

“Mas o quê?” – disse a raposa. “Você é um fanfarrão!

Nunca no mundo poderia me vencer!

Tem uma casca pesada, suas patas duras são,

tenho certeza plena de muito mais correr!...”

“Mas eu acho que não! Mas como é bem maior,

se formos competir, me deve uma vantagem;

deixe-me prender um peso, sem lhe causar dor,

na ponta do seu rabo e correremos com coragem!”

A raposa, convencida, depressa concordou.

“Com um peso na minha cauda, não a consigo levantar,

mas isso não é nada!...” A vaidosa se gabou.

“Pode prender seu peso, que não vai me dominar!...”

“Pois bem, será assim... Vai até onde a corrida?”

“Até a grande árvore, no sopé lá da montanha;

não há um obstáculo que nos leve de vencida.

Acha que pode correr distância assim tamanha?”

A RAPOSA E O CARANGUEJO IV

“Se você puder, eu posso,” respondeu o caranguejo.

“Só há um probleminha, não corro bem na areia,

vou buscar um matinho para um melhor ensejo,

porque a areia entra em minhas patas e me arreia...”

“Contudo, inicialmente, vou bom fôlego tomar.

Assim que estiver pronto, eu vou gritar um Já!”

E a raposa falou: “Por mim, pode demorar,

pronta para correr uma raposa sempre está!”

Então o caranguejo, dissimuladamente,

prendeu as duas pinças no rabo da raposa!

Vaidosa e convencida, ela só olhava à frente,

Tão só sentiu o peso, qual de pesada lousa!

Notou que a cauda já não podia levantar...

Não vou correr com igual velocidade,

pensou a raposa. Mas não vai me atrapalhar,

de um caranguejo, ganho com facilidade!

A RAPOSA E O CARANGUEJO V

Contudo, se prendeu muito firme o caranguejo

e então falou: “Corra só em linha reta,

se andar por entre as pedras, quem sabe até me aleijo!”

“Por mim está tudo bem, a areia não me afeta!...”

Então o caranguejo, depois que se firmou,

deu o tal gritinho combinado: “Já!”

E a raposa como um raio disparou,

pelo longo trajeto que combinado está.

O peso a incomodava, mas não o suficiente

para impedir que corresse a bom correr...

Assim que ela pensou encontrar-se bem à frente,

gritou: “Caranguejo, não posso mais te ver!”

Mas ouviu uma vozinha, com jeito de ofegante:

”Estou aqui, raposa! Bem no meio do matinho!”

A raposa se espantou, porém seguiu adiante,

correndo pela areia, até bem mais ligeirinho!...

A RAPOSA E O CARANGUEJO VI

Correu, correu e perguntou depois:

“E onde estás agora, lento caranguejinho?”

“Dona Raposa, junto estamos todos dois:

não pode me enxergar, no meio do matinho?”

Pois a raposa surpreendeu-se, novamente:

Esse bendito peso está mesmo a me atrasar!

Não consigo estender a cauda, realmente,

só que esse caranguejo não consegue me ganhar!

Correu ainda mais, já bem perto da montanha,

com o caranguejo agarrado no seu rabo

e ela nem achava sua carga coisa estranha,

embora, realmente, o peso fosse brabo!...

Ela indagou de novo, segura desta vez:

“Pois então, caranguejo, não posso mais te ver!”

“Mas estou aqui!” – falou o esperto freguês.

“No meio do matinho, correndo a bom correr!”

A RAPOSA E O CARANGUEJO VII

E num último esforço, já resfolegando,

a raposa, de um salto, a árvore atingiu!

Fechou os olhos por momento, respirando

e o caranguejo o rabo lhe soltar nem viu!

“Pois então, caranguejo, ganhei ou não ganhei?”

“Que eu saiba, ganhou só a porta pra sair!...

Faz um tempão aqui na árvore eu cheguei!

Respire fundo e seus olhos venha abrir!...”

Ficou a raposa envergonhada e surpreendida:

Como chegara ali primeiro o caranguejo?

De sua supremacia se achou desiludida:

Melhor voltar ao rio! – pensou, cheia de pejo... (*)

(*) Cheia de vergonha.

Bem devagar, muito desapontada,

foi caminhando, depois deu trotezinho,

sem perceber que sua cauda arrastada

trazia de volta o tal caranguejinho!...

EPÍLOGO

E quando, finalmente, chegou junto do rio,

deu um suspiro e na beirada se deitou

e enquanto recobrava do respirar o fio,

o caranguejinho esperto se soltou!

Por via das dúvidas, o rio atravessou

e se escondeu bem no fundo da toquinha:

Se a raposa descobrir como a enganou,

é bem capaz de lhe comer pata e casquinha!

O PODER DA FALA I – 30 ABRIL 2019

Uma coisa nos diferencia claramente

das plantas e animais, É que falamos,

enquanto as árvores apenas contemplamos

chiando ao vento, sussurrando som gemente...

tampouco as flores nos falam no presente:

quando muito um estalar observamos

de uma semente, se no jardim estamos:

quebrado um ramo, para o choro é impotente!

Por certo os pássaros possuem a sua linguagem,

mas limitada a cantar gorgeio e pios,

eles se entendem, mas não falam realmente

e os animais, por maior a sua coragem,

se limitam a roncar e a ladrar, rugir bravios,

a miar e a balir, ou até em mugir potente!

O PODER DA FALA II

Mas nada disso compõe uma linguagem;

são mais avisos, ameaças ou gemidos;

que nos falem, até alguns são iludidos;

seus pios percorrem as ramas da paisagem;

alguns entendem até os sons, à margem,

como os cães e cavalos, que respondem com nitridos;

falando os donos, os comandos são ouvidos,

mas sem ter a própria fala, em latidos sua mensagem.

Têm claros meios para a comunicação,

mas por mais que se treine algum macaco

e alguns possam até aprender a ler,

não possuem órgãos para a fonação,

sua fala limitada a um guincho fraco,

por mais que queiram qualquer coisa nos dizer!

O PODER DA FALA III

Os golfinhos possuem maior vocabulário,

bem mais de cem seus silvos e apitos,

certos deles soando até muito bonitos,

alguns cientistas compilaram dicionário

e até puseram os verbetes em binário,

podendo assim reproduzir seus gritos,

fossem eles sons alegres ou aflitos,

mas fracassou por enquanto seu breviário.

Alguns persistem em se comunicar,

porém parece que há mais do que assobios,

alguns suspeitam que empregam pensamento,

com barbatanas ondas possam provocar,

talvez mudanças no tom ou em seus brios,

quiçá apenas a balançar seu movimento...

O PODER DO DISCURSO I – 1º MAIO 2019

Por outro lado, não poderão mentir

possivelmente manipular consigam,

algum ardil pela expressão nos ligam,

mas nada falso tal qual nosso sorrir.

Nossos políticos é que nos sabem iludir:

usam a fala e com ela nos obrigam

a atender seus interesses, sem que o digam,

tais vigaristas nas tribunas a influir.

O povo é escada para sua ambição,

mil promessas a fazer numa eleição,

esquecidas quando chegam ao Congresso,

por uns três anos, até que seu mandato

corra perigo de sofrer um desacato,

quando de novo o seu mentir nem meço!

O PODER DO DISCURSO II

Existem por aí mil demagogos,

que em seus discursos nos priometem mundos,

sem se importar de onde hão de vir os fundos

para atender aos populares rogos.

E assim armam os seus espertos jogos,

contra o governo seus discursos iracundos

e em suas críticas até conseguem ser profundos,

sem soluções para apagar tais fogos!

E lá estão eles, na Câmara sentados

ou no Senado, muito bem entronizados,

pensando apenas em polpudos vencimentos;

ou pretendendo conquistar as prefeituras,

ou os estados, através mentiras puras,

açambarcando bem mais que emolumentos!

O PODER DO DISCURSO III

Pois cada um que domina a oriatória

sobe ao pódio e só fala por falar,

sem dizer nada, somente a demonstrar

como sua fala é articulada e peremptória!

Triste pena que haja coisa assim inglória,

mas não é so no Brasil a se mostrar;

onde os chamados estadistas vão reinar

é desvirtuada toda a nossa história!

Não interessa a verdade em absoluto,

somente o que às vantagens lhes convém,

a manter firme seu eleitoral reduto;

e o pior é que trocá-los pouco adiante!

Logo outro espertalhão bem fácil vem,

na exploração do eleitorado ignorante!

O PODER DA CIÊNCIA I – 2 MAIO 19

Hoje a ciência já desvendou também

Cada meandro de que provém a fala;

Qual a parte da mente que se cala,

Cada setor de que o falar nos vem.

Uma parte lê a escrita, mas não tem

O poder de interpretar-lhe a gala;

Outra o poder do raciocínio embala,

Sem a línguagem dominar, porém...

Muito sábia sempre foi a Natureza:

Só sobrevive quem tem a aptidão

De aproveitar a desejável mutação

E mesmo aquelas a aparentar vileza

Talvez nos tragam proveito no futuro,

Se necessárias contra um revés mais duro!

O PODER DA CIÊNCIA II

Hoje é possível, pela estimulação,

Desvendar a maioria dos setores,

De nosso cérebro a revelar teores

Que nos possam mostrar em ocasião;

A alguma mente dar comunicação,

Quando sofreu de um AVC fragores

Ou da criança que nasceu sem os pendores

Necessários à sua perfeita fonação.

E assim esse poder da fala dar

A quem de outro modo o não teria;

Nossa ciência já é quase uma magia.

Tanto milagre praticamente a realizar,

Muito mais que qualquer bruxo em fancaria

Ou que adivinho nos possa demonstrar.

O PODER DA CIÊNCIA III

Seu resultado muitas vezes não convém

A quem pretende todo o povo dominar;

Quem não deseja ver alguém pensar

Pela própria inteligência que ele tem;

Muito político prefere assim, também,

Sua opinião impor a quem quer o escutar,

Nazismo e comunismo tanto cérebro a lavar:

Obedecer mais fácil às idéias que provêm!

Mas não te iludas, criança! Quem te engana,

Seja por partido, futebol ou religião,

Deseja apenas se aproveitar de ti.

Para inserir em tua mente ideia insana,

Com que pretende te reduzir à escravidão

Dos pensamentos que espalha por aí!

O PODER DA COMUNICAÇÃO I – 3 MAIO 2019

Porém a fala é coisa em si maravilhosa!

Se não a houv esse, cada nova geração,

Recomeçar deveria ao rés do chão,

Perdida toda a experiência portentosa!

Deveria a escola mostrar-se dadivosa:

Tecnologia da derradeira criação,

Os avanços da ciência de antemão,

A transmitir-nos de maneira milagrosa!

Não só da fala a fazer a formação,

Da iniciativa, do poder de criticar,

Ideias próprias assim a garimpar,

Só escolhendo algum tesouro em ocasião

E não o ouro fácil de um arco-íris

Ou as promessas de um xamã ou algum Osíris!

O PODER DA COMUNICAÇÃO II

É na escola que se realiza a formação,

Ao distribuir-se um veraz conhecimento;

Cria o costume de identificar portento

Como objeto de natural explicação,

Assim combate qualquer mistificação,

Que te possa desvirtuar o pensamento,

Que não se force o original a detrimento

Sob o pretexto da socialização.

Foi por milênios o núcleo familiar

Que despertou os valores da criança,

Porém há gente cuja má intenção alcança

Destruir as lições vindas do lar...

Nem tanto à terra, também nem tanto ao mar,

Que se equilibrem os dois pratos na balança!

O PODER DA COMUNICAÇÃO III

Porque a ciência física e biológica

Não te diz que isto é só porque é,

Mas argumenta, embasada num sopé

De matemática e de experiência lógica.

É bem o oposto da fala demagógica

Que palavra te impõe, de ordem ou de fé;

Direita ou esquerda são obras de pagé,

Doutrinação malsã e hipnagógica.

Logo veremos a marcha das estrelas,

O esforço firme contra a poluição,

Não da ciência, mas fruto da ambição.

Ciência e fala são duas coisas belas

Para a verdade firmemente defender,

Mais do que tudo, qual será nosso dever.

William Lagos

Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br

Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com

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