Pegando o véi desprevenido

Na sua pre-adolescência e até mais adiante, Nacho foi do boró encerado, hiperativado. E isso pelo que se viu, se sabe e que foi testemunhado. Quase sempre deixando seus rastros espelhados e espalhados, sobretudo despois que ganhou sua bicicleta, que lhe possibilitou ampliar exponencialmente seu raio de ações.

Os cadernos e os compêndios ganharam segundo plano, até uma bomba explodir ao fim de um ano. E as turras com o pai iam se avolumando, cobranças nem sempre bem sucedidas, com a confiança falida.

Mas apesar de tudo - e da falta de estudo - Nacho tinha boa índole. Néscio às vezes, esperto noutras, ia construindo seu cabedal de confusões e algumas soluções.

Num de seus bons momentos com o severo mas justo pai, que então ia chuleando as barras de suas calças compridas, às quais tratava, pela parecença, por capinhas de espingardas, Nacho, sabedor do pendor do pai por adivinhações e perguntas, disparou:

- Papai, o que é capacidade?

- Ora, meu filho, é habilidade, é o que lhe falta para compreender o mundo, a necessidade de seriedade, de aplicação, de determinação...

- Nenão, pai, é o caso do povo da roça, que pra miorá a vida, sai de lá em vem cá pa cidade...

- O véio deu sua risada boa, e começou a entender a capacidade de seu estouvado caçula, que hoje, décadas após, endireitado, acaba de ser aposentado, advogado, desenhista e cinegrafista - além de motoqueiro dentro e fora da pista - benquisto por superiores e colegas no Centro Tecnológico da Aeronáutica, em São José dos Campos, a apenas algumas semanas de seus sessenta anos...e enquanto ainda existe a tal dignidade de se aposentar...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/10/2019
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