A escripota
No iniciozinho daqueles anos de sessenta, papai era mais frequente nas brincadeiras conosco, depois da janta e do terço. Mamãe só ia voltar da fapa ali pelas 22:15, então alguma recreação era de regra, antes do dever de casa e do cumprimento das obrigações domésticas de cada um.
E papai era pródigo nas alternativas, com adivinhações, charadas - ele é fã das novíssimas - e nalgum breve causo puxado sempre para o humor. Mas naquela noitinha singular sua proposição foi diferente. Mal chegara ele de seu turno da fapa e já foi logo passando um ditado para o mana maior, Latoya que por aquele tempo já "havera" de ser ginasiana, mas que não se pejava em desenhar ou escrever no papel de pão, aquele acinzentado claro.
- Escreve aí, Vitória:
- Omero da ofriota para quem fez a escripota...
E ela fez direitinho no tampo da mesa preta, com sua letra bonita e nós todos de pé à sua volta, curiosos que só nós mesmos. E aí veio a segunda parte, reveladora:
- Agora você corta todos os ÓS que encontrar na frase e leia de forma espevitada. E ela o fez, obediente:
- Mer da frita para quem fez a escripta...!
Rimo-nos com a engenhosidade daquela súbita e surpreendente transformação. Mas LaToya manteve-se séria e protestou:
- Mas papai não se escreve escripta, esse p não faz sentido...
Ao que papai explicitou:
- Mas era assim quando eu era menino, antes da reforma. E esse aí resistiu até depois da reforma. Além do mais escripota soa muito mais forte do que escriota, e você iria descobrir logo.
E pra merda ou pra sua fritura ninguém deu muita bola. Mas a escripota, essa não tinha jeito de esquecer...