Onde Mora a Sra. Felicidade?
(Ana, a Menina dos Olhos de Mel...)
Essa era a pergunta que martelava a cabecinha de Ana, a Menina dos Olhos de Mel. Entretanto, ela foi alertada pela mãe que as férias estavam, apenas, começando e havia muito tempo para pensar no assunto...
Era mês de junho. Ana residia na Capital, mas nas férias escolares viajava para a fazenda Águas Belas. Ela encantava-se com as brincadeiras das crianças nativas: subir em árvores, andar a cavalo, mergulhar no açude e até tomar leite quentinho no curral. Mas, será que teria coragem de participar daquelas aventuras? Bem, de quase todas, sim. Porém, ir cedinho ao curral beber o leite, tirado na hora, isso não era prá ela! Leite só depois de fervido e batido no liquidificador com frutas... Isso todos já sabiam!
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Manhã na Fazenda...
Depois de servido o café, numa imensa mesa, com lugares marcados, as crianças passavam a manhã livre, recheada de muita diversão... Comer escondido manga verde melecada de açúcar, não tinha preço! Sentar à sombra de uma árvore chupando manga e lambuzando-se que delícia! E os jambos? Ah, vermelhinhos por fora e branquinhos por dentro parecendo algodões de tão fofinhos! Frutas tiradas na hora era outra coisa: mais sabor, mais prazer e mais aventura!
A manhã findava-se e a garotada corria para o banho. Banho de chuveiro sim, mas fora de casa... Tinha um grande tablado de madeira escura, cercado de bambus e um chuveirão com água geladíssima. Esse ritual era sagrado e muito divertido! As roupas limpas, já aguardavam num banheiro ao lado: todo azulejado e com um espelho que se via o corpo inteiro, chamado de “quarto de vestir”. Nessa hora, fazia-se competição: a primeira a estar pronta tinha o direito de escolher a próxima brincadeira, logo após o descanso do almoço.
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Início da tarde...
O almoço servido, pontualmente, às 12:00 horas, tinha um cheiro indescritível e uma variedade pouco vista, no dia-a-dia, na casa de Ana. Comer tudo o que continha no prato era certeza de sobremesa, mas só quando os adultos terminassem de se servir. Hum... Os pratos do almoço eram substituídos pelos doces caseiros com queijos frescos; bolos de chocolate, laranja e inglês; sequilhos, broas e biscoitinhos amanteigados, além de pudim de leite condensado com bastante calda... Que bela tentação! Depois da comilança, o cafezinho era servido na sala principal, exceto para as crianças.
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As regras existentes na fazenda Águas Belas eram, geralmente, cumpridas. Infringí-las significava deixar de passear, na cidade mais próxima: ir a missa, ao cinema, a sorveteria; ou visitar amigos e parentes nas fazendas vizinhas.
E a criançada não queria perder!
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Almoço encerrado, a recomendação era o descanso, a hora da ‘sesta’. Nada de traquinagens fora de casa! As opções: deitar e tirar um cochilo ou ficar na varanda conversando até o sol esfriar. Aí, sim, a criançada podia brincar à vontade. A Menina dos Olhos de Mel, no entanto, nem cogitava a possibilidade de cochilar... Isso nem pensar! Sentava numa das cadeiras de balanço, na varanda, abria o livro de Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho, e o devorava! A ansiedade aumentava a cada episódio... Às vezes fechava o livro entre os dedinhos, marcando a página, e flutuava na imaginação...
Sentia-se a própria Narizinho e a fazenda, o Sítio do Pica-Pau Amarelo!
Imagem extraída do Google
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Isso tudo fazia a garotinha esquecer de uma tarefa importante: Onde morava a Sra. Felicidade ?
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Entre tantas diversões, a Menina dos Olhos de Mel adorava observar tudo o que se passava em volta do casarão! A fazenda Águas Belas era cortada por duas estradas asfaltadas e a casa-grande ficava no alto, estrategicamente localizada, de maneira a avistar todo o movimento, desde as estradas até o burburinho ao redor do curral. Os carros passavam, em alta velocidade; O gado ao amanhecer, atravessava a estrada indo ao pasto... Os vaqueiros, então, colocavam sinalizadores vermelhos no caminho, para que os carros não atropelassem os animais; À tardinha, ouvia-se a entoada dos vaqueiros a cavalo, retornando com o gado para o curral.
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Ao final da tarde, o banho não era tão gostoso... Nada de usar o chuveirão a céu aberto. A ‘frieza e o sereno fazem mal’, era o que as crianças escutavam... Elas se dividiam entre os três banheiros dentro da casa. Mesmo sem a folia externa, a garotada ficava encantada com o tamanho dos banheiros. Pareciam salas de tão grandes! Aproveitavam, então, para brincarem de ‘salão de beleza’. Cada garota penteava e enfeitava os cabelos para o jantar.
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As noites na Fazenda...
A Ave Maria, no rádio, era um momento de reflexão e o prenúncio para o jantar. Depois, todos sentavam à mesa saboreando a sopa quentíssima de feijão ou canja de galinha. As crianças ficavam tagarelando, esperando a sopa esfriar... Cuscuz, inhame, macaxeira, pé-de-moleque, batata doce, queijos, charque, carne guisada, leite, pães caseiros e outras tantas guloseimas sortiam a velha e escura mesa de jantar!
E o que fazer depois do jantar? Na sala de visitas a televisão era destaque, porém, muitas vezes, aparecia mais chuviscos do que as imagens! Os adultos, então, se revezavam a contar 'causos' entre as apresentações teatrais que as crianças improvisavam. Logo, logo o soninho encostava, a garotada ia deitar e os adultos ficavam jogando cartas e conversa fora...
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Fim das férias...
Os dias passavam rapidamente e as férias também. As brincadeiras eram muitas, mas a Menina dos Olhos de Mel precisava retornar à Escola e concentrar-se para responder: "Onde mora a Sra. Felicidade?"
Retornar as aulas também é bom - pensava a garota -, afinal depois de tantas aventuras na Fazenda era chegada a hora de conversar com as amigas para ouvir e contar as novidades!
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Alguns dias depois...
Silêncio na sala de aula. A professora recolheu os cadernos e chamou o primeiro aluno da lista de freqüência: “ANA, venha ler a sua redação!”
A Menina dos Olhos de Mel levantou-se com as mãos geladas e o coração acelerado, abriu o caderno e começou a ler...
‘Onde Mora a Sra. Felicidade?’
A Sra. Felicidade mora numa casinha no alto da serra, circundada por um jardim verdejante, cercas branquinhas e cancelas. Ao lado da casa tem uma árvore sombreando o balanço de madeira e cobrindo, com o seu manto, as frutas amadurecidas no chão. Logo abaixo, se ouve um barulhinho encantador... Na cabeceira do rio jorra água límpida, que desliza gelada, entre as pedras, formando uma pequena e linda cascata, como se fosse uma cachoeirinha particular.
As águas descem rio abaixo e a estradinha de barro testemunha a sua pressa. Já mais calmo e silencioso, o rio passa por debaixo da ponte de madeira, formando um belo contraste: a pureza e transparência da água com a truculência e aspereza das toras de aroeira.
O sol forte aparece e a casinha fica aquecida. Os pássaros nos galhos das árvores, embalados pelo vento, cantam ruidosamente. O dia termina com o sol, preguiçosamente, sumindo... Ou seria espertamente sumindo?
A lua surge tímida e, aos poucos, vai prateando todo o cenário bucólico. A Sra. Felicidade aguarda, ansiosamente, a família que irá morar ali e que vestirá a alegria, a simplicidade e a pureza do lugar.
Essa casinha está perdida no mapa... E só você poderá encontrá-la... Ah, e quando achá-la não esqueça de colocar uma placa: ‘Bem-vindos à Morada da Sra. Felicidade!'
(Ana – 5ª série - 1971)
A menina dos Olhos de Mel, Ana, fechou o caderno e sentou-se. A sua cabecinha fervilhava, fervilhava com tantas aventuras...
26.09.2007 (00:10)
(foto retirada do site www.eabitamambuca.com/pt/imoveis/Pafelix)
(Ana, a Menina dos Olhos de Mel...)
Essa era a pergunta que martelava a cabecinha de Ana, a Menina dos Olhos de Mel. Entretanto, ela foi alertada pela mãe que as férias estavam, apenas, começando e havia muito tempo para pensar no assunto...
Era mês de junho. Ana residia na Capital, mas nas férias escolares viajava para a fazenda Águas Belas. Ela encantava-se com as brincadeiras das crianças nativas: subir em árvores, andar a cavalo, mergulhar no açude e até tomar leite quentinho no curral. Mas, será que teria coragem de participar daquelas aventuras? Bem, de quase todas, sim. Porém, ir cedinho ao curral beber o leite, tirado na hora, isso não era prá ela! Leite só depois de fervido e batido no liquidificador com frutas... Isso todos já sabiam!
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Manhã na Fazenda...
Depois de servido o café, numa imensa mesa, com lugares marcados, as crianças passavam a manhã livre, recheada de muita diversão... Comer escondido manga verde melecada de açúcar, não tinha preço! Sentar à sombra de uma árvore chupando manga e lambuzando-se que delícia! E os jambos? Ah, vermelhinhos por fora e branquinhos por dentro parecendo algodões de tão fofinhos! Frutas tiradas na hora era outra coisa: mais sabor, mais prazer e mais aventura!
A manhã findava-se e a garotada corria para o banho. Banho de chuveiro sim, mas fora de casa... Tinha um grande tablado de madeira escura, cercado de bambus e um chuveirão com água geladíssima. Esse ritual era sagrado e muito divertido! As roupas limpas, já aguardavam num banheiro ao lado: todo azulejado e com um espelho que se via o corpo inteiro, chamado de “quarto de vestir”. Nessa hora, fazia-se competição: a primeira a estar pronta tinha o direito de escolher a próxima brincadeira, logo após o descanso do almoço.
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Início da tarde...
O almoço servido, pontualmente, às 12:00 horas, tinha um cheiro indescritível e uma variedade pouco vista, no dia-a-dia, na casa de Ana. Comer tudo o que continha no prato era certeza de sobremesa, mas só quando os adultos terminassem de se servir. Hum... Os pratos do almoço eram substituídos pelos doces caseiros com queijos frescos; bolos de chocolate, laranja e inglês; sequilhos, broas e biscoitinhos amanteigados, além de pudim de leite condensado com bastante calda... Que bela tentação! Depois da comilança, o cafezinho era servido na sala principal, exceto para as crianças.
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As regras existentes na fazenda Águas Belas eram, geralmente, cumpridas. Infringí-las significava deixar de passear, na cidade mais próxima: ir a missa, ao cinema, a sorveteria; ou visitar amigos e parentes nas fazendas vizinhas.
E a criançada não queria perder!
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Almoço encerrado, a recomendação era o descanso, a hora da ‘sesta’. Nada de traquinagens fora de casa! As opções: deitar e tirar um cochilo ou ficar na varanda conversando até o sol esfriar. Aí, sim, a criançada podia brincar à vontade. A Menina dos Olhos de Mel, no entanto, nem cogitava a possibilidade de cochilar... Isso nem pensar! Sentava numa das cadeiras de balanço, na varanda, abria o livro de Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho, e o devorava! A ansiedade aumentava a cada episódio... Às vezes fechava o livro entre os dedinhos, marcando a página, e flutuava na imaginação...
Sentia-se a própria Narizinho e a fazenda, o Sítio do Pica-Pau Amarelo!
Imagem extraída do Google
Isso tudo fazia a garotinha esquecer de uma tarefa importante: Onde morava a Sra. Felicidade ?
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Entre tantas diversões, a Menina dos Olhos de Mel adorava observar tudo o que se passava em volta do casarão! A fazenda Águas Belas era cortada por duas estradas asfaltadas e a casa-grande ficava no alto, estrategicamente localizada, de maneira a avistar todo o movimento, desde as estradas até o burburinho ao redor do curral. Os carros passavam, em alta velocidade; O gado ao amanhecer, atravessava a estrada indo ao pasto... Os vaqueiros, então, colocavam sinalizadores vermelhos no caminho, para que os carros não atropelassem os animais; À tardinha, ouvia-se a entoada dos vaqueiros a cavalo, retornando com o gado para o curral.
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Ao final da tarde, o banho não era tão gostoso... Nada de usar o chuveirão a céu aberto. A ‘frieza e o sereno fazem mal’, era o que as crianças escutavam... Elas se dividiam entre os três banheiros dentro da casa. Mesmo sem a folia externa, a garotada ficava encantada com o tamanho dos banheiros. Pareciam salas de tão grandes! Aproveitavam, então, para brincarem de ‘salão de beleza’. Cada garota penteava e enfeitava os cabelos para o jantar.
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As noites na Fazenda...
A Ave Maria, no rádio, era um momento de reflexão e o prenúncio para o jantar. Depois, todos sentavam à mesa saboreando a sopa quentíssima de feijão ou canja de galinha. As crianças ficavam tagarelando, esperando a sopa esfriar... Cuscuz, inhame, macaxeira, pé-de-moleque, batata doce, queijos, charque, carne guisada, leite, pães caseiros e outras tantas guloseimas sortiam a velha e escura mesa de jantar!
E o que fazer depois do jantar? Na sala de visitas a televisão era destaque, porém, muitas vezes, aparecia mais chuviscos do que as imagens! Os adultos, então, se revezavam a contar 'causos' entre as apresentações teatrais que as crianças improvisavam. Logo, logo o soninho encostava, a garotada ia deitar e os adultos ficavam jogando cartas e conversa fora...
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Fim das férias...
Os dias passavam rapidamente e as férias também. As brincadeiras eram muitas, mas a Menina dos Olhos de Mel precisava retornar à Escola e concentrar-se para responder: "Onde mora a Sra. Felicidade?"
Retornar as aulas também é bom - pensava a garota -, afinal depois de tantas aventuras na Fazenda era chegada a hora de conversar com as amigas para ouvir e contar as novidades!
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Alguns dias depois...
Silêncio na sala de aula. A professora recolheu os cadernos e chamou o primeiro aluno da lista de freqüência: “ANA, venha ler a sua redação!”
A Menina dos Olhos de Mel levantou-se com as mãos geladas e o coração acelerado, abriu o caderno e começou a ler...
‘Onde Mora a Sra. Felicidade?’
A Sra. Felicidade mora numa casinha no alto da serra, circundada por um jardim verdejante, cercas branquinhas e cancelas. Ao lado da casa tem uma árvore sombreando o balanço de madeira e cobrindo, com o seu manto, as frutas amadurecidas no chão. Logo abaixo, se ouve um barulhinho encantador... Na cabeceira do rio jorra água límpida, que desliza gelada, entre as pedras, formando uma pequena e linda cascata, como se fosse uma cachoeirinha particular.
As águas descem rio abaixo e a estradinha de barro testemunha a sua pressa. Já mais calmo e silencioso, o rio passa por debaixo da ponte de madeira, formando um belo contraste: a pureza e transparência da água com a truculência e aspereza das toras de aroeira.
O sol forte aparece e a casinha fica aquecida. Os pássaros nos galhos das árvores, embalados pelo vento, cantam ruidosamente. O dia termina com o sol, preguiçosamente, sumindo... Ou seria espertamente sumindo?
A lua surge tímida e, aos poucos, vai prateando todo o cenário bucólico. A Sra. Felicidade aguarda, ansiosamente, a família que irá morar ali e que vestirá a alegria, a simplicidade e a pureza do lugar.
Essa casinha está perdida no mapa... E só você poderá encontrá-la... Ah, e quando achá-la não esqueça de colocar uma placa: ‘Bem-vindos à Morada da Sra. Felicidade!'
(Ana – 5ª série - 1971)
A menina dos Olhos de Mel, Ana, fechou o caderno e sentou-se. A sua cabecinha fervilhava, fervilhava com tantas aventuras...
26.09.2007 (00:10)
(foto retirada do site www.eabitamambuca.com/pt/imoveis/Pafelix)