A fazenda Campo Grande ficou gravada nos anéis da memória de Corina, mas nem tudo que viu, viveu e aprendeu, veio das cercanias da fazenda, ou dos almanaques que lia. Aprendera com o marido que tinha uma sabedoria popular, e um baú de lendas e fatos com o matiz das cores do Brasil. A lenda da carimbamba, por exemplo, Corina achava que era invenção de Generoso. Ele contava que ninguém do sertão ou do mar, jamais viu a carimbamba. Só à noite se ouvia seu lamento triste, semelhante ao clangor da acauã, canglorando, canglorando, agourando morte na aldeia. Dizem que a carimbamba que há mil anos canta, tem cabeça de gente e asas que não voam e é igual em malvadeza ao Cabeça de Cuia que, “Sete Marias precisa tragar. Sete virgens comer pro encanto acabar...”
Foi assim: no cair da tarde, Maryula ouviu a carimbamba cantar: “amanhã eu vou... amanhã eu vou...amanhã eu vou... amanhã eu vou.” A menina adentrou a mata, e ao pisar no junco, a vegetação fronteira se abriu e a lagoa encantada apareceu. A pequena Maryula não voltou para casa e até hoje, corre o boato, que uma velha encurvada, grasna, em noites de lua cheia, na lagoa que não é mais encantada.
— A menina se transformou numa velhinha mesmo, vovó?
— Nunca se sabe. A velhinha faz parte da técnica utilizada pelo autor. Nas lendas e histórias infantis, as personagens não crescem, não envelhecem e não morrem. Até saem dos livros de ficção, e vão morar no mundo real.
— Conte mais uma história, vovó!
— Hoje não cabe mais. Durma, minha filha!
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"Amanhã eu vou"
https://www.youtube.com/watch?v=osyO4eA03hU