Mariana e a porção encantada
Em uma pequenina cidade do interior viviam dois grandes amigos, Mariana e Willie. Os dois eram companheiros inseparáveis. Iam juntos para a escola e na hora do recreio se encontravam para lanchar e conversar. À tardinha voltavam felizes, apostando corrida e atirando longe às pedras que encontravam pelos caminhos.
Até que um dia tudo mudou.
Em um sábado bem cedinho, Mariana foi até a casa de Willie. Era muito cedo mesmo! Os preguiçosos passarinhos nem haviam saído do ninho para se espreguiçarem.
Lolita, a sua cachorrinha de estimação, foi arrancada da cama a contragosto. Mariana lhe puxara a coberta e a pobrezinha não tivera outro jeito a não ser seguir a menina. Estava sonolenta e bocejava.
Quando chegaram à casa de Willie, Mariana foi logo gritando pelo amigo, mas quem apareceu na porta foi dona Olívia, sua mãe, e logo atrás dela vinha um médico com uma cara muito séria.
Dona Olívia estava muito preocupada, porque Willie amanhecera muito doente. Não havia comido nada desde a tarde anterior, nem as bolachas de chocolate que ele tanto apreciava ele quis comer. E olha que ele adorava estas bolachinhas. Nos piqueniques que ele e Mariana faziam nos finais de semana, as bolachas de chocolate não podiam faltar. Chegava a comer até três pacotes de uma só vez e para ele recusá-las só podia ser coisa muito séria.
O médico não conseguiu encontrar a causa da doença do menino e pediu a dona Olívia que levasse o pequeno Willie até o hospital para que outros especialistas o examinassem. Assim fez dona Olívia. Imediatamente foram para o hospital, para que a criança se curasse logo e voltasse para o convívio da família e as travessuras com os amigos.
A menina Mariana saiu triste e abatida da casa de Willie. Despediu-se do amigo e saiu pelas ruas do bairro chutando pedrinhas e muito pensativa. Lolita a seguia com o rabo entre as pernas. Também sentia falta do companheiro de aventuras de Mariana.
A cachorra adorava apostar corrida com o menino. Ela sempre ganhava, é claro. Mas às vezes ela se distraía com o delicioso frango assado da padaria e Willie se aproveitava da ocasião e passava como um raio em sua frente. Isso só de vez em quando, pois Lolita era muito esperta.
A menina ficou muito apreensiva porque ao dar o último adeus para Willie, notou que ele estava chorando e lágrimas desconcertavam Mariana. Ela não suportava ver ninguém sofrendo. Entristecia-se com as lágrimas dos outros e quanto mais estas, que vinham dos olhos de seu melhor amigo.
Os dias se passavam.
Mariana ia todos os dias á casa de Willie para saber notícias suas. Porém as notícias não eram nada animadoras. Dona Olívia nunca estava em casa, passava dias e noites ao lado do filho no hospital. Quem lhe dava as notícias era o senhor Paulo, o pai de Willie, que tentava passar para a menina, um otimismo que estava longe de sentir.
Passaram se muitos dias. Mariana visitou o amiguinho algumas vezes no hospital. Ela não podia vê-lo porque era muito nova e era proibida de entrar no quarto, mas sua mãe sempre lhe descrevia o estado de saúde de seu amigo.
Na realidade, Willie definhava, e os médicos não conseguiam encontrar a causa da doença do menino. Seu estado foi se agravando cada vez mais, a ponto dos médicos decidirem que seria melhor dona Olívia levá-lo de volta para casa. Estando junto à família e seus amigos, seu fim seria menos doloroso do que vegetando num leito de hospital.
Enquanto isso, Mariana decidiu que teria de fazer algo para ajudar seu melhor amigo. Ela tinha de salvar Willie. Ela não podia deixá-lo morrer assim tão jovem e não queria ficar sem o companheiro de travessuras.
Algumas semanas antes haviam chegado à cidade um acampamento de ciganos. Diziam que entre os ciganos, havia uma velha que tinha poderes mágicos. Muita gente tinha medo dela, falavam que a tal cigana era uma bruxa. O que as pessoas não sabiam era que Valentina, a cigana, era uma mulher muito sábia. Em seus feitiços, ela usava somente os recursos oferecidos pela natureza. Seus poderes eram usados somente para o bem e nunca para o mal. Os ciganos sempre que necessitavam de ajuda iam até ela em busca de suas sábias porções mágicas. Seus milagrosos chás, além de deliciosos, curavam os pequenos ciganos e os adultos também.
Mariana ao ficar sabendo dos poderes da cigana Valentina resolveu procurá-la sem demora. Pegou sua velha bicicleta. Assoviou para Lolita e seguiram para o acampamento dos ciganos.
Lá chegando foram levadas até a carroça onde morava a velha senhora. Mariana timidamente se aproximou de Valentina. A cigana percebeu a tristeza nos olhos da menina e a perguntou o que a trazia ali.
A menina sem conseguir segurar as lágrimas contou-lhe a triste história sobre a doença misteriosa de Willie. A cigana ouviu tudo atentamente.
Depois que terminou de contar toda história, a menina pegou nas mãos enrugadas da cigana Valentina e lhe implorou que ela a ajudasse. A cigana era sua última esperança.
Valentina, em silêncio, saiu da carroça e foi até um riacho próximo. Mariana lhe observava à distância. A cigana rezava com as mãos postas para o céu. De repente, a menina viu pousar no ombro da cigana um lindo pássaro azul. Pareceu à Mariana que o pássaro sussurrava alguma coisa no ouvido de Valentina.
De longe, a velha cigana parecia uma fada. Estranhamente iluminada pela luz do sol que brilhava no azul do céu. Passado este momento mágico, Valentina retornou à carroça e disse à menina que já tinha a resposta que Mariana tanto precisava. E foi logo dizendo:
_ Na próxima sexta feira, você deverá fazer um chá de flores de laranjeiras adoçado com gotas de mel. Esta porção deve ser preparada em uma panela de barro. Quando o chá estiver pronto, você deverá pegar a panela e ir até a lagoa dos cisnes. Conforme me contou o pássaro azul, haverá uma forte tempestade nessa sexta feira à tarde. E tão logo surja o arco-íris, suas fitas coloridas deverão cair no lago. Mas, antes que as fitas desapareçam na água, você deverá apanhar em sua panelinha algumas destas fitas. Feito isso, seu chá se tornará encantado, pois os duendes da alegria que habitam o arco-íris transformarão o chá de laranjeiras em uma porção mágica.
Mariana beijou o rosto da cigana e lhe agradeceu com muita sinceridade. Foi para a casa rapidamente para providenciar os ingredientes para o chá. Deixou tudo preparado para o grande dia. Willie não podia esperar mais tempo.
Enfim chegou sexta feira. Mariana estava ansiosa. A vida de Willie dependia deste feitiço e a porção encantada não podia falhar. Mariana preparou o chá, pegou a panela de barro e partiu com Lolita para o lago. Apertou com firmeza a panelinha junto ao peito. Seu coração batia forte e descontrolado. Lolita, para acalmá-la, começou a lamber suas pernas, mas a menina lhe deu um leve pontapé no rabo.
E se o chá entornasse?
Era melhor Lolita parar com essas gracinhas. A cachorrinha se afastou sentida, mas não levou a sério, porque sabia que sua dona estava muito apreensiva. Mariana era sempre muito carinhosa com ela, e num instante, a cachorrinha a perdoou.
Pouco depois uma tempestade desabou sobre o lago, justamente como havia contado o pássaro azul. Mariana e Lolita se esconderam embaixo de um velho quiosque, que ficava à margem do lago. Alguns velhos cisnes se juntaram a elas, não estavam com vontade de se ensoparem. Já os mais jovens aproveitavam a deliciosa chuva. Mergulhavam seus longos pescoços na água e depois sacudiam suas asas, jogando água para todos os lados. Os lírios selvagens agradeciam, balançando-se com o vento. Já Lolita e Mariana não acharam tanta graça no espetáculo. Estavam molhadas feito pintinhos.
De repente a chuva parou. Lolita mordeu na canela de Mariana, chamando a atenção para arco-íris que começou a despontar no céu. A menina, sem demora, aproximou-se da beira do lago. As fitas coloridas do arco-íris calmamente foram caindo na água, mas antes que elas pudessem sumir de vez, Mariana esticou seus pequenos braços e colocou a panelinha bem debaixo delas. A menina ficou encantada com o que viu. Centenas de homenzinhos coloridos brincavam felizes entre as fitas do arco-íris, fazendo dele um imenso escorregador.
Alguns destes homenzinhos, atraídos pelo cheiro doce das flores, mergulharam na pequena panela de barro. Eles ficaram nadando no chá de Mariana, que agora certamente já estava encantado.
O arco-íris, após alguns minutos, desapareceu, morrendo nas águas turbulentas do lago. A chuva cessou e os velhos cisnes voltaram a nadar. Mariana e Lolita, radiantes de felicidades, voltaram para casa. Elas mal podiam esperar para entornar a porção mágica entre os lábios de Willie e fazê-lo viver novamente. Mas tão felizes e distraídas estavam, que Mariana não viu a sua frente uma grande pedra que estava bem no meio do caminho.
Foi um tropeço só!
Mariana caiu no chão com a panela e tudo. E o que jamais poderia acontecer. Aconteceu. A panela de barro se transformou em caquinhos e a porção mágica foi tragada pelas entranhas da terra. Junto com as lágrimas da menina.
De repente, estava tudo acabado!
Infeliz, ela chegou em casa. Aguardando a triste notícia que não tardaria a chegar. Foi direto para o seu quarto e chorou. Ficaria para sempre sem seu amigo de aventuras. Estava só e nada mais lhe restava fazer!
Na manhã seguinte ela ouviu gritos e batidas na porta. Mas não estava com vontade de conversar com ninguém. Com certeza era a sua mãe, querendo saber onde ela e Lolita estavam na hora da tempestade. E falando sem parar, que elas iriam apanhar um resfriado e coisa e tal.
Decidiu então não abrir a porta. Mas as batidas foram ficando cada vez mais insistentes e não teve outro jeito a não ser se levantar e destrancar a porta.
Mas, ao dar de cara com Willie todo sorridente e corado. Ela se assustou, achando que era um fantasma. Não podia ser Willie! Willie já havia sido desenganado pelos médicos!
Mas era mesmo o seu amigo! Parecia que o garoto acabava de sair de um sono profundo e que nada havia lhe acontecido. Willie estava bem ali na sua frente, sorrindo e chamando-a para brincar. Como sempre fazia todos os dias.
Mariana saiu em silêncio ao lado de Willie, que falava sem parar, igual a um papagaio de pirata.
De repente ele parou de falar e olhou sério para Mariana. Fitou bem em seus olhos e falou:
_Esta noite tive um sonho muito estranho. Sonhei que estava muito doente e que você foi atrás do arco-íris à procura de uma porção encantada para me salvar. Quando você finalmente obteve a fórmula mágica e voltava ao meu encontro, ansiosa do jeito que estava você tropeçou e a panela foi ao chão se partindo em mil pedaços. Um duende, que havia se perdido do arco íris, viu você chorando e ficou com muita pena. Então ele foi até onde os cacos da panela estavam espalhados, pegou um deles e o levou até os seus olhos que choravam por mim. Ele colheu algumas de suas lágrimas que caíam e as jogou em meus lábios. Mas a porção não tinha gosto de lágrimas. Era doce e perfumada como um chá de flores de laranjeira. De repente eu acordei morrendo de vontade de te ver e brincar com você. A mamãe nem sabe que estou aqui. Tão logo acordei vim correndo te contar meu sonho maluco.
Mariana escutou tudo o que Willie lhe contou e suspirou dizendo:
_Ah se você soubesse que seu sonho não é tão maluco assim!
E continuou:
_ Também tenho uma história para te contar. Mas primeiro vamos até dona Olívia lhe dar a boa notícia. E já que agora você tem todo o tempo do mundo, quero que você conheça uma pessoa muito especial!
_É alguma gatinha nova no bairro?
_ Não! É uma fadinha chamada Valentina. Você vai adorá-la.
Mas isso fica para uma próxima história.
Síria Malta
Fim