A história do urso bravo

A HISTÓRIO DO URSO BRAVO

Quando meu sobrinho Marcelo era pequeno, era uma criança muito ativa e, para faze-lo dormir, o truque era contar histórias. A atenção dele ficava toda na narrativa e, aos poucos, o sono chegava e ele começava a pestanejar. A história tinha que ser diferente porque, no fim de certo tempo, ele decorava e não adormecia. Eu lhe contara todos os contos infantis: chapeuzinho vermelho, cinderela, a bela adormecida, etc.. A primeira, falando de lobo mau, o impressionava e havia dias inteiros que ele só dizia esta palavra. Meu cunhado achou melhor que contássemos coisas mais leves. Mas é engraçado como, as histórias para criança, são violentas e, o que é feito para desenvolver a sua imaginação, às vezes, ficam impressas de forma negativas e causam mais mal do que bem. Lembro-me de um dia especial em que ele estava muito ativo e era um custo para mantê-lo deitado. Prometeu-me que me obedeceria se eu contasse uma história diferente. Fui apanhada desprevenida e divaguei meus olhos pelo quarto na penumbra, até que meus olhos se fixaram num tapete, onde havia a imagem de um enorme urso branco. Perguntei-lhe se conhecia a história do urso bravo. Ele respondeu, é claro, que não; eu a iria inventar, a partir da imagem que via.

Comecei dizendo: “Era uma vez uma floresta encantada, onde todos os bichos eram amigos, menos um enorme urso bravo. Ele tinha uma carranca fechada e não respondia aos cumprimentos dos outros animais. Nem bom dia, nem boa tarde e, muito menos, boa noite. Um dia os caçadores de animais, que eram levados para o zoológico, fizeram uma armadilha para pegar algum. Eles tinham uma encomenda para o Zôo de Amsterdam. Queriam um animal de grande porte, não importava qual, contanto que fosse selvagem e grande. Cavaram um enorme buraco e o cobriram com galhos secos e, por cima, um pedaço de lona coberta com folhas. Ficava no meio de uma trilha na floresta, próximo de um rio, onde os animais matavam a sede. Certamente alguém cairia e ficaria preso porque o buraco era bem fundo e ele não conseguiria subir. Se fosse um bicho pequeno os galhos não se quebrariam; só com os pesados. Fizeram isto durante a noite quando todos estavam dormindo, menos a coruja, que viu e contou para os amigos. Disse-lhes que, quando fossem beber água, desviassem daquela trilha. Assim o leão, o tigre, o elefante, os maiores do lugar, fizeram. Como o urso era muito bravo e não conversava com ninguém, sempre de mau humor e rugindo, não ficou sabendo do perigo e, assim que teve sede, se encaminhou para o rio como sempre fez. O seu peso era muito, os galhos não resistiram e ele caiu lá no fundo do buracão. Machucou-se e começou a chorar. Os outros bichos foram chegando, ainda com medo; mas, quando viam que o urso nada podia fazer contra eles, ficaram ao redor por curiosidade, para saber o que faria o zangado para se safar desta armadilha. Ele se machucara bastante na queda e as feridas começaram a sangrar. Isto sem falar na perna que se quebrara e doía muito. Os soluços do urso comoveram os animais. Perguntaram a ele se ele ficaria manso e bonzinho, se eles arrumassem uma forma de tirá-lo do buraco. Ainda fungando ele achou que seria melhor fazer qualquer promessa, para ter logo um tratamento e uns curativos nas feridas. Mesmo porque, os caçadores não demorariam e seria tarde para qualquer ajuda ao companheiro que, embora bravo, também era um dos moradores daquela floresta. Organizaram um plano: cortariam os cipós que estavam dependurados nas árvores mais altas. Para isto os macacos foram chamados e subiram lá em cima e iam cortando os mais grossos e resistentes. Levavam para uma clareira onde a raposa, que era a mais esperta do grupo, ensinava aos miquinhos como tecer os cipós, para fazer espessas cordas. A seguir convocaram os irmãos elefantes e explicaram a eles a tarefa que lhes caberia. Eles eram os mais fortes da flores; no princípio, se negaram porque tinham medo do urso bravo, que sempre rugia e ameaçava-os, quando os encontrava. Mas o leão, que era o rei da selva, garantiu que isto não iria acontecer. Eles confiavam no líder e concordaram. Trouxeram as cordas e cada elefante segurou com a tromba numa das pontas e jogaram as outras extremidades para o buraco. Explicaram ao urso como se prender nas duas cordas. Ele obedeceu sem dizer uma palavra ou fazer um rugido. Antes de começarem a puxar o leão mais uma vez foi até à beirada do buraco e perguntou ao urso: ‘Você promete mesmo que agora vai ser bonzinho?’ ‘Prometo’, garantiu o ferido, do fundo do seu cativeiro. O leão deu a ordem: ‘Vamos elefantes poderosos e fortes, tirem este companheiro da sua cova!’ O urso era muito pesado e os elefantes tiveram dificuldade de movê-lo. Mas, aos pouquinhos, ele foi sendo levado para mais perto da parede do buraco. Aí foi necessário mais força para elevá-lo do fundo e, os elefantes suados, disseram: ‘Não vamos conseguir sozinhos; precisamos de mais ajuda’. Mandaram que o urso se sentasse no fundo, enquanto decidiam como fariam. Trouxeram mais outros pedaços de cordas que foram sendo jogadas para dento do buraco e, instruíam o urso, como ir se amarrando, para que todos da floresta puxassem ao mesmo tempo. O urso obediente foi fazendo o que mandaram e ficou amarrado por todos os lados. Debaixo dos braços, nos pés, nas patas, nos joelhos. Parecia mais uma múmia do que um urso. Isto seria bom na hora em que ele saísse do buraco porque, assim todo amarrado, não poderia fazer nada contra os que o ajudaram. Apesar das promessas do urso, os bichos não acreditavam que ele se tinha regenerado. Voltaram à tarefa de suspendê-lo do fundo. O leão comandava a tropa: ‘Um, dois, três e já’! Todos se esforçavam. Os pássaros sobrevoavam o local orientando se eles deviam se mover para a direita ou para a esquerda. Devagarinho, aos poucos, com muito esforço, a distância entre a traseira do urso e o chão foi aumentando até que ele chegou na beirada e saiu do buraco. Antes de desamarrá-lo para o tratamento, o leão ainda perguntou: ’Você jura mesmo que não vai ficar bravo’. ‘Juro, pela minha mãe, que nunca mais, na minha vida, vou ficar bravo. Vou ser o melhor animal desta floresta; o mais manso de dócil’. Só então os macacos, que eram os mais habilidosos, se aproximaram e começaram a desfazer os nós e a soltar o urso. Ele ainda sentia muitas dores, para continuar a conversa. Fizeram uma tala, com dois troncos e amarraram com as cordas a perna quebrada. Capenga, ele foi andando mas, como sua casa era longe do lugar, o leão propôs que ele fosse para a casa dele, onde sua mãe lhe faria um curativo nas feridas. A leoa, quando viu o urso bravo chegando com o filho, ficou muito assustada, mas foi logo tranqüilizada por todos os animais que haviam ajudado a resgatar o cativo. Ela fez um mingau curativo com ervas e foi colocando nas feridas e enrolando com gaze. O focinho todo ralado tinha que ter iodo passado e isto ia arder um pouco; que ele fosse valente e agüentasse a dor. Assim disse e assim fez: passou o medicamento para desinfetar. O urso choramingou, mas agüentou firme. Depois que o doente foi tratado a leoa preparou um prato de comida. Disse-lhe que naquela noite ele deveria dormir ali, para que ela pudesse trocar as compressas. O urso respondeu que a mãe dele iria ficar preocupada com a ausência do filho. A arara disse que se acalmasse que ela iria até a casa dele e daria a notícia para sua mãe e, se ela quisesse, ensinaria o caminho para a casa do leão. Depois de tudo resolvido, cada um foi para casa dormir. No dia seguinte, o coelho, que era o mais medroso, mas também o que tivera mais pena do urso, resolveu visitá-lo. Entrou no quarto e perguntou: ‘E aí, urso bravo, como você está hoje?’ ‘ Uuuu! Grrrrr!’ fez o urso. O coelho começou a correr, com o susto, quando ainda ouviu a gargalhada do urso. É brincadeira, disse ele. O coelho voltou e, embora de tamanhos tão diferentes, se abraçaram e ficaram amigos para sempre. O urso regenerado brincava com todos mas, de vez em quando, para não perder o hábito de tanto tempo, ainda fazia: Uuuuuu! Grrrrr! Esta foi a história do urso bravo que caiu no buraco.”

Quando olhei para o Marcelo ele estava de olhos fechados e ressonava serenamente.

Gilda Porto
Enviado por Gilda Porto em 15/09/2007
Código do texto: T653493
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