Dona Mansinha
Ninguém dava muito por Dona Mansinha. A não ser na hora do recreio, quando os meninos da "Caixa Escolar" lançavam-lhe o olhar suplicante e o prato de alumínio ou a caneca esmaltada vazios, luzidios e vadios, como os seus estômagos. Mas tudo na perfeita ordem, em fila, senão mais pesado que a fome, vinha, nada amigo, o castigo.
Dona Mansinha, pretinha, magrinha, chupadinha, governava naqueles instantes. Do porão, pois não. A outra servente, branquinha e crente, a Tunica, também a colher metia, mas Mansinha, comandante, é que tudo geria.
Meninos da Caixa, que tinham acesso à sopa ou ao leite de Mansinha eram maiormente os mais necessitados, órfãos, filhos de pais desempregados e outros babados; doutra forma uma caneca de leite quente, açucarado, saía por um Tamandaré, um cruzeiro que foi e que pra mim ainda é. Ah, como aquela notinha azul clara a fome me amansara. E pela mão de Dona Mansinha.
Quando voltei a revê-la, uns vinte anos depois, sendo homenageada numa quermesse no adro da igreja de São Francisco, não muito longe do grupo escolar de que se aposentara, alvinha, alvinha, já ia sua cabeleira de paineira, e como sempre, curtinha. A boca mais murcha, o rosto mais crestado, e sem se meter com a concha, plácida, quietinha, Dona Mansinha. Não me reconheceu, freguês doutrora que lhe fui eu.
Quiçá infiel por haver uma só vez provado daquele leite com mel.