Papaceia...

Não sei se sonhei naquela noite. Mas pouco importa,

valeu pelo embalo. Verdade foi que fiquei excitado com

a gentileza de Tia Isabel em me botar na cama e,

atendendo pedido meu, levar-me o café-com-leite e um

pedaço de pão sovado, para que eu não dormisse com a

barriga vazia.

Costumeiramente era tia Justiniana que ficava conosco

nas noitinhas, quando coincidia de papai e mamãe

estarem digladiando com os teares da fábrica. Ela era

paciente no trato e boa para contar casos, que se iam

juntando como os retalhos de uma colcha interminável.

Já tia Isabel, mais sisuda, temperava o pouco traquejo

e molejo com algum esbravejo. Daí, aquela minha

surpresa em receber na cama o café, que valia mais que

um cafuné.

Só uma coisa me deixou no entanto, meio encabulado. E

não foi a certeza de não ter que escovar os dentes

após aquela `quase-ceia de alcova`(imagino que mamãe,

lendo isso agora, ainda me puxe as orelhas), mas sim a

recomendação que Tia Isabel fez, ao me passar aquele

ágape, contido na caneca esmaltada e no pedaço de pão:

- Quando terminar de beber o seu café, não precisa me

chamar. Bote a caneca debaixo da cama, e vá dormir.

Guardei aquele conselho, mas logo me assaltou uma

dúvida, que quase me fez chamar de a tia de volta para

me esclarecer: tá bem, quando terminar, deixo a caneca

debaixo da cama, mas e o pão, onde o boto?

Não cheguei a chamá-la. A caneca sei bem onde a meti,

mas e o pão sovado, tão macio, tão docinho...que o comi!

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 10/12/2018
Código do texto: T6523525
Classificação de conteúdo: seguro