A compoteira

No mais das vezes vazia é que ela vivia, mas como a imaginação da gente enchia: tali sobre a mesa dona compoteira, essa ilustre e solteira companheira.

Fazia parte duma geração de assemelhados que possivelmente foram presentes de bodas de meus pais, ou aquisições iniciais, para melhor compor o matrimônio, e o guarda-louça: dois conjuntos de licoreira, uma azulada, angular, outra mais rotunda, meio rosée, garrafas feito galinhas com os seis calicizinhos feito pintainhos, à volta de cada uma; havia também o buiãozinho, com sua tampinha, solitário, mas que gracinha, quase um sacrário.

A compoteira, no entanto, é a que mais paixão sugeria, delicadezas a riviria, ainda que vazia. Feita feito um cálice bem aberto, azulado, cristal, ou vidro decerto, mas o nome, o formato, que deleitoso prato. Rara a vez que parava ali um cacho de uva, que vinha do quintal, ou umas maçãs argentinas, daquelas perfumadas manzanas del Río Negro, tanta era a cobiça da criançada à sua volta.

Mas a compota de frutas, a delícia das delícias, quase nunca mamãe tinha tempo ou como fazê-la - e também, para quê se o quintal, pródigo, insistia em produzir tanta fruta fresca, uma compota, que coisa mais idiota. Ou só lorota?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 03/12/2018
Reeditado em 29/09/2023
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