Autobiografia:memórias de um acadêmico leitor
As histórias sempre fizeram parte de mim. As noitinhas sentávamos sobre a acimentada calçada do rol que dava de frente pro caminho e ouvíamos as mais diversas histórias, eram causos, sobretudo de assombração que meus bisavós contaram pra meus avós,meus avós contaram pra meus pais e que eles agora contavam para nós.
De tudo que causasse medo ouvíamos ali. Era a história do tio Arisvaldo que foi enganado pelo saci, a do lobisomem que subiu na garupa da monark do tio Juca enquanto vinha da casa da namorada numa noite de quaresma, a da finada Laíde que apareceu pro viúvo marido enquanto dormia, e outras trocentas histórias que nos entretiam,já que não tínhamos televisão.
Depois dos cabelos estarem em pé,entravamos pra dentro de casa,acendíamos o candeeiro(pois não tinha energia elétrica),e deitávamos pra dormir,embrulhados de cabeça aos pés.
As únicas musiquinhas de ninar que ouvíamos eram o roncos dos outros irmãos que ao lado dormiam,e as pisaduras dos ratos juntamente com o andar dos catendes que pelo telhado passeavam.De saber meus pais até sabiam,tipo aquela do “dorme nenê que a cuca vai pegar”,mas não havia tanta cuca assim,já que éramos oito.
Lembro-me que junto ao telhado sobre uma tábua de guarda-roupa antigo segurado por arame farpado havia na faixa de uns cinquenta livros que mais parecia uma enciclopédia de tão grossos que eram,pelo qual pertenciam aos meus dois irmãos que cursavam o ensino médio numa escola agrotécnica da cidade.Além daqueles,jogados no canto da varanda haviam os finos,estes eram os que eu sempre pegava para rabiscar enigmáticos traços ,que pra mim significavam letras,lembro-me que era do meu segundo irmão,que cursava o prezinho,hoje a chamada alfabetização.
Cada coisa que eu via pela casa e tivesse uma palavra era motivo para ler,embora ainda não soubesse nem ao menos a letra A.Certa vez,enquanto minha mãe lavava,encostei-me no jirau e ao avistar uma caixa de sabão em pó,peguei e soletrei as azuladas letras que haviam sobre aquela embalagem:agá-ó-mê-é,mê,.O tempo passou,comecei a descobrir os enigmas do alfabeto e foi aí que percebi que sem pré estive errado,pois a palavra azulada da caixa de sabão em pó era OMO,e não,HOMEM.Foi aí o meu verdadeiro contato com a leitura,e embora ninguém me incentivasse,percebi que era o mínimo que podia fazer em primeiro momento para alegrar meus pais,que não eram escolarizados.
Lembro-me de umas revistinhas de uma campanha,de combate a fome,com a série do Sítio do Pica-pau amarelo,eram histórias em quadrinhos.Eu ia juntamente com meus dois irmãos pra escola,mesmo sem estar matriculado e ganhava essas revistinhas,ah,ali era o meu passatempo.Emília,Narizinho,Rabicó,a cuca,e muitos outros personagens de Lobato foram os meus maiores professores da leitura.
A partir desse momento aprendi a gostar ainda mais,de como dizem,viajar sobre a leitura.
Julgar o livro pela capa era a maior contradição pra mim,pois os melhores livros que li foram os que tinha uma capa personalizada e colorida que me chamava a atenção,e como não havia ninguém pra ler comigo,viajava sozinho mesmo.
Sempre li em casa,mas foi mesmo quando fui para o ensino fundamental que me apaixonei novamente por livros,desta vez não por prazer,mas por obrigação,parece meio contraditório dizer que a paixão é algo obrigado não é?Mas foi isso mesmo.Apresentar seminários,construir diário de bordo,tudo isso era um imã que me atraía à biblioteca da escola,lá passava horas e horas lendo e procurando algo que me fizesse ler coisas necessárias de fato,outras vezes,chegava a pegar livro emprestado e não devolver só para ter o prazer de tê-lo comigo,não,não era roubo,ou seria eu um gatuno de conhecimentos?
Ao ir para o ensino médio havia perdido o amor pelos livros,mas reacendi as chamas da leitura ao frequentar a biblioteca municipal.Nas aulas vagas,enquantos muitos iam namorar às escondidas,ia eu namorar aos livros.Lembro me que quando chegava à porta,todos sabuiam que ler e pegar livros emprestados,mas desta vez os devolvia.Por vez pegava três tipos tipos de obra(uma pequena quantidade pra quem queria ler dez),não podia faltar de autoestima(neste Augusto Cury era o principal),de literatura brasileira(Machado de Assis,José de Alencar,Lima Barreto e outros),e evangélicos(conselhos aos Jovens e demais obras da escritora norte-americana Ellen G.White).