Contador de história

Certo dia... lá nas ribanceiras tortuosas da fazenda do Bananal, o menino Zezinho ouviu uma história que o deixou com a pulga atrás da orelha. Contaram para ele que depois do morro, que fica na parte de trás da propriedade, tem um animal muito estranho. A pessoa que fez a narrativa não sabia ao certo que bicho era. Apenas contou que o viu em um dia de lua cheia e que ficou impressionada com o seu tamanho e esquisitice.

Zezinho passou dias e dias com aquela ladainha batucando em sua cabeça. Não parava de pensar no que poderia fazer para ir lá conhecer o tal bicho. Fez mil planos mirabolantes, mas nenhum lhe pareceu adequado para a ocasião. Sempre achava que faltava um detalhe precioso, sem o qual botaria tudo a perder. Até que um dia, ele resolveu perguntar para um tal de Capitão do Mato se ele tinha conhecimento daquela história mal contada.

Capitão do Mato passou as mãos pela barba grisalha e bem cuidada, pensou por um minuto, fez cara de sabido, quando começou a tagarelar sem parar:

__ Sim, quando eu era da sua idade, lá na minha cidade natal, ouvi muitas histórias compridas, mas esta foi a mais encantadora de todas. Nunca me esqueci do dia em que ela me foi contada, em prosa e versos. Quem me contou disse que era para eu guardá-la como um segredo e que não deveria contar pra ninguém como foi que fiquei sabendo dessa preciosidade tão fascinante. Mas eu vou lhe contar, preste atenção!

E continuou na sua falação.

__ Ouvi da boca de um garoto que passou lá na rua de minha casa, como quem não queria nada. Na verdade, nem sei o seu nome. Acho que nem o reconheceria mais. Ele sumiu no final da rua como se fosse um fantasminha, quase invisível.

Mais um vez, passando as mãos na barba.

__ Pois é, o segredo de infância daquele corisco vai ser revelado! Acho que agora posso lhe contar nos mínimos detalhes. Espero que não fique com medo.

__ Prometo que não vou ficar, pode contar tudinho.

O velho Capitão do Mato olhou para o lado direito, depois para o esquerdo, fez de conta que havia engasgado, para em seguida começar a história. Mas ao invés disso, com um graveto começou a rabiscar no chão o que seria a carcaça do misterioso ser. E foi descrevendo como deveria-se fazer para encontrar o dito cujo.

__ Primeiro, você tem que escolher uma noite bem escura, nada de lua cheia! É preciso andar contra o vento para que o bichano não sinta o seu cheiro. Além disso, na escuridão é mais fácil ludibriar o bicho. Tente imitar um tigre, vá se aproximando bem devagarinho, se possível engatinhando, o barulho pode assustar o danado sem que você chegue muito perto. Respire bem devagar, sem afobação ou medo. Além desses cuidados todos é importante que leve uma boa lanterna. Quando chegar bem próximo, acenda a luz que é pra você ver realmente o tamanho da encrenca e, lembre-se que tudo pode acontecer!

__ E se se eu esquecer de alguma dessas recomendações?!

__ Não faz mal. O importante é que não tenha medo. O medo nos deixa em apuros.

__ Beleza! Vou fazer tudo direitinho, pode deixar. Mas você não disse como é que é o tal bicho.

__ Não preciso dizer, você já deve estar sabendo de tudo. O enigma é o melhor da história.

Zezinho saiu daquela conversa todo confiante. Parecia forte como um touro. Passou dias esperando por uma noite que fosse bem escura. Queria seguir a risca o que foi combinado com o amigo Capitão do Mato. Só pensava no que faria quando desse de cara com o enigmático mostrengo. Não passava por sua cabeça qualquer motivo que o levasse a voltar atrás. Preparou sua mochila sem esquecer a lanterna. Ele sabia que a luz forte nos olhos do bichano o assustaria muito, pois todos os animais das florestas ficam temporariamente cegos com a claridade. Este truque lhe dava uma pequena vantagem, ou seja, ele veria o tal bicho, mas o bicho não o veria.

Até que a tão esperada noite chegou, radiante e escura. Uma escuridão de dar arrepios em qualquer criança. Até mesmo nas maiores, aquelas que se acham corajosas e valentes.

Zezinho saiu sorrateiro de sua casa rumo ao habitat daquele animal misterioso e quase fantasmagórico. Chegou ao local animadíssimo e cheio de artimanhas para o delicado confronto. Caminhou por alguns minutos até que não viu mais nada à sua frente. Marchou a passos firmes e fortes contra o vento, para que o animal não sentisse o seu cheiro e para que pudesse apanhar o inimigo despreparado e sem poder de reação. Seguiu por meia hora e nada de nada, parecia que naquela noite nada aconteceria. Quando já estava quase desanimando, ouviu um ruído bem próximo de onde se escondeu. Quieto, lembrou das palavras do Capitão do Mato que diziam que era preciso muita cautela, não fazer qualquer barulho, pois o menor descuido poderia espantar a presa. Mas, infelizmente, ele pisou em um galho seco. Aí, não teve jeito! No susto acendeu a lanterna. E... lá estava ela, a Mula sem Cabeça... estava a cinco metros de distância. Foi como se saísse de dentro de uma caverna enorme. Do seu pescoço jorravam jatos de fogo. Só que levou um susto tão grande com aquela luz, que saiu correndo feito uma vaca maluca!

Sorte do Zezinho que, de olhos arregalados, correu como um corisco, para o lado oposto!

Pelo que eu sei, ele nunca mais quis saber dessa história.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 24/08/2018
Reeditado em 26/08/2018
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