A bruxa que mora dentro da porta
Ouvia de longe o ranger do balanço da cadeira. Ouviu por um tempo enquanto penteava os cabelos e fazia duas tranças. A luz se apagou de imediato, depois acendeu, voltou a apagar e um medo foi subindo pela boca do estômago.
Olhando para a luz acesa do quarto, teve a sensação que existia alguém lá dentro a lhe espiar... Um leve suor escorreu por detrás da orelha, ergueu a mão à testa em sinal de Cruz. Fechou os olhos no mesmo tempo em que a porta do quarto se abriu! Abriu os olhos e a porta se fechou bruscamente fazendo um barulho estranho.
Fechou os olhos novamente, a porta se abriu, arregalou os olhos, a porta voltou a se fechar e ela fechou os olhos fortemente e a porta se escancarou e ela chamando coragem de dentro de si, gritou alto, muito alto, perguntando quem estava ali!
A porta se abriu de subido, vindo de dentro dela um arroto alto e depois um riso ensurdecedor, orquestrado pelo ranger da cadeira. Maria Clara, magra, olhos fundos, óculos redondos, cabelos compridos negros-trançados e o corpo magro distribuídos em nove anos, mesmo com as pernas tremendo, correu, se enfiou debaixo da cama no instante em que tudo ficou escuro.
Debaixo da cama, ao invés de ter o piso, tinha um buraco negro que a fez escorregar como se estivesse descendo em um grande escorrego, um enorme escorrego cheiinho de curvas... Maria Clara gritava de ficar com as tranças em pé!!!!! Em uma das curvas, ela sobrou e voou agarrando-se em um guarda-chuva preto, que ao se abrir, tinha formato de um morcego e quando ele a levava para cima, ela o soltou e passou a despencar lá de cima até cair em um imenso toboágua!
Novamente foi escorregando, escorregando até cair em uma piscina esquisita, cheiinha de pererecas olhudas, da língua grande, do papo gelado, todas querendo chegar perto dela. Só sei que no momento em que ela ia sendo engolida por uma perereca gigante, uma outra deu-lhe um chute que foi parar em cima de uma montanha russa, mais parecia com um penhasco. Onde ela estava sentada, parecia a mão de uma velha bruxa, de dedos compridos, unhas imensas e anéis coloridos. Em uma descida veloz, novamente ela ouviu o arroto, o riso da porta e a grande mão da bruxa se fechando.
Nesse momento, gritou tão alto, mas tão alto que sentiu todos os seus dentes voando de dentro da boca, cada um se transformando em um dinossauro gigante e ela se vendo diante de um espelho, o nariz crescido, os olhos arregalados, os lábios muxos, as sobrancelhas crescidas e o cabelo todo assanhado.
De dentro dos seus olhos não saíam lágrimas, não conseguia chorar, até que se lembrou da medalhinha milagrosa que carregava no pescoço, presente da vovó para momentos de apuros... Foi quando apertou forte e só sentiu os lábios quentes da vó ao seu lado, chamando por ela para tomar o leite morno.
Percebeu que tudo não passava de um grande pesadelo.
Deu um forte abraço na vó e pediu para dormir com ela porque estava com uma leve dor de cabeça. A vó sorriu baixinho e pensou: mas eu nem contei ainda a história da bruxa que mora dentro da porta... Sorriu e levou a netinha para o quarto.
Maria Clara achou estranho quando percebeu que a vovó tinha mãos e anéis iguais ao da bruxa.