A vela que não sabia de sua importância.

A vela que não sabia de sua importância.

Natal F Cardoso

Era uma vez uma vela do interior. Ela estava sempre apagada e triste. Outra vela baixinha, pois só havia sobrado o toco lhe fazia companhia. Mas o dono sempre preferia acender uma vela nova. Pois achava que ela logo iria acabar e ele teria que repetir o serviço. Eles moravam no meio do mato lá onde ainda não havia luz. Realmente havia luzes. Mas sempre acabava e elas entravam em ação. A velinha nova sempre reclamava. — Ai, ai, ai. Todo dia é a mesma coisa. Esse nosso dono vem me acende. E eu choro e choro. Estou cansada. Meu pavio, já está quase todo gasto. Sem contar essas lágrimas que ficam em minha volta toda coladas em mim. A vela coto mais sabia e experiente. Sempre lhe dava conselhos. Que á satisfazia por certo tempo, mas logo ela lá estava ela a se lamentar.

Ali a seu lado dentro do armário as lamparina que ao ouvir a vela reclamar que gozavam de sua ingenuidade, e diziam com desdém.

__Ora queridinha. Eu sei que seu sofrimento vai acabar.

— Como? Não estou entendendo.

— Queridinha. Olhe em volta. Você não vê esses tocos de velas. É o seu futuro.

— Mas e vocês? Você também vai acabar.

— Nós não queridas. Nós somos eternas. Se não precisarem de nós. Serviremos em algum museu. Agora você. Vai ser queimada até acabar. Se tiver sorte, vai virar um toco, como sua amiga. As lamparinas eram todas convencidas. E acabavam fazendo a vela mais infeliz.

A velinha começou a chorar e olhou para a sua amiga a coto ali a seu lado.

— Não fique assim minha amiguinha. Essas lamparinas não sabem o que falam. Pois sempre ficaram por aqui. O máximo que conseguiram foi sair à noite para um passeio. Passeio não. Para ajudar a procurar escravos fugidos. Ou para procurar seus donos bêbados caídos em algumas vielas fétidas.

As lamparinas revidaram.

— Como ousa falar assim. Nós, pelo menos de vez em quando damos um passeio e vocês que só ficam aqui. Presas. Pois se saem logo são jogadas no chão, pois não são amorosas como nós. Vocês acabam queimando com suas lágrimas horrorosas as mãos de seus donos.

— Ah! É, e quando somos convidadas para uma jantar e ficamos apreciando dois jovens bonitos e perfumados se preparando para o amor. E também nas procissões. Somos ornadas com roupas coloridas ou viajamos em pratinhos de louças. E todos nos levam com o maior cuidado para não apagarmos. Somos as estrelas da festa. Agora vocês nem são convidadas. Ficam em seus cantos morrendo de invejas.

— Queridinha não é nada disso. É que nós somos difíceis, e vocês são fáceis e qualquer um encontra. Imagine se eles iam gastar óleo perfumado para queimar a noite toda. Nós somos objetos caros e só nos acendem quando realmente precisam de uma longa viagem. Vocês estão sempre por ai, jogadas em qualquer canto. Nós não. Há todo um ritual de colocar o óleo ou a querosene. E além do mais nosso pavio é descartável. Queimou, troca-se. Enquanto o seus morre junto com vocês. E tem outra coisa nós duramos mais. Temos um óleo que nos lubrifica e não morremos. Sempre podemos voltar a se acesa. E além do mais, aqui nós somos mais importantes. É bem verdade que estamos um pouco amassadas, pelo desmazelo desse nosso dono. Mas nós somos sempre mais usadas do que vocês.

— Mas não participam de jantares, de reis e rainhas. Nós somos mais importantes, já estivemos em teatros, e nos maiores palácios, lugar que vocês só ficaram nas masmorras fazendo um serviço degradante e de pura maldade. Iluminando a maldade dos homens.

— — Vocês também iluminaram masmorras. E suas confecções eram mais simples. Nós éramos feitas por verdadeiros artesões. Haviam de ouro e prata. Vocês também iluminaram cultos profanos. Pois eles preferiam velas a lamparinas. É verdade ou não?

— Sim queridinha é verdade, até nisso nós éramos melhores que vocês. Mas o mais importante é que nós evoluímos e até hoje somos encontradas em qualquer lugar. E vocês? Onde se encontram vocês? Em museus. Ou esquecidas em algum canto.

As lamparinas ficaram quietas e a velinha começou a sorrir e a agradecer a coto.

— Obrigada. Minha amiga. Mas elas têm razão em uma coisa. Nós vamos nos gastar e elas ficaram aí inteiras.

— Querida nem tudo é perfeito. Já pensou que alegria ficar horas e mais horas vendo dois amantes se amando, ou então queimando em algum teatro antigo. Ou em uma igreja. Você já viu alguma lamparina nessa condição. Acho que apesar de sermos de um naipe menor. Nós temos estirpe nossos antepassados estiveram em palácios e iluminaram gente bonita e coroamos reis e rainhas. E elas o máximo que conseguiram foram entrar em alguns calabouços. Nunca frequentaram as altas festas.

— As deixem. Que elas não têm extirpes.

As lamparinas deram as costas e nunca mais falaram com as velas. As velas eram sempre acesas enquanto as lamparinas ficavam lá criando teia de aranha. Mas elas se mantinham de narizes empinados se achando ás maiorais.

Um dia o dono saiu muito cedo e esqueceu a vela acesa. Ela ficou desesperada, pois se ficasse tanto tempo acesa iria se consumir. As lamparinas ao ver isso se aproximaram.

— Ah! Então quer dizer que é hoje que vais embora. Se tivesse um pavio como eu isto jamais aconteceria. Apenas o pavio iria embora. Mas não se preocupe. Vocês têm extirpes. E uma vela que se preze morre com alegria.

E começaram a dar risadas da pobre velinha, toda apavorada e vendo suas lágrimas correr cada vez mais depressa. A vela cotó disse:

— Calma querida. Você tem que ser forte. E além do mais você voltará. Pois de suas lágrimas surgira nova vela. Nós nunca acabamos numa lata de lixo como lamparinas velhas.

A velinha sorriu e disse:

— Obrigada. Você tem razão.

As lamparinas ficaram quietas com seus narizes empinados.

FIM

Natal Cardoso
Enviado por Natal Cardoso em 07/04/2018
Reeditado em 19/04/2018
Código do texto: T6302182
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