A mulher desmiolada
Texto original: Rosângela Trajano
cordel.: Rosa Regis
Ilustração: Danda
Andava pela cidade
Sem saber para onde ir
Comia pedra e cupim
Sem saber como sorrir
Falava sozinha, a doida,
Sem jamais querer dormir.
A mulher desmiolada
Contava histórias sem fim
Ninava com velhas músicas
Cantigas do Alecrim
Andava toda rasgada
Tangia o ar do capim.
O vento que balançava
O seu pensar tresloucado
Na escuridão da noite
Mexia mesmo um bocado
Com a pinta do Serafim
Presa naquele cercado.
A mulher desmiolada
Jogava pedra na lua
Gritava por Satanás
Ficava todinha nua
Diante da sua lógica
Com um gatinho de rua.
Levava ela o bichinho
Preso debaixo do braço,
Para a Igreja. E a rezar,
Dizia: - O mundo eu refaço!
Sem soltar nem um momento
O seu gatinho de laço.
Porém o joga no altar
No Santíssimo. Em sua cruz.
Rasga a Bíblia, praguejando
O altíssimo Senhor Jesus.
E baixo, como em cochicho,
Diz o que a mente lhe induz.
A mulher desmiolada
Vendeu, como sendo sua,
A Terra, alugou o Céu
E subiu a serra nua,
Namorou a noite inteira
As estrelas e a lua.
Ela sabia de tudo
E não sabia de nada.
Quando estava a dormir
Falava muito a danada!
Mas quando acordada estava
Era totalmente asnada.
Andava na praia à toa
Beijando as ondas do mar
Ria da sua desgraça
E dizia muito amar.
A louca sempre ordenava
O seu gatinho Aramar.
A mulher desmiolada
Era um ser que não tem ser.
Filosoficamente, digo:
Que ela seria um não-ser.
Esquisita a tal mulher!
Talvez fosse um vir-a-ser.
Qualquer uma coisa lia:
O jornal de anteontem
De cabeça para baixo
Nada sabia do ontem
Se hoje era mesmo hoje
Ou se era trasanteontem.
Brincava como criança
A mulher desmiolada
De tica, de pular corda,
Ficando toda enrolada
E brincando amarelinha
A fazia circulada.
Ela tinha cem coisinhas
Para poder matutar
Uma cabeleira horrível
Para a todos assustar.
Era uma doida que tinha
Muito medo de enlutar.
A mulher desmiolada
Enchia o vaso soprando
Sem estar nem um pouquinho
Ao seu vazio ligando.
Do vaso ela faz descaso,
Só sopra. Nem se importando.
A mulher desmiolada
Esvaziou seu pensar
Numa tristeza tamanha
Viu-se num sonho adensar
Catou palavras perdidas
Lá dentro do seu pensar.
A mulher desmiolada
De noiva, agora vestida,
Procurava seu buquê
Meio abatida, perdida...
Voava para as estrelas
Na sua fé rebatida.
Natal-RN, 15 de setembro de 2008.
Texto original: Rosângela Trajano
cordel.: Rosa Regis
Ilustração: Danda
Andava pela cidade
Sem saber para onde ir
Comia pedra e cupim
Sem saber como sorrir
Falava sozinha, a doida,
Sem jamais querer dormir.
A mulher desmiolada
Contava histórias sem fim
Ninava com velhas músicas
Cantigas do Alecrim
Andava toda rasgada
Tangia o ar do capim.
O vento que balançava
O seu pensar tresloucado
Na escuridão da noite
Mexia mesmo um bocado
Com a pinta do Serafim
Presa naquele cercado.
A mulher desmiolada
Jogava pedra na lua
Gritava por Satanás
Ficava todinha nua
Diante da sua lógica
Com um gatinho de rua.
Levava ela o bichinho
Preso debaixo do braço,
Para a Igreja. E a rezar,
Dizia: - O mundo eu refaço!
Sem soltar nem um momento
O seu gatinho de laço.
Porém o joga no altar
No Santíssimo. Em sua cruz.
Rasga a Bíblia, praguejando
O altíssimo Senhor Jesus.
E baixo, como em cochicho,
Diz o que a mente lhe induz.
A mulher desmiolada
Vendeu, como sendo sua,
A Terra, alugou o Céu
E subiu a serra nua,
Namorou a noite inteira
As estrelas e a lua.
Ela sabia de tudo
E não sabia de nada.
Quando estava a dormir
Falava muito a danada!
Mas quando acordada estava
Era totalmente asnada.
Andava na praia à toa
Beijando as ondas do mar
Ria da sua desgraça
E dizia muito amar.
A louca sempre ordenava
O seu gatinho Aramar.
A mulher desmiolada
Era um ser que não tem ser.
Filosoficamente, digo:
Que ela seria um não-ser.
Esquisita a tal mulher!
Talvez fosse um vir-a-ser.
Qualquer uma coisa lia:
O jornal de anteontem
De cabeça para baixo
Nada sabia do ontem
Se hoje era mesmo hoje
Ou se era trasanteontem.
Brincava como criança
A mulher desmiolada
De tica, de pular corda,
Ficando toda enrolada
E brincando amarelinha
A fazia circulada.
Ela tinha cem coisinhas
Para poder matutar
Uma cabeleira horrível
Para a todos assustar.
Era uma doida que tinha
Muito medo de enlutar.
A mulher desmiolada
Enchia o vaso soprando
Sem estar nem um pouquinho
Ao seu vazio ligando.
Do vaso ela faz descaso,
Só sopra. Nem se importando.
A mulher desmiolada
Esvaziou seu pensar
Numa tristeza tamanha
Viu-se num sonho adensar
Catou palavras perdidas
Lá dentro do seu pensar.
A mulher desmiolada
De noiva, agora vestida,
Procurava seu buquê
Meio abatida, perdida...
Voava para as estrelas
Na sua fé rebatida.
Natal-RN, 15 de setembro de 2008.