LELECA, MOLECA - PARTE 1

Leleca era essa moleca sem igual, apesar de não ter nascido no campo, e sim na capital, era menina matreira, calada e cheia de ideias de subir em árvores, mergulhar no rio e pegar jararaca pela rabo.

Sempre descalça, correndo por aí, mesmo levando carão o tempo todo, ela pulava a janela de casa para o quintal, andava no chão escaldante, subia na árvore para comer siriguela, pulava o muro para a casa da vizinha. Tinha jeito não, a menina era furacão.

Gostava do cheiro da chuva e de sentir os pingos geladinhos batendo nela, e depois que a chuva ia embora, ficava aquele aroma de gado.

Brincava com formiga, pegava soinho (mico) e inventava histórias de assombração.

Quem não conhecesse, que a comprasse. Menina atentada, de olhos curiosos; mente sempre a mil, com seus planos mirabolantes, de conhecer um novo mundo, falar com um fantasma ou ter poderes de magia.

Era pura criança e alegria. Com todo o teor da infância e inocência, ela era um poço de encanto.

Adorava raspar a tigela da massa crua de bolo. Então um dia teve uma ideia. Foi na casa da tia Lu, que sempre fazia bolo, quase todo santo dia, e disse ter curiosidade, que gostava de cozinhar, e que apesar do seu tamanho, queria aprender um bolo fazer.

A tia então pegou todo o material, e passo a passo ensinou a receita, enquanto a menina tentava decorar tudo em sua cabecinha, já que não sabia ainda escrever tão bem.

E numa tremenda concentração, ela ouvia cada palavra e acompanhava cada movimento com muita percepção. E de repente estava pronta, aquela deliciosa massa. Mas, quando a tia falou em assar, ela logo pulou e disse: Não posso comer assim? A massa é muito mais gostosa. E eu não gosto de bolo.

E a tia, achando graça, disse que não, pois poderia dar dor de barriga, mas, que ela poderia ficar com a tigela. Apesar de não ser como ela queria, ficou satisfeita e se lambuzou em alegria.

A casa da avó era um de seus grandes mistérios. Ela transitava pela casa, olhava aquela enorme sala com uma mesa do lado da cozinha, sala essa, que anos depois, ela viu o quanto era pequena, que na verdade era o seu tamanho que a deixava tão grande.

Do lado da sala, tinham dois quartos, mas um ela achava mais intrigante, porque tinha vários quadros dentro, na verdade, imagens emolduradas de lugares diversos e um de uma estátua.

E para ela, cada um daqueles desenhos, tinham uma história, a qual ela remodelava em sua cabeça, e eram sempre bem misteriosas e cheias de segredos incompreendidos pelo homem.

Sua criatividade, ia além da imaginação.

E depois, ela contava para a sua tia Su, que adorava conversar com Leleca, e ouvir suas mirabolantes histórias. A tia era apaixonada por novelas e artistas, então, Leleca sempre se inteirava do maior conhecimento possível, olhando em revistas e tudo mais, só para conversar horas a fio com a tia. E as duas juntas, riam muito e se divertiam. Apesar, da tia ser fechada e zangada, e ninguém mexer com ela, com Leleca, ela era diferente, pois as duas se entendiam como ninguém.

A tia até acreditou na história que Leleca contou a ela uma vez, de uma cachorrinha tão inteligente, que sabia até abrir a torneira para pegar água. E assim, as duas se entendiam e riam bastante. E tia Su sempre trazia muito chocolate e bombom quando vinha do trabalho, pois trabalhava no centro da cidade, e adorava comer guloseimas juntamente com Leleca. Era uma ligação muito especial.

Mas, tinha ainda a parte de baixo da casa da avó, que era mais incrível ainda. Lá tinha um moedor de café, que a avó Didi, sempre moía o café depois de torrar numa enorme bacia rasa de metal e sem alças, tipo frigideira.

E tinha um lugar estranho, uma sala fechada, que Leleca amava brincar, e que a avó sempre brigava. Nesta sala, tinha uma porta, que dava para a um tanque de água, que parecia uma piscina, e que a menina usou muitas vezes para tomar banho, com a autorização da avó, pois essa nunca negava nada para Leleca, que a conquistava sempre com suas palavras doces e engraçadas.

E tinha a lavanderia e o quintal. No quintal, tinha uma casinha, que a avó costumava trancar perus para matar no final do ano. Leleca achava aquele bicho o máximo. Fazia um barulho engraçado (glu glu glu), e a menina corria atrás do bicho de vez em quando. Era pura diversão.

Mas, tinha ainda o galinheiro, que Leleca nunca gostou muito, pois sempre achou um bicho feio e sem graça. Mas, ficava olhando, como no final da tarde as galinhas subiam nos galhos da árvore para dormir, e aquilo lhe intrigava. E ela fazia sempre muitas perguntas a avó, que tinha uma grande paciência, e tentava explicar tudo da melhor maneira possível.

A avó era uma das grandes paixões de Leleca. Leleca adorava ir olhá-la nos seus afazeres domésticos. Sempre acompanhava tudo com muita atenção e interesse, cada detalhe.

Mas, o que ela mais gostava era de ver a avó assando castanha no quintal, era cheiroso, e as castanhas muito gostosas, e ela se empanturrava de castanha. E as duas riam muito, e se regalavam.

Leleca era sempre muito galhofeira, e tinha muitas histórias mirabolantes para contar. A maioria remodelada do que ela escutava ou lia em algum lugar.

No quintal ainda tinha o pé de azeitona preta, que não é azeitona porque é roxa e doce, mas chamavam assim.

Enfim, era um grande quintal, com uma parte no fundo que tinha areia tipo movediça, e uma construção antiga derrubada no final do quintal. Tudo era um campo muito fértil para a criação de tantas façanhas em sua mente. Leleca amava ficar naquele quintal horas a fio, e criar aventuras em que sempre, ela era a heroína.

Tinha ainda o tio Rui, o estudioso da família. Historiador, adorava ler, e tinha uma biblioteca. Um homem muito fechado, de modos rudes e grosso. Nunca foi muito amigável. Mas, para Leleca, todos abriam exceção. Pois ela não desistia, insistia sempre. E assim, ela aprendeu a ler cedo. E lia todos os livros da biblioteca do tio. E lá, ela conheceu a história de uma pirata, que a fascinou, e que ela sonhava ser igual. Também, leu sobre Joana D'Arc e tantas outras mulheres que passaram pela história. E tudo aquilo, lhe inspirava, lhe dava uma nova dimensão do mundo. E ela questionava, não aceitava diferenças entre homens e mulheres. Pois como a sua avó Didi dizia, ela poderia ser e fazer o que ela quisesse, contanto que nunca atrapalhasse a vida de ninguém.

E além de ler tudo quanto era enciclopédia, livros de histórias e principalmente biografias, suas preferidas, ela pegava tudo o que lia, e sentava na janela do tio, quando este estava ocupado, lendo ou trabalhando, e ficava lhe questionando. Indagava sobre tudo. Não aceitava um simples sim ou não. Tudo tinha que ser bem explicado. E o tio ria com tantas curiosidades que vinham daquela garota. Ele no seu birô velho, sentado em sua cadeira de madeira, grande, e ela lá, no parapeito da janela, olhando para o mundo, que para ela, era infinito, e ela queria cruzá-lo. Queria conhecer todos os lugares e mistérios da terra, e quem sabe até do espaço.

Noélia Alves Nobre
Enviado por Noélia Alves Nobre em 07/09/2017
Código do texto: T6107106
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