Ao menino do estilingue

Bom dia, Menino do estilingue:

     Estou escrevendo essa carta para falar sobre a minha dor. Talvez não saiba o que é isso... O desejo de "brincar" de caçar passarinho parece ser maior do que pensar em nós. Aqui no nosso mundo, os passarinhos brincam de jogar sementinhas no chão e de pula-pula. Minha profissão é cantar. E você, menino, o que faz além de ferir os passarinhos? 
     Sou um daqueles passarinhos que estavam às margens de um rio cheio de mato, um rio que vocês humanos não costumam visitar e por isso pensei que estivéssemos em segurança no abandonado rio. Mas, eu estava errado.
     Hoje, pela manhã, eu e minha companheirinha bem-te-vi estávamos à beira do rio, em nosso esconderijo, debaixo de uma folhas de ingá que caíra no cháo. Começamos a brincar, pular de galho em galho entoando o nosso hino: bem-te-vi e o nosso canto chamou a sua atenção. Eu não cantava para você, menino... Mas, de repente, você e o seu coleguinha apontaram uma coisa estranha para nós. Não tivemos tempo para fugir... Senti algo passar de raspão em minha asinha e logo avistei a minha bem-te-vi estendida no chão.
     Feito isso, vocês corriam em direção a nós e a minha dor aumentou. Tentei acordá-la e nada. Precisávamos fugir daquele lugar. Ela não acordava e eu não podia voar... De repente, um homem bondoso correu na direção de vocês e impediu que chegassem até nós. Ele nem sabia que estávamos feridos... Eu fui ferido no corpo e na alma... Não sei se temos alma, mas eu senti a dor além da minha asinha quebrada.
     Vocês foram embora e eu fiquei com a minha dor... 
     Por que vocês fizeram isso? Somos tão pequeninos e não servimos para banquetes de humanos. O que você sentiu quando fomos feridos? Minha companheirinha morreu... Eu sinto dor... Não conhecia aquele brinquedo que estava em sua mão? Para que serve, além de ferir?
     Peço que não use mais aquele brinquedo. Eu só queria brincar e cantar.  

Assinado: Um pássaro ferido