Angelina é pequena.
Mora e anda sempre sozinha, sem mágoa, pois tudo o que olha vê com os olhos da alma e medita longamente, falando consigo mesma, fazendo-se companhia.
Portanto não vive sozinha Angelina!
Vêem-na sem parceria e têm pena, coitada... Para ali ao Deus dará, sabe-se lá se come, se dorme, que ninguém aparece dizendo:
- Esta menina é minha!
E não é de ninguém, pois não!
É do vento, é do sol, do mar, do céu!
É da madrugada.
É filha de Vénus, a estrela da aurora.
Tem dentro do peito uma estrela que irradia tanto amor quanto aquele que não tem, mas não lhe falta pois o inventa.
Vive num mundo só seu.
Quando o vento zumbe, voa com ele e ri, de braços abertos, como asas de borboleta.
Mal toca no chão com as pontas dos sapatinhos, tão leve vai!
O vento ergue-a nos braços, numa viagem de sopro, e depois pousa-a com um sussurro.
Gosta muito de viajar, Angelina!
Tem uma nave só dela, uma nuvem roxa que vagueia entre muitas, de cores diversas.
A sua nuvem, Celeste, é a chefe das pintoras do céu.
Diz às outras nuvens, cor-de-rosa, amarelas e cinzentas, onde devem colocar-se afim de desenhar no céu quanto se vê lá no alto.
Imitam as formas dos montes, das flores, dos animais e dos rios.
Montado o cenário, comanda as nuvens brancas como se fossem actrizes e abre reposteiros de raios de luz.
Às vezes abre furinhos nas gotas negras, quando estão prenhas de chuva.
Depois sobrevoa os campos e bebe o vapor que se evola da terra e do mar.
Celeste e Angelina são íntimas amigas, isto é: Celeste é, oficialmente, a nave da menina, tendo por dever levá-la a passeio e a menina tem por dever amar a nuvem, que a leva ao colo, seja a que hora for, sobrevoando tudo: Florestas, desertos e mares salpicados de ilhas.
Ornam-no como jóias os bancos de coral e os campos de algas.
Cantam as baleias e as sereias.
Celeste é roxa porque leva no bojo uma riqueza de água pura.
E Angelina aborrece-se porque anda sempre molhada: Pesa-lhe o vestido, pinga-lhe o cabelo.
Em vão se vai queixando, mas Celeste responde que tem de ser assim mesmo, que é uma nuvem de chuva, portanto tem de levar água que mate a sede aos lugares onde não chove e da terra seca nada reverdesce e milhares de crianças sofrem de fome, exaustas do esforço de sobreviver, de crescer devagar, sem ter quem as sustente.
Angelina, que vê com os olhos da alma, entende e cala.
Mas um dia... Um dia de primavera, sentiu uma vontade especial de secar ao sol, de dançar na brisa morna, de cantar, de subir como uma flor quando as pétalas se lhe abrem uma a uma.
Nesse dia Angelina sentiu fome de alegria!
E, chegando ao ouvido de Celeste, disse-lhe:
- Olha, hoje vou voar mais alto. Não te zangues comigo nem te esqueças de mim, mas hoje apetece-me voar numa nuvem cor-de-rosa. Quando matar a sede de alegria que me traz a primavera, volta a buscar-me!
Subirei de novo no teu colo, para que me leves para longe, aos lugares necessitados de chuva.
Deixa-me secar a roupa. Já nem me lembro de sentir os cabelos soltos, pois pingam de tão molhados.
A nuvem roxa acenou, não se sabe se sim se adeus.
O certo é que a nuvem rosa levou a menina a visitar as flores da primavera, muito felizes. Rindo, rebolavam nos prados, por entre as margaridas, as campainhas... Mas ao abrirem as papoilas, que precisam de muito calor para ficarem rubras, a nuvem cor-de-rosa foi-se evaporando aos poucos, deixando de si uma gota brilhando em cada botão, para ajudar a colorir as pétalas.
E Angelina deu por si poisada no chão, seca, perdida, à procura da nuvem Celeste, que nunca pára.
Angelina está à janela olhando o céu despido, monótono de tão azul.
Lindo, mas sem pinturas coloridas, sem nuvens brancas bailando por entre raios de luz.
Os olhos da alma de Angelina estão tristes.
Fita o céu na esperança de que volte o tempo dos frutos e a água suba da terra.
E que a nuvem roxa se lembre que é um bojo de matar a sede, bebendo.
E se lembre que é a sua nave, recorde que ela existe e está sozinha, esperando com esperança, olhando para o céu atrás da janela.
- Será que Celeste a esqueceu?