O AVARENTO GENEROSO
O AVARENTO GENEROSO – 10/2/17
(Folklore hindu, traduzido do inglês, adaptado e versificado a partir de um conto de Folk Tales and Fairy Stories from India,da autoria de Sudhindra Nath.Ghose, por William Lagos).
O AVARENTO GENEROSO I
Em Rajgarh, no estado de Alwar, (*)
vivia certa vez um mercador,
vasta fortuna sempre a acumular...
Mahajani se chamava este senhor, (**)
que em avaro veio a se tornar,
anos depois de ter sido um gastador,
durante o tempo em que seu pai vivia
e sua riqueza alegremente distribuía.
(*) Pronuncie Radigári e Aluar);
(**) Pronuncie Mahadiani, com o “h” aspirado pelo nariz.
Porém depois que tal riqueza herdou
e com as chaves abriu as portas do tesouro,
o seu caráter mui rápido mudou,
logo tomado por feroz febre de ouro
e nessa câmara secreta se encerrou,
contando as rúpias em cem sacos de couro,
muitos milhões depressa já somando,
mesmo o total tendo superestimando.
Se ao menos ele não gastasse tanto!...
O velho Chirajani, realmente,
sempre atendera do suplicante o pranto
sem amparar os mendigos tão somente,
mas se alguém lhe surgia de algum canto
pedindo empréstimo, não ficava indiferente
e contribuía para os templos com prazer,
sem esperar qualquer retorno receber!...
Não pedia juros, por não ser um usurário;
é bem verdade que tinha um contador,
tomando notas de todo o numerário;
na data certa, era enviado um cobrador;
e no geral, tal benefício solidário,
logo era pago por cada devedor;
mas quando alguém adiamento lhe pedia,
sem grande dificuldade o conseguia.
O AVARENTO GENEROSO II
Contudo, é preciso que se diga
que se deixar enganar não permitia;
caso a empréstimo tal soma se condiga,
cedo ou tarde o tomador pagar devia;
só quando alguém donativo já persiga,
rapidamente a tal pessoa ajudaria.
Era chamado de Bom Samaritano
ou o termo igual em seu idioma indiano.
Mas isso não era tudo! Festas dava,
com uma pompa que raiava a opulência;
vastos banquetes de oferecer gostava,
seus amigos recebendo em vasta audiência
e ainda presentes caros enviava,
por amizade ou por benevolência
e era destarte por todos estimado,
um largo imposto ao rajá sendo enviado!
Mas nos negócios era muito cuidadoso
e grandemente em seu comércio prosperava;
com o filho único se mostrava generoso
e lhe dizia não importar o que gastava;
sempre que alguém se mostrava dadivoso
cada vez mais seus lucros aumentava,
e a preferência lhe dariam em ocasião
os atendidos por se julgar em obrigação!
Morreu Chirajani certo dia e foi cremado
e seguindo os costumes dessa terra,
sua fiel esposa deitou-se do seu lado, (*)
anestesiada, é verdade. E o fogo encerra
de Mahajani todo o amor já encontrado
nos braços de sua mãe. Além da serra,
até ao Ganges, esse rio sagrado,
seguiu cortejo muito bem acompanhado!
(*) O costume do Suttee (Sati), hoje proibido pelo governo indiano.
O AVARENTO GENEROSO III
Mas logo após que as cinzas se espalharam
sobre as águas do Ganges sacrossanto,
na viagem de retorno, já o abordaram
muitos amigos, sem respeito ao pranto
e em vastos donativos lhe falaram,
algum em empréstimo disfarçado um tanto...
E Mahajani ficou logo ressentido
com essa gente que o dinheiro havia pedido.
Anteriormente, ele fora um gastador
e seu pai homem muito generoso;
em seu portão, qualquer um tinha favor
e assim pensaram ter lucro fabuloso,
mas Mahajani não demonstrou pendor:
“Estou de luto!” – exprimiu-se, rancoroso,
“Péssima hora para qualquer pedido!”
E o seu cortejo foi ficando reduzido...
Dessa forma, quando em casa retornou,
não quis saber de grandes donativos
e nem banquetes funerários realizou,
contra os costumes paternos permissivos;
não deu presentes; nem ao templo contemplou
e quando alguns pedintes mais ativos
recorreram à sua esposa, recusou:
“Esses abutres só nos querem explorar,
sem coisa alguma, na verdade, precisar!...”
“Primeiro, eu vou fazer o inventário
para ver qual seja a soma que restou;
só depois pensarei ser solidário.”
Mas os pedidos constantemente adiou
e foi pegando fama de usurário...
Quando as palavras insolentes escutou,
em consequência ainda mais se endureceu:
só os verdadeiros mendigos atendeu!
O AVARENTO GENEROSO IV
E ao se dar conta ter bem menos riqueza
do que esperava, ficou até ofendido!
Aos negócios retornou, com esperteza;
por mais arguto que seu pai foi logo tido
e logo os lucros chegaram, com presteza,
tudo em sua câmara sendo recolhido...
Não era avarento, de fato, no começo,
mas por suas rúpias de ouro tinha apreço!
E facilmente muitas brechas descobriu;
cortou os contatos que agiam com má fé,
maus funcionários igualmente demitiu,
que desviavam seus lucros ou até,
por ineficiência e delongas que então viu,
em suas empresas logo tomando pé,
e embora agisse com escrúpulo e honestidade,
multiplicou os seus ganhos, na verdade!
Mas essa gente que lhe explorava o pai
abertamente começou a murmurar;
antigas dívidas depressa a cobrar vai,
trapaça alguma agora a lhe escapar;
não lhe choviam bênçãos quando sai,
porém se fez muito depressa respeitar;
e então pensou outras despesas diminuir
por onde o ouro não parava de fluir!...
Logo o excesso de criados diminuiu
e das vezes em que a esposa protestava,
ele dizia: “Toda essa gente te iludiu,
no máximo, um só quarto nos bastava:
muito dinheiro no seu bolso assim sumiu,
enquanto, sem trabalhar, se banqueteava!”
Contudo os guardas em nada diminuiu
e mais defesas para o tesouro construiu!
O AVARENTO GENEROSO V
Era Mahajani por demais inteligente
para não dispensar sua segurança;
outras despesas podaria, certamente,
e as contas de sua esposa, sem tardança,
a bela Devaditha, examinou frequente,
para cortar desperdícios à bonança,
pois sua fortuna via crescendo sem parar,
porém bem menos do que queria acumular!
Logo a seguir, parou de tomar vinho,
algo que antes consumia até frequente.
Devaditha o repreendia com carinho:
“Meu querido, você é o presidente
da Guilda dos Comerciantes. Ser mesquinho
só contraria o seu dever premente
de oferecer, com frequência, algum jantar
a seus colegas, para a casa se alegrar!”
“Mas é isso justamente que não quero!
Mesmo bebendo em qualquer outro lugar,
a obrigação de oferecer depressa gero!
Se bebo em casa, volto a me acostumar!
Convites para jantar, sou bem sincero,
em casa alguma passaremos a aceitar!
Quaisquer convites precisarão ser retribuídos
e assim ficamos ainda mais empobrecidos!”
“Mas querido, para que juntar dinheiro?
Os deuses não nos deram descendência,
quem das riquezas se tornará o herdeiro?
Parentes longe... Ou então, Sua Excelência,
nosso Rajá, as confisca bem ligeiro,
após sua morte, sustentando sua opulência...”
“É até bom que filhos não tenhamos!
Quanto mais filhos, tanto mais gastamos!”
O AVARENTO GENEROSO VI
Logo a seguir, pôs-se ele a implicar
com as passas de uva no alimento.
“Comendo passas, posso querer voltar
a beber vinho – são uvas sem fermento!”
Depois o açúcar proibiu-a de comprar:
“É muito caro e provoca engordamento!”
A pobre esposa já não sabia o que fazer:
por sua avareza começando a enlouquecer!
Mais adiante, para evitar ser abordado,
só roupas simples na rua pôs-se a usar;
e quando alguém demonstrava-se espantado,
ele afirmava sua religião recomendar
não fosse o luxo ante os pobres ostentado;
já que na Índia existem seitas de pasmar,
até pensaram que humildade demonstrava...
Mas por que tanto por dinheiro se esforçava?
Foi Devaditha consultar um sacerdote
muito afamado por curar os alienados;
pagou a consulta com parte de seu dote,
cujos valores continuavam intocados,
seus animais multiplicados em rebote,
seu ouro e jóias mantidos separados,
que seu marido jamais tentou gastar,
seu dote tendo amplo direito de tomar!
Ela explicou como estava diferente
o seu marido, tantas despesas a cortar,
auxilio aos pobres já negando totalmente,
mesmo os monges mendicantes a expulsar!
Em suas rasas escudelas, realmente,
nem sequer bolo de arroz depositar!
Foi seu relato diagnosticado, sem desdouro:
“Foi dominado pelo demônio do ouro!”
O AVARENTO GENEROSO VII
Mas solução não lhe indicou o estudioso:
“Perante os deuses poderemos suplicar;
porém no mundo material é poderoso
nosso Rajá – pode sua queixa apresentar...”
“Isso está fora de questão: é vergonhoso
e como eu disse: no que é meu não quis tocar!
Ele apenas já não quer gastar o seu,
só acumula o quanto Vishnu lhe deu!...” (*)
(*) O Deus Filho na Trindade Hindu, com Brahma e Shiva.
Não obstante, em sua vida comercial,
mal se notavam ainda diferenças...
Nunca emprestara a juros, afinal,
mas as barganhas tornavam-se mais tensas;
Lucros maiores ele busca, é natural,
Suas exigências um pouco mais intensas!
Apenas ficava mais horas no armazém,
os seus estoques a conferir também.
E quando frequentava as assembleias
da corte do Rajá, vestia-se bem;
de cada imposto pagava suas corveias,
mas percebiam que voltava a pé, também,
justificando as suas excêntricas ideias:
“Manter-me em forma física convém;
assim poupo meus cavalos e a carruagem!”
Guarda-costas a protegê-lo em vassalagem.
Mas certo dia, retornando do castelo
por miserável botequim ele passou
quando espetáculo inusitado fê-lo
estacar ante visão que o impressionou;
um camponês, usando o trajo mais singelo,
todo empoeirado, cantar ele escutou:
“Bebo aguardente a cada vez que quero, (*)
canto bem alto, alegre e com esmero!...”
(*) Cachaça barata.
O AVARENTO GENEROSO VIII
Mahajani encarou-o, surpreendido.
Mas como é tolo esse pobre infeliz!
Anda descalço, de trapos só vestido,
todo empoeirado e alegre ainda se diz!
Possui decerto um tesouro escondido,
um chifre mágico, igual que sempre eu quis!
Mas está bêbado!... Quem sabe, conversando,
onde se encontra me acabe revelando?...
Foi Mahajani então se aproximando:
duas cestas cheias percebeu no chão
e um bambu grosso na parede se amparando.
O miserável era um carregador, então!
Decerto estava somente descansando,
a pior bebida a lhe aquecer o coração,
iscas de peixe comendo com mão suja,
cascas de pão misturadas de lambuja!...
Por que me olha assim, tão malicioso?
Será acaso Kuvera, deus da riqueza?
Só disfarçado nesse aspecto seboso?
O próprio Krishna se disfarça, com certeza!
Então o homem acenou-lhe, prestimoso,
oferecendo-lhe partilhar de sua pobreza!
Que ali bebesse de seu copo de aguardente
e algumas iscas consumisse, simplesmente!
Meio hesitante, acedeu a seu convite,
os seus guardas a deixar bem espantados;
embora o nojo seu coração agite,
nariz e boca pelo álcool requeimados,
porém levando adiante o seu palpite,
“Onde tesouros podem ser achados?”
“Primeiro beba a canha, caro amigo,
depois o ouro em seu lugar antigo!...”
O AVARENTO GENEROSO IX
Tomou outro gole: “Mas onde se acha ouro?
“Bem aqui.” – falou, mostrando seus farrapos.
“É na vida do campo que há tesouro
e a aguardente nos aquece mais que trapos,
mais que moedas em seus sacos de couro,
mas é preciso se viver melhor que os sapos;
não há tesouro para moradores da cidade,
menos ainda para avarentos de verdade!”
Mas este homem é Kuvera, certamente!
Pensou Mahajani, olhando o embriagado.
As instruções descreveu-me claramente:
devo aguardente beber sem mais cuidado,
devo mudar-me para o campo, incontinenti,
usando um trajo sujo e esfarrapado!...
Primeiro esmolas dando, o que é pior!
Mas o tesouro, no final, será maior!...
Chegou em casa, já bem fora de hora,
seus guarda-costas bastante aborrecidos,
as iscas de peixe vomitando sem demora,
a cabeça a lhe doer... Dava gemidos
e pela casa deambulava... A esposa implora:
“Mas por que dás esses passos desmedidos?”
“É minha cabeça que me dói, tremendamente!”
(Era a ressaca daquela péssima aguardente!)
E Devaditha ficou ainda mais surpresa
quando o marido lhe entregou rúpia de ouro:
“A cura eu sei, com a máxima certeza:
Compre dois odres de aguardente de bom couro.
Lembra as acácias de maior beleza
que temos lá no campo, meu tesouro?
Enterre os odres por entre suas raízes!”
Falou-lhe Devaditha: “Farei o que me dizes...”
O AVARENTO GENEROSO X
“Vou mandar os criados arrumarem
a casa de campo, na nossa fazenda...”
“Não, minha querida. Caso te escutarem
vão desconfiar... Prepara antes a tenda
sob as acácias... Lá sozinho me deixarem
será preciso. Eu vou seguir a senda
do ascetismo durante vários dias,
a consultar os deuses e meus guias...”
E enquanto a boa esposa se ausentava,
Mahajani abriu a porta do tesouro
e com um suspiro que sua alma atormentava,
de lá tirou quatro sacos de bom couro;
sabia o quanto cada qual deles guardava:
era um milhão de rúpias de bom ouro!
E invocando a ajuda dos criados,
num carroção foram os quatro colocados!
E foi então até o palácio do Rajá,
que de imediato lhe concedeu audiência.
“Majestade, um milhão de rúpias há
nos quatro sacos. Peço-lhe leniência
para ao tesouro doá-los desde já!...”
O bom rei escutou-o, com paciência.
“Tem certeza do que está fazendo?”
“Majestade, é exatamente o que pretendo!”
O Rajá aconselhou-se com o Vizir
e igualmente com seu tesoureiro.
“Majestade, é preciso concluir
que alguma coisa ele quer! É interesseiro,
até se queixa quando precisa contribuir
com os impostos, embora pague bem ligeiro;
decerto busca lhe pedir algum favor,
muito maior que dessas rúpias o valor!”
O AVARENTO GENEROSO XI
“Meu bom Mahajani, disse o Rajá então,
muito agradeço sua generosidade,
mas os costumes contraria da nação.
Se um donativo quer dar mesmo, de verdade,
vá ao templo de Vishnu e ali faça doação
para seus monges, que fazem caridade
e saberão lhe atribuir melhor destino,
tal qual os orienta seu oráculo divino...”
Foi Mahajani então a seu santuário,
mas tampouco os sacerdotes aceitaram;
“De seu remorso não será o deus beneficiário;
muito já os pobres monges se queixaram
de ser tratados de um jeito atrabiliário;
de generoso sempre a seu pai chamaram;
vá distribuir essa riqueza com cuidado...”
Para sua casa retornou desapontado!...
Falou então para a bela Devaditha:
“Minha querida, mande apregoar pela cidade
que pretendo hoje atender qualquer desdita;
que venham logo à nossa propriedade;
e a todos distribua, qual seu coração dita,
deste milhão de rúpias a integralidade!
Sob as acácias minha tenda preparou?”
“Marido, eu fiz exatamente o que mandou!”
“Mas querido, você parece embriagado!
Qual a razão de um tal comportamento?”
“Fui por oráculo de Kuvera aquinhoado!
Se obedecer-lhe as instruções neste momento
vasto tesouro há de ser-me revelado!
Faça o que peço e me dará contentamento!”
E na saída, seus guarda-costas dispensou
e a mais perversa das ideias o assaltou!
O AVARENTO GENEROSO XII
“Servos fiéis, estou sendo perseguido
por um ator que busca em tudo me imitar;
em minha ausência, é possível que o bandido
aqui apareça e pretenda os enganar;
até o rosto transformou esse fingido,”
foi Mahajani em tal impulso a explicar.
“Caso apareça, expulsem-no na hora
ou tomará o meu lugar sem mais demora!”
Dito isso, saiu andando pela estrada
e em certo ponto, viu um mendigo esfarrapado;
os trapos quis trocar por sua roupa enfeitada.
mas seu desejo foi depressa contrariado:
“Dê-me moedas de cobre e não será chamada
a atenção, nem pensarão tê-lo assaltado;
não serve a prata que me quer oferecer;
se tiver ouro, vão acabar por me prender!...”
E lhe entregando todo o troco que possuía,
deixou o mendigo em sua tanga unicamente,
passando a usar os farrapos que queria,
das roupas finas a fazer trouxa somente;
e caminhou até as acácias, em que havia
a tenda pronta e os dois odres de aguardente,
que se pôs a deglutir sem mais cuidado,
até cair num estupor de embriagado!...
Enquanto isso, consoante as instruções,
Devaditha um pregoeiro contratara,
pela cidade a proclamar às multidões
que Mahajani em generoso se tornara
e atenderia a quaisquer reclamações
de quem ajuda em sua mansão buscara!
Dessa notícia a maioria a duvidar,
somente aos poucos se viu gente aproximar.
O AVARENTO GENEROSO XIII
Mas quando esmola os primeiros lá pediram,
Devaditha lhes distribuiu rúpias de ouro!
Logo uma fila se formou e alguns viram
que mais pedir poderiam sem desdouro!...
Os guardas a todos o acesso permitiram,
logo esvaziados os quatro sacos de couro!
E como Mahajani não lhe deixara as chaves
do seu tesouro, começou a distribuir aves!
Depois as cabras, ovelhas, até o gado
e finalmente, mesmo o grande carroção
que deu a camponês mais exaltado,
sem que nunca diminuísse a multidão;
mas declarando o tesouro já esvaziado,
mandou ao Rajá pedir a proteção,
depois de ter até os móveis entregado,
querendo a gente cada vez maior bocado!
Dois dias depois, já passada a bebedeira,
Mahajani se acordou, tudo esquecido!
Mas o que é isso? Que tremenda asneira!
Estou apenas em farrapos envolvido!
Olhou em volta e reconheceu a inteira
propriedade em que havia adormecido.
Estava a casa trancada totalmente,
porta e janelas já forçando de impaciente!
Pôs-se então a retornar para a cidade,
tendo encontrado diversos camponeses,
todos gabando a generosidade
de Mahajani, empurrando rezes
ou ovelhas, até galinhas, na verdade
e ao indagar, desconfiaram dele às vezes.
“Vá à sua casa,” alguns outros lhe disseram.
“Algo lhe dão, do mesmo modo que nos deram!”
O AVARENTO GENEROSO XIV
Mahajani demonstrou sua irritação:
“Esses cavalos e a carroça me pertencem!”
Todos se riram da sua pretensão:
“Essas palavras a ninguém convencem!...
Você é mesmo o tal ator espertalhão:
ser o nosso benfeitor só quer que pensem!
Toda Rajgarh já sabe dessa história:
quer assumir de Mahajani a glória!...”
E como ele insistisse, o empurraram
e seu caminho seguiram, às gargalhadas.
Sem entender porque o assim trataram,
Mahajani avançou, largas passadas
até sua casa e então viu como levaram
os seus bens em quantidades desusadas!
Mas quando novamente protestou,
quem os móveis carregava... o espancou!
Pior ainda, quando sujo e lastimado,
apresentou-se em frente do portão,
pelos seus guardas foi logo barrado;
mesmo os tratando pelo nome na ocasião,
mais uma vez foi por eles empurrado,
por mais que reafirmasse a sua condição!
E como a tropa do Rajá ainda lá estava,
veio o oficial para saber do que passava.
“É esse ator a imitar nosso patrão!
Ainda anteontem o nosso amo preveniu
que encontrara na cidade espertalhão
que o imitava; e com firmeza nos pediu
que não o deixássemos entrar em sua mansão
por melhor que parecesse a quem o viu!...”
Nada adiantou que Mahajani ainda gritasse
e para o nome do Rajá até apelasse!...
O AVARENTO GENEROSO XV
O oficial decidiu-se, finalmente:
“Para o Rajá apelaste; ao Rajá vais,
mas como um preso bastante impertinente!”
E Mahajani, ao protestar ainda mais,
foi amarrado e em suas roupas de indigente,
foi arrastado, nos costumes habituais,
e numa cela depressa encarcerado,
pelos soldados sem mais pena abandonado...
Mas tanto no seu cárcere reclamou,
que chegou a apanhar do carcereiro!...
O Grão-Vizir, não obstante, o visitou
e grande dúvida desenvolveu ligeiro;
que o tratassem muito bem recomendou:
“Talvez seja o comerciante verdadeiro!”
E foi logo aconselhar o seu Rajá:
“Investigação hoje abrir se deverá!...”
E de fato, em parte alguma se encontrou
outra pessoa igual ao comerciante.
Devaditha logo a seguir se convocou,
para ver se ela afirmava ser meliante
ou seu marido quem se aprisionou.
Foi então banhado e recebeu trajo elegante.
“Ele de fato parece ser o meu marido,
mas permita que por mim seja inquirido...”
“Devaditha, sou eu!...” – disse o coitado.
“O que anteontem pediu que lhe comprasse?”
“Dois odres de aguardente fabricado
em qualquer destilaria que se achasse!”
“Onde pediu que isso fosse colocado?”
“Sob as acácias e que uma tenda levantasse.”
“E por que ordenou a distribuição
de seu dinheiro com tanta profusão?”
O AVARENTO GENEROSO XVI
“Porque um oráculo do grande deus Kuvera
tais instruções me havia transmitido:
que fosse ao campo e aguardente ali bebera,
vestindo trapos que houvesse adquirido;
que desse esmolas do que me pertencera,
para me ser tesouro imenso concedido!...”
“E as belas roupas que ao sair usava?”
“Deixei perto da aguardente que tomava!”
“Senhor Rajá, este é mesmo meu marido!”
Mas o Vizir aconselhou, prudentemente:
“Que até seu campo ele seja conduzido
e nos demonstre aonde o trajo conveniente
deixou oculto, tudo assim esclarecido...”
E sob a tenda o encontraram, realmente.
mas já a esposa, ao longo do caminho.
o acariciava, no maior carinho!...
E foi assim Mahajani reenviado
para sua casa, que achou meio vazia.
“Povo demais pelo pregão foi convocado;
de seu tesouro as chaves não possuía...”
“Querida, agiste sem o menor pecado!”
E quando a guarda sua punição temia,
teve ao contrário bom aumento de salário
e mais um bônus de seu amo solidário!
Logo depois de haver tudo inspecionado,
ainda retinha a maior parte de seu ouro;
novos móveis e mais gado foi comprado,
nenhum pedinte doravante a ter desdouro.
E para sua surpresa, um mês passado,
Devaditha estava grávida! “Eis o tesouro
que me foi por Kuvera prometido,
após o conselho do oráculo ter cumprido!”
EPÍLOGO
E Devaditha lhe deu um belo herdeiro
e no outro ano ainda ganhou uma menina!
Nos seus negócios foi menos altaneiro,
mas de obter grandes lucros tinha a sina;
e sem mais ser só por ouro interesseiro,
para dar festas e banquetes já se inclina,
sempre louvado por tal generosidade
que finalmente lhe granjeou felicidade!
Do deus Kuvera seria de fato mensageiro
o tal carregador, bem disfarçado?
Por Mahajani foi buscado bem ligeiro,
que desejava vê-lo bem recompensado:
ninguém, contudo, recordava o pegureiro, (*)
que nunca mais, de fato, foi achado!
Mesmo em Roma e até na Bíblia se menciona
que um disfarce anjo de Deus às vezes toma!
(*) Montanhês, pastor de cabras.
William Lagos
Tradutor e Poeta – lhwltg@alternet.com.br
Blog: www.wltradutorepoeta.blogspot.com
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